No empenho de se tornarem curadores da experiência de vida das crianças, os pais têm educado filhos que se tornarão adultos ansiosos e sem capacidade de resolver problemas. Nancy McDermott para a Oeste:
Em
alguns trechos selecionados de meu novo livro, The Problem with
Parenting: How Raising Children Is Changing across America, trato do
problema dos “pais-helicóptero”. Discuto também como podemos oferecer às
crianças o espaço e a liberdade de que precisam para crescer.
Os
pais-helicóptero também evoluíram e se tornaram um arquétipo que tem
menos a ver com a relação de pais com filhos e mais com seu
comportamento abominável com outras pessoas. Essa figura arquetípica é
mandona, autoritária, mimada e abastada.
Pais-helicóptero e superproteção
Os
pais-helicóptero costumam ser caracterizados pela superproteção
extrema. Eles exageram a avaliação dos riscos, subestimam as capacidades
dos filhos e os impedem de adquirir a experiência de que precisam para
agir como adultos. Exemplos incluem pais que controlam excessivamente as
brincadeiras dos filhos; pais que se recusam a deixar os filhos andar
de bicicleta para além da entrada de casa, por medo de um sequestro;
pais que não confiam aos filhos a execução de tarefas e monitoram seus
movimentos usando GPS. Seus filhos são crianças inteligentes que, sem
experiência em solucionar problemas de maneira independente, procuram
autoridades para resolver as questões mais elementares da vida prática.
A
segunda leitura, de certa forma mais comum, dos pais-helicóptero é a de
que são figuras autoritárias, voltadas para realizações. De um lado,
forçam os filhos a se destacar. De outro, pressionam pessoas e
instituições a se adaptar às exigências dos filhos. Amy Chua, autora do
livro Battle Hymn of the Tiger Mother, costuma ser considerada a
clássica mãe-helicóptero por causa de suas incansáveis ações para
pressionar as filhas a atingir a excelência.
Essa
abordagem intervencionista, às vezes chamada de “concerted
cultivation”, ou “desenvolvimento orquestrado”, é, ao mesmo tempo,
vilanizada e admirada. Ela parece garantir que as crianças correspondam a
seu potencial individual em áreas como estudo, esporte, música. Mas
talvez tudo isso tenha mais a ver com as ambições dos pais do que com as
aspirações dos filhos. A criação intervencionista parece estar
associada à segurança econômica e ao sucesso, mas também a altos níveis
de ansiedade, depressão, uso abusivo de substâncias e colapsos
psicológicos.
Pais-helicóptero como anti-heróis
Hoje,
os “pais-helicóptero” se tornaram mais do que um estilo de criação ou
uma descrição do comportamento de alguns pais. A expressão se tornou
sinônimo de falha moral — mesmo quando é elogiada, como num editorial do
The New York Times de 2019 intitulado “The bad news about helicopter parenting: it works”
(A má notícia sobre pais-helicóptero: funciona). Pais-helicóptero se
tornaram os anti-heróis do mundo de pais e mães. São “mandões e
autoritários com professores”, são “insuportáveis” e “estragam tudo”.
Seus filhos são “incompetentes, ansiosos, narcisistas e mimados”; são
“egoístas e mal-acostumados”; e têm “sentimentos demais”. Tudo isso foi
mencionado no texto.
Às vezes pais-helicóptero são na verdade criminosos
A
operação do FBI de 2019 chamada Varsity Blues — o escândalo das
admissões universitárias que resultou na prisão de 33 pessoas — acentuou
o ressentimento da classe média em relação aos mais abastados. Pais
ricos tinham cometido fraude e pago centenas de milhares de dólares em
suborno para garantir que seus filhos conseguissem vaga em instituições
de ensino superior prestigiosas. As manchetes diziam “Eles mereceram!”;
“Investigação Varsity Blues revela verdades horríveis sobre a
desigualdade norte-americana”; e “A outra atrocidade no escândalo das
admissões de universidade: maus pais”. A maioria dos pais citados na
matéria expressou seu repúdio, ainda que pelo menos uma mãe entrevistada
pelo Today Show, da NBC, tenha dito o que outros sem dúvida estavam
pensando: “Eles tinham o dinheiro e a oportunidade de ajudar os filhos.
Que pai não faria o mesmo?”. Mas suborno e fraude são relativamente
pequenos se comparados com alguns incidentes.
