Faça como Doria. Pare diante do espelho, fale meia dúzia de clichês do humanismo de butique e note que você também tem um corpinho de centro-esquerda. Guilherme Fiuza para a Oeste:
João
Doria propôs a formação de uma aliança de “centro-esquerda”. É uma
iniciativa importante. No centro estará o gel; na esquerda, o Rolex.
Política tem que ser feita assim: com ciência e pragmatismo. É claro que
pode haver atritos — se a esquerda se chocar com o centro, por exemplo,
o Rolex pode ficar melecado de gel e o topete pode ser desfeito. São os
riscos inerentes à atividade de todo político arrojado. Viver é
arriscar.
Se
a lambança provocada por um conflito dessa ordem — centro X esquerda —
chegar a impedir o grande líder de ver as horas (no caso de o visor do
Rolex ficar embotado de gel), não será motivo para pânico. Nessas horas é
que se revela a frieza do estadista. Doria dirá para si mesmo: “Fique
em casa”.
É
a decisão mais segura para um gestor impedido momentaneamente de
monitorar a passagem do tempo. É bem verdade que tempo é dinheiro, mas,
para quem é capaz de paralisar o maior Estado da Federação com um jato
de demagogia, fazer o tempo parar é brincadeira de criança. Como diria
Paulo Coelho, mago que é mago boicota o seu país e ainda tira onda de
empático. A magia pode tudo.
Pode
por exemplo permitir a uma personalidade afagar o maior ladrão do país e
não cair em desgraça. Essa é mais uma magia que une Paulo Coelho e João
Doria — o primeiro cortejando Lula lá da Suíça (distanciamento social e
criminal) e o segundo promovendo um congraçamento pandêmico com o
meliante petista: “O vírus não escolhe ideologia. O momento é de foco”.
Se o Rolex fica bem na esquerda, por que Doria também não poderia ficar?
É
bem verdade que, como diria o companheiro Newton, um Rolex e um Lula
não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Um dos dois vai sumir —
seja no bolso ou no xadrez. São os problemas da nova esquerda, que Doria
certamente saberá contornar — com foco, ciência, empatia e gel. Sendo
uma frente de centro-esquerda, uma possibilidade seria puxar Lula mais
para o centro, deixando-o distante do Rolex. Talvez dando a ele uma
embaixada no Guarujá, que é no centro (da mamata). Se a OAS concluir de
uma vez por todas o elevador privativo do tríplex, a tendência é Lula
aceitar.
Doria
anunciou por vídeo o plano de criação da frente de centro-esquerda, que
já está sendo chamada de Resistência Penteada. Ele estava sozinho na
imagem, entre quatro paredes, de máscara. Já tendo tido covid e não
tendo ninguém no mesmo ambiente representando risco de contágio, o uso
da máscara pelo gestor dividiu opiniões. Uns acharam que ele estava
escondendo a cara devido ao conteúdo de sua mensagem — constrangedora
mesmo para um profissional da impostura.
Outros,
porém, garantiram ter evidências científicas de que Doria é imune a
constrangimentos — e que essa imunização consumiu décadas de
desenvolvimento, num processo muito mais seguro que o da vacina chinesa.
A prova dessa imunidade seria a desenvoltura com que o governador saiu
chutando números de vidas salvas pelo seu lockdown desvairado, usando o
nome do Instituto Butantan para inventar uma equação quarentenal de
décimo terceiro grau (foca o 13).
A
realidade desmentiu a alegoria sanitária do líder de centro-esquerda,
com levantamentos em centros universitários como Stanford e Harvard
demonstrando que não houve menos óbitos nas regiões onde as medidas de
trancamento geral foram executadas com maior rigor. Ainda apareceu a
Argentina, campeã do lockdown, ultrapassando todos os vizinhos em mortes
por milhão. Mas o populismo argentino é mambembe. A nova esquerda Rolex
há de chegar lá, salvando vidas com um choque de gestão e gel. Não vai
sobrar um único argentino despenteado. E todo mundo sabe que a
resistência ao fascismo começa pela cabeça.
Doria,
Lula, Covas, Boulos, Fernando Henrique, Alexandre Frota, Witzel,
Caiado, enfim, toda a nova esquerda está se unindo no partido da Covid
22 — o presente de Deus, como verbalizou Jane Fonda, falando por tantos
confinados nos armários de todo o planeta. Otário é você, que com essa
dinheirama de bilionários sensíveis e ditadores conscientes rolando
solta por aí continua teimando em viver sem mesada.
Ainda
está em tempo. Pare diante do espelho, fale meia dúzia de clichês do
humanismo de butique e note que você também tem um corpinho de
centro-esquerda. Aí é só sair pedindo ao tiranete mais próximo que
obrigue as pessoas a fazer coisas na marra. Invente uma coisa nova, tipo
proibir as crianças de desenharem Papai Noel sem máscara — com pena de
prisão dos pais por genocídio culposo. Você vai arrasar — e vai chover
na sua horta. Vai pensando no modelo do Rolex.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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