Um povo sem identificação com a sua comunidade imediata é um povo sujeito aos mandos e desmandos de líderes distantes. Artigo do professor David Marion para a National Review, com tradução para a Gazeta do Povo:
A
retórica da cidadania global, seja usada descritiva ou
prescritivamente, está agora completamente estabelecida como parte da
linguagem comum do debate público e do ensino superior. As referências à
cidadania global quase nunca são pejorativas e, mesmo que não tenham
qualidades benéficas associadas a elas, a ideia é, no mínimo,
apresentada como algo benigno ou inofensivo.
A
tendência crescente de encorajar americanos e, em particular, as
crianças em idade escolar, a se verem como cidadãos globais, entretanto,
não está isenta de riscos para nossa república constitucional.
Além
do fato de a cidadania global não fazer sentido, uma vez que cidadania
tem a ver com pertencer a uma sociedade civil ou ordem cívica (civitas),
a substituição da atenção dispensada à cidadania nacional pela atenção
dispensada à cidadania global é um convite para que os norte-americanos
se tornem indiferentes ao bem-estar da única comunidade cívica da qual
realmente fazem parte.
Embora
a cidadania norte-americana responsável, instituição soberana em nossa
república democrática, deva dar atenção aos assuntos globais, substituir
a identidade nacional por uma identidade global é outra coisa. As
consequências de enfraquecer nossa identidade nacional e ligações
nacionais não são nada boas.
A
retórica da cidadania global brinca com o impulso humano natural de
viver uma vida livre de tragédias, estejam elas associadas à degradação
ambiental ou ao conflito internacional, ou a alguma outra ameaça
declarada à segurança e à felicidade. Essa retórica se sustenta na
ciência moderna, que favorece uma abordagem abrangente ("globalista")
para a resolução de problemas, e também na ideia de que o apego à
identidade local e nacional é responsável por muitos de nossos maiores
problemas - ou, pelo menos, dificultam a resolução deles.
Ao
contrário dos Pais Fundadores, cujas reflexões sobre a existência
humana se baseavam nos fenômenos que os cercavam (ou seja, como os seres
humanos e as comunidades políticas realmente se comportam), os
defensores da cidadania global subscrevem uma visão idealizada de como
imaginam que a existência humana deveria ser e como os seres humanos
deveriam se comportar. Desta forma, eles imitam Karl Marx e mimetizam
uma concepção da existência humana que deu origem ao totalitarismo.
Levar
a sério os impulsos humanos reais fez com que os fundadores dos Estados
Unidos criassem um sistema federalista que confiava o cuidado dos
cidadãos aos governos estaduais e locais. Eles concluíram que é mais
provável que as pessoas adquirissem o conhecimento e as habilidades
necessárias para um autogoverno responsável - protegendo as liberdades
fundamentais para a verdadeira prosperidade humana - se lhes for
confiado o poder real de administrar assuntos cívicos importantes em
suas comunidades.
O
autogoverno local ensina os cidadãos a negociar e formar coalizões;
ensina-lhes que o autogoverno é complicado e até difícil; ensina as
pessoas a aceitar a derrota e a celebrar as vitórias com civilidade; e
nutre hábitos essenciais à produção e ao comércio, bem como à caridade e
ao serviço. Uma interação comunitária extensa significa que os cidadãos
ficam cara a cara com a felicidade de seus vizinhos e com as tragédias
que são uma parte inevitável da existência humana.
A
retórica da cidadania global tem um viés centralizador que diminui, em
vez de elevar, as pessoas, pelo menos quando comparada com o "modo de
vida" associado à cidadania na república federativa americana, onde as
pessoas são incentivadas a se esforçar ao máximo e se tornarem
importantes, "peixes grandes", se quiserem, em uma multidão de "pequenos
lagos".
A
prosperidade dentro das milhares de comunidades que compõem a república
federativa norte-americana é parte fundamental da cidadania, da própria
"essência" da “americanidade”. Essa essência não está na cidadania
global ou na identificação a uma comunidade fictícia cujos membros estão
tão remotamente ligados que qualquer incentivo para fazer sacrifícios é
atenuado a ponto de exercer pouca influência no dia-a-dia de cada
pessoa.
Significativamente,
as pessoas que ficam sem qualquer base em uma ordem cívica concreta ou
comunidade política provavelmente ficarão indefesas contra
reivindicações levantadas em nome do controle generalizado de suas vidas
por gestores que estão muito além de seu alcance.
O
problema com a retórica da cidadania global não é o incentivo que ela
dá aos americanos para que eles prestem atenção aos assuntos mundiais,
mas o risco de que a visão de mundo implícita nesta retórica enfraqueça o
respeito que os norte-americanos têm por uma república constitucional
que fez um trabalho notável de garantir liberdades fundamentais
essenciais para a segurança e felicidade deles. Quando o respeito pela
república é enfraquecido, junto com um apego ao que é mais imediatamente
nosso, então a disposição de "ir mais longe" para proteger os
interesses locais e nacionais também é enfraquecida. Vista sob esta
ótica, a retórica da cidadania global deve ser acompanhada por um aviso
severo: “Comprador, tenha cuidado”.
David Marion é professor do Wilson Center for Leadership in the Public Interest na Hampden-Sydney College.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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