O paganismo politeísta é muito mais vocacionado ao convívio com outras crenças, e, de certa forma, as pressupõe. Luiz Felipe Pondé, via FSP:
O cristianismo está em decomposição e dentro de algum tempo será engolido pelo paganismo politeísta, a religião natural do homem. Afirmação forte essa, não? Vejamos.
Fala-se
com frequência acerca do mundo pós-cristão, secular, enfim, um mundo
—principalmente no Ocidente, claro— em que o cristianismo, depois de
dominar o cenário histórico, estaria sofrendo uma retração como força
pública.
O
filósofo argentino Silvio Juan Maresca, no seu ensaio “Cristianismo y
Paganismo”, parte da coletânea “La Religión em la Época de la Muerte de
Dios”, ou a religião na época da morte de Deus, organizada por Leandro
Pinkler e publicado pela Marea Editorial em 2005, prefere descrever o
processo pelo qual passa o cristianismo como uma decomposição.
É nessa decomposição, e portanto a partir do próprio cadáver, que ele se abre ao retorno do paganismo.
A definição de religião trabalhada por Maresca segue uma tradição existencial da filosofia.
Segundo ela, a religião é uma resposta à inconsistência ontológica do
homem e do mundo, isto é, somos insuficientes diante de uma realidade monstruosamente —e belamente— indiferente a nós. Somos frágeis. Precisamos de suportes pra resistir a vida. O debate aqui é vasto, e não vou adentrar nele hoje.
O
que me chama atenção nessa ideia de decomposição do cristianismo de
Maresca é a afirmação de que o paganismo seria perene porque ele atende
de forma muito mais satisfatória aquilo que o homem busca numa religião.
O
que o paganismo tem que o cristianismo não tem? Podemos incluir outros
monoteísmos aqui, se quisermos. Que inteligentinhos cristãos não venham
me acusar de “cristofobia”. O cristianismo acabou por criar muitos
problemas para si próprio ao se tornar excessivamente reflexivo. E as
pessoas, quando buscam a religião, querem, no fim do dia, e como está na
moda dizer, mágica.
Um
dos becos sem saída, proposto antes pelo judaísmo, é a ideia de que
Deus é bom. O cristianismo foi mais longe e o tornou equivalente ao
amor. Com esse passo, precisou inventar modos mágicos —ou proféticos— de
explicar o fato, indiscutível, de que o mundo é bem ruinzinho para ser
fruto de um Deus tão bonzinho.
O
cristianismo sobreviveu ao paganismo antigo greco-romano e “bárbaro”
europeu, mas o paganismo nunca saiu dele. A própria literatura
apocalíptica, e suas mágicas cosmológicas sobre o fim do mundo, nada
mais é do que uma cosmogonia reversa.
O grego Hesíodo, que escreveu cosmogonias gregas clássicas, poderia escrever livros como o “Apocalipse”.
Os milagres de Jesus, como o da multiplicação da comida e da bebida, o andar sobre as águas,
ou ainda a ressurreição de Lázaro e de si mesmo, nada mais são do que
expectativas mágicas do paganismo aplicadas ao cristianismo.
Hoje
a decomposição do cristianismo implica a dissolução do seu núcleo
teológico (um Deus ao mesmo tempo único e trino, a ética, a recusa da
mágica como herança do judaísmo) em formas contemporâneas de paganismo.
Ecocristianismo,
expectativas reencarnacionistas, cirurgias espirituais, abertura a
outras narrativas religiosas concorrentes, numa espécie de politeísmo
inconfesso, sessões de “desobsessão espiritual” em templos evangélicos, o
hibridismo com religiões de matriz africana, um Jesus que combate a
ganância dos capitalistas, como um Apolo que defende uns gregos contra
outros, enfim, são muitos os sinais e sintomas do paganismo.
A
avançada arqueologia da religião na pré-história parece indicar que não
existe nenhum acúmulo gradual de práticas religiosas que iria de
fragmentos de comportamentos religiosos à formação de grandes religiões.
O Homo sapiens pode praticar rituais e de repente abandoná-los.
Portanto,
não há um clímax de evolução religiosa. Pensar que ele existe é já
pensar religiosamente. Aqui também andamos em círculos.
O
paganismo politeísta é muito mais vocacionado ao convívio com outras
crenças, e, de certa forma, as pressupõe. Ele supostamente encanta a
natureza com energias, que, paulatinamente, devoram a pobreza mágica do
cristianismo oficial. A mágica da ressurreição já está muito longe no
tempo. As pessoas querem ressuscitar agora. Querem viver num mundo
encantado. Jesus deve imitar Zeus.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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