A política está pondo em risco o futuro do país. O caso Petrobras já é a quinta baixa na chamada ala liberal do governo. Artigo de Ubiratan Jorge Iorio para a Oeste:
“Quando
você quer ajudar as pessoas, você diz a elas a verdade. Quando você
quer ajudar a si mesmo, você diz a elas o que elas querem ouvir.”
Thomas Sowell
O
presidente do Brasil resolveu, há exatos sete dias, trocar o comando da
Petrobras, substituindo o economista Roberto Castello Branco pelo
general Joaquim Silva e Luna. As reações dos liberais genuínos e dos
mercados financeiros foram, sem exceção, negativas e somente nos dois
primeiros dias de negociação em bolsa depois do anúncio da mudança o
valor de mercado da empresa caiu aproximadamente R$ 100 bilhões.
A
troca, infelizmente, significa mais do que as aparências sugerem,
porque não foi uma simples substituição de um bom gestor por outro.
Faz-se imperativo não esquecer que esse “outro”, por mais competente que
seja, é um general, e essa característica, certamente, acende
expectativas quanto a um eventual retorno aos tempos rupestres em que a
empresa era praticamente um albergue de luxo para militares reformados. O
comando de meia-volta volver ordenado pelo presidente, somado ao seu
fato gerador — a insatisfação com os reajustes internos dos preços do
diesel —, representa um glória ao passado e um dane-se o futuro, um
balde de gelo nas vendas de refinarias e um fuzilamento de qualquer
possibilidade de privatização. Como certamente diria Roberto Campos, o
atraso continua sendo “nosso”.
Licenças
retóricas à parte, vamos aos fatos. Para começar, vamos listar os
quatro motivos principais que determinaram a expressiva vitória do
presidente Bolsonaro em 2018: 1º) a defesa de valores conservadores; 2º)
o programa econômico mais liberal já apresentado por um candidato, cujo
próprio nome, O Caminho da Prosperidade, alude a Hayek, um dos maiores
economistas liberais do século 20; 3º) a revolta contra o inacreditável
espetáculo de corrupção generalizada, incompetência na condução da
política econômica e esquerdismo retrógrado, encenado na era das trevas
que se abateu sobre o Brasil entre 2003 e 2016; e 4º) o receio de
aprofundamento do modelo venezuelano, opção claramente explicitada no
programa de governo do PT.
Há
três tipos de eleitores de Bolsonaro: os conservadores, que prezam o
respeito às tradições, usos e costumes, ameaçados pela espada da guerra
cultural desembainhada pelos ditos “progressistas”; os liberais,
defensores da superioridade da economia de mercado sobre o
intervencionismo; e os antissocialistas de todos os matizes, incluindo
aí a minoria de seguidores fanáticos.
A
Petrobras é uma empresa em que o governo, por deter 50,26% das ações
ordinárias, é acionista majoritário, mas isso não significa que toda e
qualquer medida tomada por sua diretoria não deva buscar o melhor para
os acionistas, incluindo os minoritários. Portanto, medidas tomadas por
ingerência do acionista majoritário que o favoreçam e prejudiquem os
demais — como, por exemplo, a prática de estabelecer preços artificiais
para o diesel —, caso aprovadas pelo conselho da empresa, dão margem a
enxurradas de peças na Justiça por parte dos que se sentem lesados.
Ainda,
quando diretores ou membros da alta administração cedem a pressões para
fazer o que for melhor para o governo, desconhecendo os interesses da
empresa ou meramente subordinando-os a intenções políticas, podem estar
infringindo as regras da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), bem
como, no plano internacional, da SEC (Securities and Exchange
Commission). Em outras palavras, a Petrobras, como empresa, é obrigada a
tomar decisões técnicas, que incluem os preços, orientadas para a
obtenção da maior lucratividade, ou seja, dos melhores resultados
financeiros possíveis para todos os acionistas, inclusive os
minoritários. Dessa forma, se os preços internacionais dos derivados
aumentam e a empresa, por motivos políticos, não permite que os preços
internos acompanhem a subida, a lucratividade, se as demais influências
ficarem constantes, será menor e a diretoria será cobrada por isso. São
as regras do jogo.
