BLOG ORLANDO TAMBOSI
Um diploma, hoje em dia, não o faz mais rico. Por outro lado, a folha de papel é capaz de determinar se você terá ou não de prestar mesuras ao progressismo. Bruna Frascolla via Gazeta do Povo:
Com Sandel,
vimos o drama causado pela queda do padrão de vida dos
norte-americanos. Descontada a prole da imigração mais recente, é
correto dizer que, lá, o filho é mais pobre que o pai e o pai, mais
pobre que o avô. Esse empobrecimento tem como causa a “globalização”,
ou, dando nome aos bois, a China.
Desde
que as grandes corporações norte-americanas aceitaram usar trabalho
escravo, foram sumindo do mapa dos Estados Unidos empregos para
trabalhadores livres. Ao mesmo tempo, as corporações vêm aumentando sua
margem de lucro, e isso resulta na tão falada desigualdade: uma
panelinha de super-ricos ganhando cada vez mais, enquanto o resto do
país vai tendo mais dificuldades em pagar as contas, sem paz para gastar
com lazer.
Decerto
a desigualdade econômica está longe de ser um mal em si (quem se
preocupa com as diferenças de renda entre um trabalhador competente e um
incompetente?). Mas quando se cava, à custa de trabalho escravo, um
fosso entre a cúpula e o comum de uma sociedade, a liberdade fica
ameaçada. É como se o país fosse um Titanic a naufragar e uns poucos
poderosos estivessem de helicóptero jogando cordinhas: o ímpeto é o de
abandonar o barco, nem que seja pisando na cabeça do compatriota, para
agarrar a cordinha e servir como escravo ao seu salvador.
Profissionais substituíveis
Dificilmente veremos médicos e fazendeiros sujeitando sua profissão à ideologia do Vale do Silício, que é o progressismo ou identitarismo.
Médicos e fazendeiros são indispensáveis. Já as engajadíssimas beldades
de Hollywood são substituídas pelo par de seios mais novo num piscar de
olhos – daí a necessidade de, entre uma plástica e outra, garantir
algum (pretenso) diferencial. Ela é bonita e tem as ideias corretas,
logo, acha-se preferível à que é apenas bonita. A adesão contrita ao
credo progressista é mais visível justo nas estrelas do sexo feminino,
cujos poderes de atração sexual dependem mais da idade.
Homens
de letras são outra classe complicada: há uma baciada de gente disposta
a escrever de graça. Ter a própria escrita reconhecida como digna de
valor pecuniário requer alguma dose de sorte. Assim, vemos os escritores
– sobretudo os de qualidade mais duvidosa – alegando que devem ganhar
um emprego ou oportunidade em função de sua cor de pele, do seu sexo,
etc. Eles aderem justamente à ideologia do Vale do Silício, dos donos do
poder, para aumentar as chances de conseguir um trabalhinho.
Nesse
particular, o Brasil é a mesma coisa que os EUA. Saindo de Hollywood
para o Projac, encontramos o mesmo engajamento entre as beldades na flor
da idade. Por outro lado, médicos e fazendeiros, forças conservadoras,
têm contra si os escravos cubanos, o MST e as pastorais da terra.
Queda no padrão de vida
Mas
creio que essa semelhança não vá mais longe do que a página dois. Vou
fazer uma aposta: se você tem menos de cinquenta anos e é filho de
profissionais liberais ou de funcionários públicos, o seu padrão de vida
hoje é inferior ao dos seus pais quando eles tinham a sua idade. Eles
podiam casar e constituir família com pouco mais que vinte anos. Você
provavelmente não.
Os
que têm menos de quarenta costumam estar pior. Em geral, penam muito
para conseguir um emprego do seu feitio (que exige diploma) e,
conseguindo, dificilmente poderão sair de casa por conta própria, sem
ajuda financeira dos pais. Ou saem de casa com mesada ou ficam na casa
dos pais para não se endividar. Caso já tenham procriado, os avós se
juntam para pagar escola ou plano de saúde do neto. Esse nicho
brasileiro está numa posição similar ao do conjunto da sociedade
norte-americana. Mas é um nicho, não o todo.
Melhora de vida
Gilberto
Freyre teve a sacada de usar o tipo de habitação para descrever posição
social: pegou os pares casa grande & senzala e sobrados &
mocambos. Hoje vale a pena usarmos o par apartamento & favela.
Creio
que esse recorte não seja menos importante do que o de renda. Digamos
que dois jovens de vinte anos, um morador de favela, outro de
apartamento, ingressem no doutorado e ganhem uma bolsa da CAPES de
R$2.200, que os proíba de arranjar um emprego. Mesmo que o bem-nascido
ganhe dos pais um apartamento, será impossível a ele pagar condomínio,
locomoção, água, luz, internet, alimentação, empregada, TV a cabo e
Netflix. É claro que estes três últimos itens não são imprescindíveis,
mas fazem parte de uma espécie de “pacote existencial” desse nicho.
Enquanto
isso, o seu colega da favela pagará pelo aluguel de uma casinha um
valor inferior ao do condomínio, pagará meia passagem no ônibus em vez
de usar Uber ou manter um carro, fará a própria faxina ou contará com a
mãe faxineira, botará um wi-fi sem fibra ótica e, se bobear, ainda fará
gato de água, luz e TV.
