Em seu novo livro, o astrofísico reúne parte da correspondência trocada com fãs na época em que era apresentador do programa 'Cosmos'. O Estadão entrevistou o cientista por e-mail (notem que ele não cai no viés de entrevistadora Roberta Jansen):
Considerado um dos mais importantes cientistas de todo o mundo, o astrofísico Neil deGrasse Tyson,
de 62 anos, pensa com frequência no Brasil. Não no futebol, na
Amazônia, no carnaval ou nas praias brasileiras, como a maioria dos
americanos costuma pensar, ele explica. Mas na ciência “made in Brazil”.
Para ele, o País não valoriza o suficiente suas conquistas passadas,
nem aposta o bastante nas futuras.
Em
seu novo livro, Respostas de um Astrofísico (Editora Record), o
cientista-celebridade reúne parte da correspondência trocada com os fãs
na época em que era apresentador do programa Cosmos. Era a sequência de
2014 da famosa série de TV apresentada nos anos 1980 pelo legendário Carl Sagan.
Os espectadores do programa escreviam para deGrasse Tyson para tirar
dúvidas sobre ciência, mas também por outros motivos. Queriam falar de
religiosidade, vida após a morte e até compartilhar problemas pessoais e
pedir conselhos.
Na
edição brasileira do livro, o cientista acrescentou uma correspondência
inédita. Trata-se de uma carta com conselhos ao País. “Dear Brazil”,
ele começa, “tenho pensado em você com bastante frequência”, acrescenta,
esclarecendo que nunca esteve por aqui, embora tenha ido muitas vezes
ao vizinho Chile, para visitar os telescópios localizados no deserto do
Atacama.
O
diretor do Planetário de Hayden escreve que, normalmente, quando
estrangeiros pensam em Brasil, não pensam em ciência. Mas que isso
precisa mudar. Ele lembra que a Embraer é a fabricante de boa parte dos
aviões usados em todo o mundo. E fala sobre Santos Dumont.
“Um
dos grandes pioneiros nos primórdios da aviação era brasileiro.
Engenheiro brilhante e inventivo, altamente condecorado, Alberto
Santos-Dumont liderou a transição mundial do transporte aéreo mais leve
que o ar para o mais pesado que o ar. O valor de uma semente cultural
como essa, plantada no nascimento da indústria, é incalculável.”
Ele
lembra também que o País é pioneiro nas tecnologias de biocombustível e
tem a 6ª maior indústria aeroespacial do mundo. Segundo ele, toda essa
produção científica nacional deveria ser mais valorizada e alardeada. E
conclui falando sobre a importância de termos “líderes esclarecidos” que
valorizem mais a educação e a ciência.
“As
economias de crescimento do futuro - mesmo as que possam ser puramente
agrícolas - vão girar em torno dos investimentos feitos hoje em ciência,
tecnologia, engenharia e matemática. Numa democracia, esses
investimentos fluem de um eleitorado letrado cientificamente, que elege
líderes esclarecidos e que entende o valor da educação, das pesquisas e
das descobertas.”
Em
entrevista ao Estadão por e-mail, o cientista fala do novo livro, da
cultura pop, do racismo estrutural e dos movimentos contrários à
ciência. “É fácil culpar os líderes por retrocessos e pelos
posicionamentos contrários à ciência que tenham”, afirmou. “Numa
democracia, no entanto, isso simplesmente significa que foram eleitos
por pessoas que compartilham essa visão de mundo. A solução é educar a
população, evitando a eleição daqueles que negam a ciência para altos
cargos.”
A íntegra da carta pode ser lida no site do astrofísico.
Na
edição brasileira de seu novo livro, o senhor acrescentou uma “carta ao
Brasil”, na qual o enumera grandes conquistas científicas do País,
muitas vezes não reconhecidas. Na mesma carta, menciona a importância de
eleger presidentes que entendam o valor da educação e da ciência. No
Brasil de Jair Bolsonaro, como também nos Estados Unidos de Donald
Trump, este não é exatamente o caso. O senhor acha que a eleição desses
presidentes representa uma vitória do movimento anticiência que ganha
corpo em todo o mundo?
Na
minha carta, não faço referência específica a “presidente”. Falo apenas
em “líderes”, que podem representar qualquer pessoa no poder - ou
qualquer um que tenha poder de influência. Acho que os anticiência não
se aglutinam apenas por esse fato. Parece-me que outras questões os
conectam e que a parte da anticiência está apenas no portfólio de
pensamento deles. As pessoas querem acreditar naquilo que encontra eco
em suas crenças pessoais, seu posicionamento político ou no seu desejo
do que querem que seja verdade. O que parece é que ao longo de sua
educação, essas pessoas nunca aprenderam (nas aulas de ciência) sobre
como distinguir entre o que é objetivamente verdade e todo o resto de
coisas que eventualmente possam encontrar pelo mundo. Portanto, em
última instância, é um fracasso do sistema educacional, onde quer que
viva a negação da ciência. Gostaria de acrescentar que é fácil culpar os
líderes por retrocessos e posicionamentos anticência que eles tenham.