Em
2007, em um incidente que a escritora Judith Warner descreveu como
“Quando pais-helicóptero se tornam fatais”, uma garota de 13 anos em
Dardenne Prairie, no Missouri, cometeu suicídio depois que um namorado
on-line, Josh, a rejeitou. Descobriu-se que “Josh” era uma mãe de 47
anos em busca de vingança depois que a garota magoou sua filha. Em outro
incidente, uma mãe da Califórnia, furiosa porque seu filho de 6 anos
teve de esperar um pouco do lado de fora da porta lateral trancada da
escola depois das aulas de tênis, conspirou com o marido para plantar
drogas ilegais no carro da professora de tênis — que também era mãe de
outra criança da escola.
Sempre
houve pais que chegaram a níveis extremos para garantir vantagens para
seus filhos, mas a promessa de mobilidade social e meritocracia parecia
contrabalancear os impulsos egoístas dos indivíduos. Mas isso acabou.
“Pais-helicóptero” como um grupo parecem incorporar o suposto egoísmo
que está consumindo o coração do sonho americano.
Crianças free-range
Num
domingo de abril de 2008, Lenore Skenazy, uma jornalista do New York
Sun, deixou o filho Izzy no departamento de bolsas da Bloomingdale’s em
Manhattan, Nova York. Depois de meses de insistência, o garoto, de quase
10 anos, tinha finalmente convencido os pais a deixá-lo em algum lugar
da cidade para que encontrasse o caminho de volta para casa. Skenazy
entregou a ele um mapa do metrô, um cartão do metrô, 20 dólares, moedas
para o orelhão e se despediu dizendo: “Tchau. Divirta-se!”. Em seguida,
ela deu meia-volta e saiu da loja. Quarenta e cinco minutos depois, o
garoto chegou em casa, cheio de orgulho e independência.
Podia
ter acabado aí, mas Skenazy decidiu escrever sobre a reação de parentes
e amigos em sua coluna. “Metade das pessoas a quem contei esse episódio
agora quer me denunciar por maus-tratos”, ela escreveu. “Como se manter
as crianças trancafiadas, com um capacete, um celular, uma babá e
monitoramento fosse a maneira certa de criar filhos. Não é. É
debilitante — para nós e para eles.” No dia seguinte ao da publicação do
artigo, seu telefone tocou. Produtores do Today Show, da NBC, queriam
saber se ela e Izzy gostariam de aparecer no programa para se explicar.
O
programa parecia uma armação. Os produtores do Today Show também tinham
chamado a dra. Ruth Peters, especialista em educação, para atuar como a
voz da razão e contrapor-se à criação insegura de Skenazy. Peters
adotou um tom de incredulidade para expressar sua profunda preocupação e
explicou m-u-i-t-o devagar e de maneira muito cuidadosa que havia
formas muito mais seguras e “apropriadas” de proporcionar a mesma
experiência a Izzy. Ele poderia, sugeriu a especialista, ter ido com um
grupo de amigos, ou a mãe poderia tê-lo seguido a distância para
garantir sua segurança. A apresentadora, Ann Curry, assentia
criteriosamente. A essa altura, Skenazy podia ter jogado o jogo e feito
seu papel de mãe bem-intencionada porém ingênua. Mas não foi o que ela
fez. Ela se defendeu. “A mesma experiência é andar de metrô, e isso é
seguro”, ela insistiu. “É seguro andar de metrô!”
Em
questão de horas Skenazy foi parar no centro de um frenesi
internacional. A mídia a chamou de “a pior mãe dos Estados Unidos”.
Jornalistas da Inglaterra à China queriam falar com ela. Os Estados
Unidos se dividiram entre os que a defendiam e os que achavam que ela
deveria ser presa. Estranhos de todas as partes do país e do mundo
escreveram para acusá-la de negligência. Ainda mais pessoas enviaram
mensagens para manifestar seu apoio. “Foi meio divertido, mas também um
pouco assustador, porque todo mundo estava opinando sobre minhas
habilidades como mãe”, Skenazy me contou em 2008.
