Imagine que nos próximos dois anos, se não mais, continuaremos a ver um grande número de pacientes com sintomas de longa duração e este problema não vai terminar quando a pandemia for controlada. Pode se tornar uma emergência de saúde pública e parte desta culpa pode ser sua. Artigo de Fabio Faucz, pesquisador de Genética e Endocrinologia nos EUA, publicado pelo Gazeta:
Cada
vez mais começamos a sentir o coronavírus nos nossos calcanhares. Nesta
provável segunda onda pela qual estamos passando neste final do ano
sentimos o vírus mais perto de nós. Enquanto na primeira onda ouvíamos
falar de pacientes e tínhamos um conhecido que tinha outro conhecido que
sabia de um caso de hospitalização por conta da infecção, agora já
temos pessoas muito mais próximas sofrendo. Mesmo assim muitos ainda
colocam na balança se vale mais a pena o isolamento/distanciamento
social ou ir às compras de final de ano em uma preparação para uma festa
que, embora mais modesta, ainda de pé para a maioria das famílias
brasileiras. “Só vou me reunir com pessoas próximas, e se pegar, peguei.
Fazer o quê?”. A ideia de uma infecção branda ainda é vista como a
“maior probabilidade” e a importância que deveria ser dada simplesmente é
relevada. Talvez este pensamento não seja tão bom assim.
Sabemos
que o coronavírus causa uma doença cujos sintomas se assemelham muito a
um resfriado comum. E por conhecimento prévio sabemos que nós nos
recuperamos de resfriados sem nenhum efeito duradouro na saúde.
Portanto, você pode pensar que os indivíduos que se recuperam da
Covid-19 causada por este coronavírus também voltariam ao normal com
relativa rapidez. Embora esse possa ser o caso para algumas pessoas,
outras que se recuperaram até mesmo de uma Covid-19 relativamente leve
ou moderada estão enfrentando problemas de saúde que podem durar semanas
ou até meses. Na verdade, a situação é tão comum que algumas dessas
pessoas se uniram e deram um nome à sua condição: “Covid-19
long-haulers” (“Covid-19 de longa duração” em tradução livre).
O
Centro Americano de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) identificou
que cerca de um terço das pessoas com episódios moderados de Covid-19
que não foram hospitalizadas e boa parte dos casos leves apresentaram
doença prolongada e sintomas persistentes por semanas ou até mesmo meses
após contrair o coronavírus.
Entre
os muitos problemas de saúde de longo prazo que foram associados a
Covid-19 podemos destacar como principais uma leve falta de ar, algo
parecido a um aperto no peito, fadiga branda ou moderada (intolerância à
atividade física), calafrios ou suores, dores no corpo, tosse seca,
febre baixa (37,5oC), dor de cabeça leve, confusão mental/dificuldade de
concentração e problemas de cheiro e sabor. Alguns outros problemas
persistentes parecem não ser tão frequentes, mas são muito mais sérios,
como inflamação do músculo cardíaco, anormalidades da função pulmonar,
lesão renal aguda, erupção cutânea, queda de cabelo, problemas de
memória, ansiedade e mudanças de humor. Isso é muito sério!
Os
pacientes que se recuperaram da Covid-19 relatam que esses sintomas
aumentam de maneira imprevisível, geralmente em combinações diferentes, e
podem ser debilitantes por semanas. Diversos pacientes já relataram
persistência de dificuldade para respirar, ausência de paladar, confusão
mental ou mesmo mudança de humor por vários meses após testarem
negativos para o coronavírus.
Por
ser a Covid-19 uma doença tão nova, pouco se sabe sobre o que causa a
persistência dos sintomas, o que impede a recuperação completa ou como
ajudar os “Covid-19 long-haulers”. Este assunto está se tornando tão
sério que o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos patrocinou no
início do mês uma reunião para discutir os sintomas de longo prazo da
Covid-19.
Veja
que não estamos falando de algumas centenas ou milhares de pessoas. Mas
sim de milhões. De acordo com o site da Universidade John Hopkins já
temos mais de 75 milhões de casos no mundo, dos quais algo entre 10% e
30% apresentaram ou apresentam algum sintoma de “longa duração”.
O
Brasil responde por quase 10% deste número, com mais de 7 milhões de
casos. Portanto a identificação deste problema lançou luz sobre milhões
de pessoas em todo o mundo que foram afetadas pelos sintomas
persistentes da doença.
Quando
se trata de Covid-19 de longa duração, podemos enfrentar outra crise de
saúde pública. Como este novo vírus é um desafio para ciência, o
tratamento dos sintomas duradouros é algo que a medicina ainda não
encontrou a resposta.
Na
verdade, ainda não há nem mesmo um nome clínico para esta condição. Ela
também não é oficialmente classificada como uma síndrome, apesar de
alguns pesquisadores estarem se referindo a ela como síndrome pós
Covid-19 (ou “post-acute Covid-19 syndrome” em inglês).
A
maioria dos pacientes com Covid-19 de longa duração são deixados de
lado ou até mesmo ignorados (muitas vezes por culpa dos próprios
pacientes que não relatam seus problemas). Isso ocorre porque eles caem
no ponto crucial do atendimento, onde os provedores salvam as vidas dos
pacientes com ventiladores, tendo que manter as pessoas vivas e, então,
tratam seus outros pacientes. Os “long-haulers” não estão em uma posição
crítica de risco de vida, mas os sintomas de longo prazo podem ser
dolorosos de se conviver.
Muitas
vezes os pacientes escutam de seu médico que está tudo bem, mas eles
ainda não conseguem sair da cama pela manhã! Muitos pacientes “curados”
não conseguem trabalhar, se exercitar ou mesmo retomar uma vida normal.
Vejam que não estamos falando apenas dos pacientes que precisaram ser
intubados e cujos problemas de longo prazo tendem a ser ainda maiores.
Muitos médicos acreditam que ainda não começamos a ver o dilúvio de
pacientes com Covid-19 de longa duração. Existem milhões de pessoas que
serão afetadas por esta condição ainda pouco conhecida. Você pode ser um
deles.
Imagine
que nos próximos dois anos, se não mais, continuaremos a ver um grande
número de pacientes com sintomas de longa duração e este problema não
vai terminar quando a pandemia for controlada. Pode se tornar uma
emergência de saúde pública e parte desta culpa pode ser sua.
Você ainda acha que vale manter o propósito de uma reunião familiar de final de ano com os parentes e amigos?
Fabio
Rueda Faucz é pesquisador do Laboratório de Genética e Endocrinologia
do Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano Eunice
Kennedy Shriver, nos Estados Unidos, e professor licenciado do curso de
Ciências Biológicas da Escola de Ciências da Vida da PUCPR.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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