Mas, na democracia, isso simplesmente significa que foram eleitos por
pessoas que compartilham essa visão. A solução aqui é educar a
população, evitando a eleição daqueles que negam a ciência para altos
cargos.
Estados
Unidos e Brasil já somam mais de 400 mil mortes pela covid-19. Por que
esses movimentos estariam se tornando mais populares justamente quando
mais precisamos da ciência?
As
mortes pela covid são um duro lembrete do quanto a negação da ciência
pode custar às famílias e a sociedade. Muitas vezes as consequências
dessa negação precisam ser sentidas pessoalmente para que as
perspectivas possam mudar. A minha esperança é que uma herança positiva
da pandemia de covid-19 seja uma renovada compreensão e respeito à
ciência, e também sobre como e por que a ciência trabalha.
Em
1995, o astrônomo Carl Sagan (1934-1996) escreveu O mundo assombrado
pelos demônios, no qual discutia pseudociência e superstições, além de
ensinar métodos para se distinguir ideias que podem ser consideradas
científicas daquelas que não são. Vinte e cinco anos depois, acha que a
situação está pior? Como lidar com o fenômeno das fake news e da
pseudociência, se alastrando agora numa velocidade muito mais alta do
que em 1995 por causa das mídias sociais?
A
pseudociência sempre esteve conosco. A internet e as mídias sociais
ampliam sua presença no mundo, permitindo que pessoas que viveriam
isoladas em suas visões possam encontrar todas as outras no mundo que
compartilhem suas mesmas incompreensões sobre como o mundo funciona,
oferecendo dessa forma uma falsa segurança de que sabem o que está
acontecendo. O ceticismo é uma ferramenta em qualquer esforço que se
faça para conter o alastramento de informações falsas ou imprecisas, mas
quando é levado ao extremo, as pessoas podem se tornar céticas de
ideias e proposições embasadas em uma ampla gama de evidências. Essa
inabilidade de permitir que verdades objetivas consigam transpor o seu
sistema de crenças é, mais uma vez, a falência do sistema educacional,
no qual a ciência é ensinada como um amontoado de fatos, e não como uma
forma de questionar a natureza - para se descobrir o que é real e o que
não é real no mundo.
O
senhor faz uso de inúmeras referências da cultura pop em seus livros,
discursos, programas de TV. Acha que esse artifício é crucial para a boa
comunicação da ciência? O senhor é verdadeiramente fã da cultura pop?
Quem são os seus artistas preferidos?
A
cultura pop, por definição, representa uma base ampla e comum sobre a
qual as pessoas pensam e agem. Ao relacionar conceitos científicos e
descobertas à cultura pop, percebi que as pessoas conseguem se
interessar mais pela ciência e, especificamente, por que ela é
importante. Para conseguir fazer isso, passo talvez 20% do meu tempo
engajado com a cultura pop, o que me garante fluência no assunto quando
preciso dele para ensinar. Isso inclui cinema, TV, artistas, eventos,
pessoas que estão no noticiário etc. Neste esforço, os meus favoritos
são irrelevantes. Em vez disso, busco aqueles que a sociedade declara
como seus favoritos. Então, monitoro quais são os programas de TV mais
populares, filmes de maior bilheteria, livros mais vendidos.
O
assassinato de George Floyd pela polícia e o subsequente movimento
“Black lives matter” (Vidas Negras Importam) revelam o quanto ainda
estamos distantes da igualdade racial. O racismo estrutural ainda é um
obstáculo para os negros nos Estados Unidos?
Sim.
Mas também não podemos esquecer que há apenas algumas décadas - ao
longo dos anos 1980 -, o assassinato de um homem negro desarmado pelas
mãos da polícia era considerado notícia local; não recebia nenhuma
atenção fora do local onde ocorria. Então, de maneira perversa, a
atenção nacional dada ao assassinato de George Floyd representa um
progresso. Onde quer que aconteça, as pessoas vão ficar sabendo. Por
quê? Porque hoje praticamente todo mundo tem em mãos uma câmera - e uma
forma bem rápida de jogar as imagens na internet. Neste novo mundo,
notícias locais rapidamente se tornam notícias nacionais. E isso é uma
coisa boa. Sem isso, poderíamos legitimamente nos perguntar se haveria
protestos nacionais e até internacionais.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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