Bolsonaro anda tão satisfeito com o desempenho de seu indicado que é impossível saber o que teremos em 2021 no Supremo: se um ministro com o perfil de que o país precisa, ou mais um Nunes Marques. Editorial da Gazeta do Povo:
Quando
tomou posse na Presidência da República, em janeiro de 2019, Jair
Bolsonaro já sabia que teria nas mãos a possibilidade de mudar o perfil –
ou ao menos começar um processo de mudança – do Supremo Tribunal
Federal. Era certo que ele faria ao menos duas nomeações, para suceder
Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, que chegariam à idade de
aposentadoria em 2020 e 2021, respectivamente. A primeira chance foi
bizarramente desperdiçada por Bolsonaro, que não pode repetir em 2021
aquele que talvez tenha sido seu maior erro de 2020.
Juristas
notáveis, na magistratura e na academia, que têm sólido conhecimento e
profundo respeito pelas leis e pela Constituição, que são avessos ao
ativismo judicial e duros com a corrupção, há muitos, e Bolsonaro
certamente recebeu várias sugestões valiosas, feitas por pessoas
comprometidas com as mesmas pautas que o levaram à vitória em 2018. Em
vez de ouvi-las, o presidente preferiu escutar o senador Ciro Nogueira
(PP-PI), expoente do Centrão e denunciado pela Lava Jato, e indicou o
desembargador do TRF-1 Kassio Nunes Marques. O Senado, que tinha a
possibilidade – ou, melhor dizendo, a obrigação – de consertar o erro,
se omitiu e, após uma sabatina tão longa quanto constrangedora,
ratificou a escolha, com apenas dez votos contrários.
E,
em menos de dois meses na cadeira de ministro do STF, Nunes Marques já
mostrou a que veio. De meritório, apenas o voto que ajudou a formar
maioria de seis votos a cinco contra o reconhecimento de uniões estáveis
simultâneas. O restante do seu conjunto da obra até o momento, nos
casos mais importantes, consistiu basicamente em votos ou decisões que
ignoram a letra explícita da Constituição ou que ajudam a derrubar o bom
combate à corrupção.
É
um estrago bastante razoável para um período tão curto. Nunes Marques
aceitou a tese de reeleição de presidentes da Câmara e do Senado na
mesma legislatura (o veto à reeleição de Rodrigo Maia era puramente
casuísta, já que o deputado já tinha obtido uma reeleição), felizmente
acabando vencido. Mas triunfou em vários outros casos, alinhando-se a
Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski para impor derrotas à Lava Jato no
Rio de Janeiro; arquivando um inquérito contra um ex-senador; e
retirando o depoimento do ex-ministro Antônio Palocci de um dos
processos contra o ex-presidente Lula, em uma prévia preocupante do que
pode ocorrer quando a suspeição do ex-juiz Sergio Moro voltar à pauta da
Segunda Turma. Além disso, Nunes Marques travou a análise de um
processo sobre “rachadinhas” que pode criar jurisprudência aplicável às
denúncias contra o senador Flávio Bolsonaro. E, na véspera do início do
recesso judiciário, simplesmente mandou retirar uma frase da Lei da
Ficha Limpa que alterou completamente – para benefício dos corruptos –
os prazos de inelegibilidade que o legislador havia definido.
O
Palácio do Planalto, no entanto, parece satisfeito, a ponto de
Bolsonaro se referir aos críticos da nomeação de Nunes Marques como
“direita burra”, “fedelhos” e “imbecis” em uma de suas lives semanais.
Acrescentou que, “se eu estivesse no lugar dele, eu teria votado nas
três coisas da mesma maneira” (as “três coisas”, no caso, incluíam o
voto no caso de Lula e o voto sobre a competência para estabelecer
vacinação obrigatória, em que Nunes Marques se alinhou ao governo) e que
“eu indiquei para lá por aquilo que eu tenho de afinidade com ele”,
mostrando que seus critérios para escolher ministros do Supremo não são
exatamente aqueles que a Constituição determina.
Tais
manifestações são um péssimo indicador a respeito do que pode ocorrer
em julho de 2021, quando Marco Aurélio completa 75 anos. Para apaziguar
os críticos da indicação de Nunes Marques, Bolsonaro garantira que o
próximo indicado seria, finalmente, um ministro “terrivelmente
evangélico”, mas ele já havia feito essa promessa referindo-se ao
sucessor de Celso de Mello. A essa altura, impossível saber o que
teremos em 2021 no Supremo: se um ministro com o perfil de que o país
precisa – avesso ao ativismo judicial, ao estatismo e ao corporativismo,
defensor da vida e da família, duro com a ladroagem, guardião e não
redator da Constituição – ou um novo Nunes Marques. Um “aproveitamento
zero” (dois erros em duas escolhas) em um tema tão importante para o
país como é a indicação de ministros do STF seria um legado extremamente
destrutivo da passagem de Bolsonaro pela Presidência da República. Que
em 2021 ele tenha a sensatez que lhe faltou em 2020 no momento de fazer
sua nomeação.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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