O
governo é como aquele sujeito que possui mais da metade dos
apartamentos de um condomínio mas se comporta como se fosse o único
proprietário, atropelando os demais e tentando controlar o síndico e
impor a sua vontade nas reuniões dos condôminos. Um dos argumentos
dessas ações coletivas é o de que há ilegalidade quando o chefe de
governo declara que a mudança no comando da empresa se deu por uma
preocupação com o aumento nos preços dos combustíveis, uma vez que a
política de preços da Petrobras não deve ser usada como uma política
pública. Há argumentos sustentando que, se o conselho de administração
aprovar o pedido de troca, tal ato seria ilícito, inclusive porque até
os membros indicados pela União, quando aceitaram o cargo, assumiram
compromisso com a defesa dos interesses da empresa e de todos os seus
acionistas.
Francamente,
é irracional defender a ideia de que a Petrobras, que foi durante muito
tempo um totem adorado pelo nacionalismo infantil — do tipo que
Einstein definia como “o sarampo da humanidade” —, não deve ser
privatizada. Porém, por diversos motivos, nosso presidente não pensa
assim e nem mesmo toda a reconhecida capacidade de argumentação de seu
Posto Ipiranga conseguiu remover a minhoca verde-oliva de sua cabeça.
O
profissionalismo que imperou durante a gestão iniciada em janeiro de
2019 levou a empresa a cortar custos operacionais, reduzir o
endividamento e focar ativos de maior rentabilidade, produzindo
benefícios como a redução do custo da dívida e a geração de caixa
bastante elogiada pelos analistas de mercado. É forçoso acrescer que
essa eficiência foi alcançada mesmo em um ano marcado por acontecimentos
adversos, como a pandemia, a enorme recessão global e a pior crise da
indústria petrolífera dos últimos cem anos, além de outras batalhas,
algumas decorrentes de nossa legislação pré-histórica, contra
sindicatos, justiça trabalhista, MPT, Anvisa, ANP, Cade, Sest, TCU, STF e
dezenas de outras “letras”. Com todos esses pepinos, a empresa entregou
a “recuperação em J” prometida e, para coroar o ano, ultrapassou a
poderosa BP (British Petroleum) em valor de mercado.
Sim,
é motivo de muita preocupação essa tentativa de interferência na
empresa, anunciada logo após o presidente afirmar que jamais
interferiria, porque derrama mais dúvidas sobre as reais intenções do
governo de seguir a plataforma econômica liberal que tanto contribuiu
para lhe dar a vitória. E são lastimáveis as críticas infantis de
Bolsonaro ao presidente da empresa, do tipo “está há 11 meses em casa”,
na tentativa de justificar-se denegrindo um economista e CEO de
competência reconhecida há bastante tempo. Quem conhece a realidade das
empresas na pandemia sabe que muitas das tidas como referências de
eficiência estão adotando o trabalho remoto, que, aliás, reduz custos e
pode exigir ainda mais dedicação dos executivos do que no modelo de
trabalho no escritório.
Por
mais que os bajuladores neguem, a política está colocando o futuro do
país em risco. Esse episódio já é a quinta baixa na chamada ala liberal
do governo. Antes, ao perceberem que o andamento da música do governo
era, na melhor hipótese, liberal ma non troppo, quatro liberais já
haviam tirado seus times de campo: o economista Mansueto Almeida,
secretário do Tesouro Nacional; Rubem Novaes, também economista e
presidente do Banco do Brasil; Paulo Uebel, secretário de
Desburocratização; e o empresário Salim Mattar, responsável pelas
privatizações.
O
governo, com uma rapidez incomum, emitiu nesta semana sinais de que a
agenda liberal ainda respira, com as apresentações midiáticas dos
projetos de desestatização da Eletrobras e dos Correios. A resposta dos
liberais a esses movimentos pode ser sintetizada em uma pergunta: por
que, então, toda a trapalhada da mudança na Petrobras? Uma resposta
plausível, com toda a franqueza, parece ser a de que o sacrifício de
Castello Branco tenha sido motivado por velhas tendências acomodatícias
de natureza política.
Toda
ação humana pressupõe fins e meios para alcançá-los, mas, para produzir
o bem, precisa ser baseada em princípios e um desses princípios é
honrar a palavra empenhada. O presidente, em quem desejo sinceramente
continuar a confiar, parece que não é mais senhor de sua vontade.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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