Se
for uma favela pacífica e sem esgoto a céu aberto, esse jovem terá mais
bem-estar do que o seu colega bem-nascido. Com o mesmo dinheiro, o
jovem de apartamento vive angustiado por não conseguir se manter. Ou,
pior ainda, vive sem achar que sequer precisa se manter, o que me parece
ser um traço da geração com menos de trinta anos. Esse conforto
financeiro é algo de suma importância que a contagem de eletrodomésticos
por habitação do IBGE não pode captar.
A
economia privada brasileira vive de agricultura e serviços. Nunca fomos
nenhuma potência industrial, e, embora a China nos tire alguns
empregos, ela própria precisa de nossa agricultura para comer. A China
tampouco pode substituir nossa mão de obra de serviços, hoje concentrada
nas favelas.
Classe social versus estilo de vida
É
possível que agora haja no Rio de Janeiro um trabalhador honesto
morando na favela com uma renda superior à de um morador da Zona Sul.
Digamos que uma manicure ganhe R$3.000 por mês. Agora façamos a aposta
nada exótica de que há aristocratas falidos, afundados em dívidas,
morando de favor em apartamento com condomínio de R$3.000, sem medo de
se endividar mais, porque nem têm como pagar. Conta com o nome da
família influente para não ser expulso. Se classe social se determinar
exclusivamente por finanças, a manicure será mais rica do que o falido
da Zona Sul.
Num
país capitalista típico, como as nações historicamente protestantes,
faz todo o sentido colher informações sobre a renda para determinar a
posição social de um indivíduo. Na Idade Média, porém, posição social
era identificada com um estilo de vida. O aristocrata nascia com título
de nobreza e posse de terras. Era o único a poder portar armas (para
defender os camponeses e a Igreja de invasores), divertia-se com caçadas
e não labutava. O camponês labutava só por dever (isto é, sem querer
lucrar) e ia curtir a vida nas horas vagas. O clero era o único com
mobilidade social: estudava e precisava da universidade para crescer em
importância. No advento da burocracia e dos profissionais liberais, a
universidade se manteve como um porteiro para quem quisesse subir de
andar.
Se
nos Estados Unidos a necessidade de ensino superior para um bom padrão
de vida é recente, nas cidades brasileiras esse é o caso desde os tempos
coloniais. Um cavalheiro tinha que ir à universidade, onde obtinha o
papelzinho mágico que dá uma renda confortável e poder burocrático. Como
não era qualquer pé rapado que mandaria o filho para Coimbra e como a
universidade escolástica não produzia conhecimento, no fim das contas
tratava-se de um gargalo para filtrar filhos de fazendeiros e de
burocratas.
Trata-se
mais de prestígio e poder do que de dinheiro. Comércio não tornava
ninguém respeitável – pelo contrário, era coisa pecaminosa ou criminosa.
Com o Estado na mão dos burocratas, era-lhes (e ainda é) fácil baixar
leis moralistas impossíveis de serem cumpridas e depois cobrar propina
para não prender. Prestígio e poder garantem dinheiro, mas não
vice-versa.
É
melhor dividir o Brasil entre a plebe sem prestígio, residente na
favela, e os cidadãos especiais, que moram em apartamentos e gozam de
alguma respeitabilidade (pensem na abordagem policial em área de
apartamentos).
A ascensão dos plebeus
Desde
a segunda metade do século XX, existiu pelo menos um momento em que uma
massa plebeia conseguiu se alçar à condição de cidadão especial:
durante o Milagre Econômico ocorrido no mandato de Médici. (A Era Lula
foi marcada por um enriquecimento da plebe, mas uma próspera lanchonete
na favela não torna ninguém um cidadão especial.) O Milagre foi
precedido pela Reforma no Ensino Superior promovida em 1968 por Costa e
Silva, que abriu o Brasil para o ensino superior privado
não-confessional. A última ditadura tirou das universidades de elite (as
públicas e as católicas) o monopólio dos papeizinhos que dão direito a
emprego bem remunerado, ou seja, os diplomas. Surgiram as faculdades
pagou-passou, que ainda por cima tinham mensalidade acessível para a
plebe.
Durante
os governos petistas, tentou-se uma imitação do período militar na
universidade. O professorado perdeu privilégios, a oferta de vagas
públicas cresceu muito, campi se espalharam pelo Brasil, as pagou-passou
receberam gordo subsídio e foram compradas por conglomerados
estrangeiros bastante predatórios.
Diplomados, os supérfluos
No
caso do petismo, porém, a multiplicação dos diplomas não foi
acompanhada pelo prestígio e nem sequer pela empregabilidade. Muita
gente da minha faixa etária e da classe média tradicional fez faculdade
de elite, jamais se humilharia exercendo atividades manuais ou
comerciais e agora está desempregada ou subempregada, sem conseguir se
sustentar. Assim, esses egressos das universidades de elite ficaram
naquela situação das beldades de Hollywood: precisam posar de virtuosos
para tentar se destacar.
Ao
se tornarem tão lambe-botas, as universidades de elite incendeiam o
próprio prestígio. Outrora vistas como nobres, vão se tornando cada vez
mais desprezíveis perante os olhos da plebe. Trata-se de uma grande
mudança nos valores deste país, e não sabemos que tipo de coisa será
considerada nobre pelos brasileiros daqui a dez anos.
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