POLITICA LIVRE
Associação Nacional de Juristas Evangélicos, a Anajure começou a ser concebida em 2007, no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e saiu de vez do papel em 2012, fundada por três advogados nordestinos no segundo ano de Dilma Rousseff (PT).
Mas é no governo Jair Bolsonaro (sem partido) que seu brado retumbou de vez em Brasília.
Estão na gênese da entidade vários elementos que, seis anos depois, levariam à eleição presidencial de um deputado de baixo clero que começava a se alinhar ao segmento religioso que mais crescia no país, o evangélico —e com quem o presidente da Anajure, o sergipano Uziel Santana, 43, encontrou-se no fim de outubro, no Palácio do Planalto.
O lançamento da associação ter sido num auditório da Câmara dos Deputados não é mera coincidência, como também não são os convidados nela. A associação, que calcula agregar 700 membros, iniciou uma trajetória que se embaralha com a ascensão evangélica na política brasileira.
Dali saíram homenageados evangélicos que anos depois integrariam o pelotão bolsonarista: o senador Magno Malta (PL-ES), aliado que acabaria escanteado pelo presidente, o deputado Arolde de Oliveira (PSD-RJ), depois eleito senador em dobradinha com Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e vítima da Covid-19 em outubro, e uma pastora que trabalhava como assessora jurídica no Congresso.
“Dra. Damares Alves, por sua luta incansável em favor dos indígenas em situação de risco”, diz registro da Anajure do evento.
A convite da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, os juristas evangélicos fizeram um texto-base para o Plano Nacional de Direitos Humanos. Ela chegou a ocupar uma diretoria da entidade nos primeiros anos.
“Damares é nossa amiga, mas não é fundadora da Anajure, isso aí foi fake news que saiu”, diz Santana à Folha. “É uma ativista, e a Anajure não é assim.”
O corte de uma relação mais umbilical com Damares, a primeira no governo a exaltar o “terrivelmente cristão”, foi reforçada pela assessoria de imprensa da associação.
Santana busca se distanciar da ala ideológica do bolsonarismo, que inclui Damares e ricocheteia na Anajure. Frisa, por exemplo, a boa cooperação com o governo Dilma.
“O maior embate foi com o Gilberto Carvalho, a quem admiro. Mas ele jogou no mesmo bolo todos os evangélicos quando fez a crítica dizendo que precisava diminuir esta força que estava nascendo. De alguma maneira tinha razão, estava se referindo aos neopentecostais, mas esqueceu que tem muitos que não são assim.”
Refere-se a uma fala de Carvalho no Fórum Social Mundial de 2012. Secretário-geral da Presidência de Dilma, ele defendia uma disputa ideológica para brecar “a hegemonia das igrejas evangélicas, das seitas pentecostais que são a grande presença [na periferia]”. Depois se desculpou.
Professor da Universidade Mackenzie e presbiteriano como a instituição, Santana descreve assim a Anajure: social-democrata na economia e conservadora nos costumes.
“Na política é difícil dizer: somos de direita. Sei que não somos esta direita radical que existe aí. Nem a esquerda radical que agora está fora do poder.”
A agenda moral, porém, garante afinidade com “esta direita radical que existe aí”. E boa parte do lobby que a Anajure faz na capital federal em a ver com ela. Daí a expectativa, diz Santana, pelo “jurista que atendesse aos nossos anseios” prometido por Bolsonaro para o STF (Supremo Tribunal Federal). A primeira vaga disponível acabou com Kassio Nunes, para desgosto de círculos conservadores.
Os três nomes que Santana apreciaria ver na corte participaram de um congresso da Anajure em 29 de outubro: o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, descartado de vez após desavença com Bolsonaro, André Mendonça, hoje titular do ministério, e o procurador José Eduardo Sabo Paes.
Pessoas próximas à Anajure dizem que a reunião de Santana com Bolsonaro seria um gesto após a quebra da promessa de pôr no STF um nome “terrivelmente evangélico” —Mendonça e Paes são.
O advogado afirma que nem tocaram no assunto. Já à Folha não se furtou a dizer o que pensa do mais alto tribunal do país: “A gente não concorda que o STF determine em pautas morais numa decisão de 11 pessoas”. Como no aborto ou em causas LGBTI, fronts judiciais em que a Anajure atua.
A entidade é amicus curiae (amiga da corte, chamados para opinar sobre a causa julgada) em 17 ações no STF, que vão do combate ao bullying homofóbico no Plano Nacional de Educação à demissão de uma professora adventista que não trabalhava aos sábados.
Em 2019, a Anajure fez uma crítica e um elogio à deliberação do STF de enquadrar a homofobia e a transfobia na lei dos crimes de racismo.
Para a entidade, foi bom que os ministros tenham assegurado a líderes religiosos o direito de pregar o que pensam sobre o tema, como dizer que homossexualidade é pecado (só não vale incitar abertamente o ódio, como defender a morte de alguém).
Para Santana, a orientação sexual seria na verdade uma opção, como se fosse uma escolha ser gay ou deixar de ser.
“Percebo que você é loira, eu, mais moreno. Agora, se eu sou homossexual, e você, hétero, pode discutir predisposição, mas fato é que ao atingir maturidade a pessoa faz escolhas. Não posso pintar minha pele de branco.”
Já ruim, na visão da Anajure, foi o STF deixar de lado “a objeção de consciência dos indivíduos”. Ou seja, a pessoa ter respaldo legal para recusar um serviço ou produto que contrarie sua fé.
Santana evoca o caso de Jack Phillips, o confeiteiro nos Estados Unidos que se negou a criar um bolo para um casal homossexual e, depois, a uma advogada transgênero que encomendou um bolo azul por fora e rosa por dentro. A Suprema Corte americana decidiu que a recusa era constitucional.
Aqui o advogado se aproxima de Bolsonaro, que, em 2011, discursou contra o projeto de lei 122, que criminalizava a homofobia. Um projeto que não pode “criar uma classe especial de homossexuais em nosso país, como se fossem semideuses”, afirmou o então deputado do PP do Rio de Janeiro.
Sobre Bolsonaro, Santana mostra simpatia (“é bem intencionado”), mas não lealdade incondicional. Critica “os apoiadores mais fanáticos, a ala ideológica, os que não conseguem enxergar erro no governo” e diz que “tem coisa ali que não é conservadorismo, é autoritarismo”.
Com um dos maiores mosqueteiros de Bolsonaro no Congresso, Marco Feliciano (Republicanos-SP), a animosidade foi pública. Em 2013, o deputado foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara sob pesada artilharia de grupos que viam racismo e homofobia em suas declarações.
Procurou a Anajure atrás de apoio. Santana lhe deu as costas com uma nota em que lamentava seu feito de “trazer a sociedade e a imprensa contra os evangélicos ao fomentar e participar de uma tresloucada ‘guerra santa’ por estar agindo com intolerância para com os intolerantes”.
Os dois fizeram as pazes recentemente, em encontro mediado por Silas Câmara (Republicanos-AM), líder da bancada evangélica, que à reportagem disse: “Limpamos os desencontros, estamos em PAZ!!!”.
Folha de S. Paulo
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