A luta para criar um movimento
Um
dos elementos mais importantes do sucesso inicial das crianças
free-range foi o blog Free-Range Kids. Ele era único porque, ao
contrário da maioria dos outros críticos dos pais-helicóptero, Skenazy
não culpou os pais por superproteger os filhos. Ela tentou ajudá-los. O
blog se tornou um espaço em que aspirantes à criação free-range poderiam
compartilhar suas histórias de sucesso e frustrações, ou relatar o que
estava acontecendo em seus cantos do mundo. Às vezes o apoio moral de um
post gentil num blog ou o encorajamento de outros leitores faziam toda a
diferença. Também ajudou a trazer a sabedoria das massas para opinar
nas dificuldades práticas de resistir às tendências. Por exemplo, o que
os pais deveriam fazer sobre os “maus samaritanos” que têm prazer em
encurralar seus filhos querendo saber onde estão os pais? O cartão da
Criança Free-Range foi uma ideia. Os cartões, que podem ser baixados no
blog, trazem a assinatura dos pais, um número de telefone e os dizeres:
“Eu
NÃO estou perdido(a). Sou uma criança free-range! Eu aprendi a
atravessar a rua em segurança. Sei que não devo acompanhar estranhos,
mas posso falar com eles. Gosto de sair e explorar o mundo. Se você é um
adulto, provavelmente fazia as mesmas coisas quando era criança; então,
por favor, não se preocupe. Os adultos na minha vida sabem onde estou,
mas, se quiser falar com eles, é só ligar”.
Se
o cartão não é uma solução completa, ele deixou claro que as crianças
estavam prontas e eram capazes de pegar um ônibus ou ir ao parque com a
plena ciência e a bênção dos adultos em sua vida.
A
segunda coisa que atuou em favor de Skenazy foi sua notoriedade. Ser “a
pior mãe dos Estados Unidos” abriu uma quantidade surpreendente de
portas. Permitiu que ela lançasse e divulgasse iniciativas como “Leve
seus filhos para o parque e deixe-os lá”. Ela tornou-se apresentadora do
programa World’s Worst Mom (“A Pior Mãe do Mundo”), um reality show do
canal Discovery Life no qual ajudava pais excessivamente superprotetores
(como a mãe que insistia em fazer seu filho de 12 anos usar o banheiro
feminino com ela).
Uma questão moral
Em
setembro de 2016, Breanna McGrath, de 20 anos, deixou seu bebê no carro
por três minutos do lado de fora da Gas Express em New Bedford,
Massachusetts, enquanto ia fazer uma compra. Bryan Amaral, o homem que
estacionou ao lado dela, fez o que as pessoas fazem cada vez mais:
filmou o carro, o bebê e a placa, e repreendeu McGrath assim que ela
voltou. Em seguida, ele postou o vídeo no Facebook, que obteve 2,5
milhões de visualizações. A polícia e o serviço social foram alertados, e
de repente McGrath estava diante de acusações de conduta imprudente e
da possibilidade de perder a guarda de seu bebê. Quando descobriu o que
aconteceu com McGrath, Amaral ficou chocado. Ele insistiu que nunca
tivera a intenção de levar as coisas tão longe quanto chegaram. Em vez
disso, esperava que “alguém próximo dela visse e conversasse com ela”.
Àquela altura, era tarde demais.
Incidentes
como esse se tornaram muito comuns. Em 2011, a escritora Kim Brooks foi
denunciada à polícia anonimamente por deixar o filho jogando video game
por cinco minutos no carro durante suas férias na Virgínia. Em 2014,
Debra Harrell, de Augusta, na Carolina do Sul, foi presa depois de
permitir que sua filha brincasse no parque enquanto terminava seu turno
no McDonald’s. Em 2015, em Washington, Alexander e Danielle Meitiv foram
acusados de negligência porque um vizinho os denunciou por permitir que
os filhos voltassem do parque sozinhos.
Em
cada uma dessas situações, um estranho tomou para si a tarefa de
penalizar os pais. Mas por quê? As crianças não estavam em perigo
iminente. Na maioria dos casos, não havia nem violação da lei — deixar
crianças esperando no carro não é ilegal na maioria dos Estados
norte-americanos. O motivo mais provável para estranhos sacarem o
celular para filmar o pai confuso ou chamar a polícia é porque sentem
que estão fazendo algo moralmente correto.
