quinta-feira, 20 de maio de 2021

Dominada pelos partidos independentes, a Constituinte chilena desperta um misto de esperança e preocupação

 


Os dilemas do processo constituinte no Chile - Bonifácio

Desigualdade social é muito menor que no Brasil

Deu em O Globo

Exemplo de sucesso de um modelo econômico liberal, o Chile atravessa o momento histórico mais crítico desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet. A Assembleia Constituinte que emergiu das urnas esta semana desperta ao mesmo tempo esperança e preocupação. Saíram vitoriosos partidos independentes, que somaram 48 das 155 cadeiras.

Direita e centro-direita, ligadas ao presidente Sebastián Piñera, elegeram só 37 constituintes, abaixo do terço necessário para bloquear artigos na nova Constituição.

MAIORIA INDEPENDENTE – Na esquerda, a lista encabeçada pelos comunistas deverá chegar a 28 cadeiras, mais que as 25 da centro-esquerda formada pelos partidos que governaram o Chile em 23 dos últimos 31 anos.

A vitória dos independentes traduz o espírito antipolítica que animou os protestos de rua de 2019. Não há maior símbolo disso que a eleição de Giovanna Grandón, profissional de transporte escolar célebre por envergar a fantasia do pokémon Pikachu nas manifestações. A Constituinte terá um ano para submeter a plebiscito uma nova Carta, que deverá substituir a Constituição em vigor desde os anos Pinochet.

É preciso reconhecer o avanço de um corpo representativo onde, pela primeira vez, indígenas ocuparão cadeiras (17), e mulheres serão maioria (79, entre 155).

MUITA ESPERANÇA – É palpável a esperança que os chilenos depositam na Constituinte. Há forte demanda por estender a rede de proteção social, atribuindo ao Estado responsabilidades maiores na educação, saúde e previdência, setores em que o protagonismo hoje é privado.

Mas também há motivo para receio. Por mais que a população enfrente dificuldades, quando se compara o Chile ao resto da América Latina, fica claro que a revolta espelha mais a percepção que a realidade.

 É, de longe, o país mais próximo do Primeiro Mundo no continente. Desde os anos 1980, a pobreza caiu de 40% da população para menos de 10%.

É um caso raro de país emergente que parece ter achado um caminho para vencer o que os economistas chamam de “armadilha da renda média”, com um modelo que reúne abertura comercial e saúde fiscal, preocupação de todos os governos, à esquerda ou à direita.

RENDA PER CAPITA – A inflação está sob controle, e o crescimento, embora tenha caído, é superior à média latino-americana. O Banco Mundial estima que em breve a renda per capita chilena ultrapassará os US$ 25 mil, dois terços acima da brasileira e um terço acima da argentina. Ainda que a concentração de renda seja alta, a desigualdade está bem abaixo da média continental.

É natural que uma Constituinte inclinada à esquerda tente gravar mais direitos sociais no texto constitucional. Seria também fundamental assegurar que tenham como ser financiados no futuro. Mesmo que o Chile adote um modelo de crescimento mais baixo, será preciso garantir a qualidade da educação para que seja mesmo mais inclusivo.

Do contrário, o risco é evidente. O país que sempre foi exemplo de sucesso repetirá o modelo fracassado de vizinhos como o Brasil — onde a Constituição de 1988 garantiu educação, saúde e aposentadoria a todos, mas até hoje ninguém sabe muito bem como pagar.

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