Por que os pais superprotegem
Toda
criação diz respeito, no fim das contas, à socialização das crianças. A
relação exata entre os atores envolvidos varia dependendo da natureza
da sociedade. Em algumas sociedades, membros da família desempenham um
papel exacerbado. Em outras, criar os filhos requer literalmente um
vilarejo inteiro de pessoas que vejam a socialização das crianças como
tarefa comunitária e geracional. Uma das conquistas culturais mais
importantes da era moderna foi a evolução da instituição da família para
algo capaz de equilibrar o desenvolvimento do indivíduo com as
necessidades da sociedade. A família burguesa produziu indivíduos que
são sofisticados o suficiente, graças ao período prolongado e protegido
de educação chamado infância, e flexíveis o suficiente, por virtude do
espaço para reflexão e contemplação que oferece, para enfrentar os
desafios da era moderna. Ela desempenhou esse papel simplesmente
existindo e fez seu trabalho de forma sutil mas poderosa.
A
família burguesa era composta de uma rede extraordinariamente complexa
de relações: a relação entre os pais; a relação entre cada pai e cada
filho; a relação das crianças com cada irmão e com os irmãos como um
grupo; a relação de cada pai com os filhos como um grupo; e a relação
entre os membros de um sexo com os do outro. A família funcionava como
um microcosmo da sociedade, refletindo suas normas e valores de forma
única e profunda. Ela era flexível o suficiente para equilibrar as
diferentes necessidades dos diferentes membros da família e robusta o
suficiente para acomodar um alto grau de conflito e emoção sem ameaçar a
integridade geral da instituição.
A
família funcionava como a base a partir da qual as crianças podiam
explorar o mundo mais amplo. A vida familiar era o código por meio do
qual elas davam sentido às experiências. Os pais podiam ajudar os filhos
explícita ou implicitamente dependendo da situação, mas o mesmo podia
ser dito de outros membros da família, como os irmãos mais velhos. Mas o
modelo de família burguesa entrou em declínio nos anos 1970.
As
famílias depois da década de 1970 não só parecem um tanto diferentes
das famílias do passado. Elas também se comportam de maneira diferente.
Além das famílias tradicionais, há famílias com pai ou mãe solteiro,
segundas famílias, famílias misturadas. Elas se tornaram fruto de
compromissos formais, compromissos privados ou, às vezes, nenhum
compromisso. Existem famílias baseadas na emoção e dedicadas ao cultivo
do eu. Na época e ainda hoje, esses tipos de família passaram a ser
vistos como mais autênticos e, portanto, superiores à família burguesa. O
casal no cerne dá o tom para a família como um todo. Quando os
parceiros estão felizes, presume-se que os outros membros da família
acabariam sendo mais felizes também. Na prática, a revolução do divórcio
chacoalhou as estruturas da família. Ele se tornou tão comum em 1970
(cerca de metade dos casamentos na época acabava em divórcio) que
prejudicou a instituição em si. Os pais esperavam que as relações entre
pais e filhos fossem emocionalmente fortes o bastante para resistir ao
divórcio e a um possível novo casamento, de modo que não fosse
traumática a integração a uma nova família.
O
relacionamento singularmente permanente entre pais e filhos passou a
ser visto como uma espécie de bastião contra tempos difíceis. E a
criação dos filhos começou, timidamente, a se concentrar no preparo das
crianças para as realidades da vida adulta. Foi dessa forma que os pais
começaram a se insinuar no processo de socialização de uma forma nova e
não útil.
Assim
como muitos pais passaram a basear seu compromisso para com o parceiro
na própria realização emocional, da mesma forma empenharam-se na luta
para garantir que os filhos estejam emocionalmente realizados em suas
relações na família e além dela. Os pais querem que os filhos sejam
livres para desenvolver “seu eu autêntico”, sem ser pressionados a se
conformar pelas definições de sucesso de outras pessoas, e a salvo dos
efeitos perniciosos das emoções negativas associadas à rejeição. Almejam
para os filhos experiências essencialmente positivas e edificantes. Foi
assim que se posicionaram como curadores da experiência de vida dos
filhos.
O
comportamento superprotetor dos pais é movido pela necessidade de
desempenhar esse papel de mediação. Isso acontece porque existe muito
pouco que seja certo na criação dos filhos e na vida para além da
atenção dos pais, de seu controle e seu comprometimento emocional. É por
isso que os gritos para que pais-helicóptero “deem espaço” podem nunca
ter sucesso. E esse também é um dos desafios mais sérios para o
movimento das crianças free-range.
Nancy
McDermott é escritora e vive em Nova York. Seu novo livro, The Problem
with Parenting: How Raising Children Is Changing across America foi
publicado pela Praeger.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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