A diferença com Joe Biden está aparecendo em todas as pesquisas e ninguém resiste a especular sobre como seria o mundo pós-Trump. Vilma Gryzinski:
Os
nomes principais do time dos que vão abrir champanhe na noite de 3 de
novembro, se a votação confirmar o resultado das pesquisas – cada vez
mais apertado -, praticamente diz tudo: Irã e China.
Cuba também pode projetar uma volta à aproximação quase incondicional estabelecida durante o governo Obama.
Muitos aliados europeus também vão comemorar.
A
insistência de Donald Trump em cobrar a conta da aliança militar em que
os Estados Unidos entram com tudo – nada menos que 70% do total – e os
outros com alguma coisinha. Tipo menos que 2% do PIB, a meta
estabelecida para todos, mas pouco cumprida.
Isso é especialmente válido para a Alemanha, que prometeu igualar os gastos dos Estados Unidos a partir de 2021.
A
primeira-ministra Angela Merkel, que nunca escondeu o esforço feito nos
contatos com Trump, não terá muito tempo para comemorar: vai sair da
política por livre vontade, também no ano que vem.
Só
uma diferença grave na coalizão de governo, ou um resultado negativo no
processo por corrupção, tirariam Benjamin Netanyahu do poder em Israel,
onde sobrevive com um constante exercício de equilibrismo político e
uma certa ajuda de Trump.
Se
o presidente americano perder a reeleição, não terá tempo de cobrar a
contrapartida para os gestos históricos que fez ao reconhecer Jerusalém
como a capital de Israel e as montanhas de Golã como parte do território
israelense.
Em
troca, se chegasse lá, esperaria a criação de um Estado palestino
dentro dos planos apresentados por Jared Kushner, o genro de Trump que
conheceu momentos de vitória quando os Emirados Árabes Unidos, o Bahrain
e, agora, nos últimos minutos, o Sudão, aceitaram normalizar relações
com Israel.
É claro que todos esses países saem perdendo com uma derrota de Trump.
Mesmo
que um futuro governo Biden não cancele – nem menospreze – a rara
aproximação, dificilmente vai seguir a estratégia trumpista de “começar
pelo fim”, promovendo a normalização com Israel antes da criação de um
Estado palestino.
Isso
só foi possível por causa da percepção de que o Irã é a grande ameaça
em comum, contra a qual valeria a pena sacrificar alguns princípios da
tradicional frente unida árabe em favor da causa palestina.
O
maior promotor da tese é Mohammed Bin Salman, o herdeiro do trono
saudita que desponta como um dos grandes perdedores com uma derrota de
Trump.
A
maior de todas as dúvidas em matéria de política externa é se Joe Biden
recuaria na estratégia de confronto com o Irã e voltaria ao acordo
sobre o controle da eventual conversão bélica do programa nuclear
iraniano.
O
acordo, legitimamente contestado por opositores e detonado por Trump,
foi negociado durante o governo Obama, com participação de Biden como
vice.
Como
presidente, ele enfrentaria um dilema: voltar ao acordo e levantar
sanções, numa manifestação que inevitavelmente será interpretada como
fraqueza, ou procurar alguma cortina de fumaça para o entreguismo.
Tony
Blinken, o principal assessor de Biden para política externa, já deu a
entender que o acordo seria “reforçado” e mais todo aquele blá-blá-blá
sobre cooperação com os aliados para não permitir que o Irã saia da
linha.
O
blá-blá-blá é compreensível: em campanha, os candidatos não podem se
comprometer com propostas fechadas em áreas altamente voláteis.
Mesmo
assim, é difícil imaginar Joe Biden mandando pulverizar o general Qasem
Suleimani, o cabeça das intervenções externas iranianas, como fez Trump
no começo do ano.
A eliminação de Suleimani foi um dos raros gestos agressivos de Trump no campo global.
Ao
contrário da imagem mais tosca criada a seu respeito, Trump foi muito
cauteloso em matéria de intervencionismo, a ponto de ser enquadrado na
escola isolacionista.
Essa
cautela produziu um “hambúrguer de vento” – a aproximação com Kim
Jong-un, que ficou só nos gestos de um balé entre parceiros altamente
improváveis.
Por
trás de todos os enigmas do delirante regime norte-coreano existe uma
realidade muito simples: a China, que tem o poder de literalmente
desligar a luz de Kim e companhia, não vai abrir mão de um instrumento
de pressão regional e global como a Coreia do Norte.
O
que nos leva de volta ao início: qual será a política de um governo
Biden em relação à China, a mais importante questão existencial do palco
global.
“Todos
nós reconhecemos que a China representa o maior desafio que enfrentamos
por parte de outro estado-nação”, disse Tony Blinken no mês passado.
Como enfrentá-lo, segundo uma potencial doutrina Biden?
“Temos
que começar nos colocando numa posição de força a partir da qual nosso
relacionamento com a China avance, mais em nossos termos do que nos
deles”.
E a guerra tarifária com a qual Trump pretendia exatamente fazer negócios nos “nossos termos”?
Dificilmente Joe Biden teria o mesmo topete. Metafórico, claro.
Político
de carreira, convencional e pouco dado a arroubos de grandeza, ele não
teria a audácia – alguns diriam insensatez – de Donald Trump ao
pretender uma mudança de longo alcance nas regras do jogo comercial com a
China.
Com
países menos vitais, como a Grã-Bretanha do Brexit e o Brasil de Jair
Bolsonaro, Joe Biden tem mais espaço para crescer e até empacar acordos
comerciais importantes.
Em julho do próximo ano, termina a autorização especial que o Congresso deu ao presidente para fechar acordos comerciais.
Em relação ao Brasil, Biden até insinuou sanções comerciais para salvar as florestas tropicais.
Ou
então dar aqueles 25 bilhões de dólares que considerou adequados, no
primeiro debate com Trump, para “comprar” a segurança da Amazônia.
Fora
a falta de noção, Biden tem uma ideia razoável do Brasil, um pouco mais
elaborada do que a dos presidentes americanos em geral.
Ele,
com a assessoria de Tony Blinken, então subsecretário de Estado, foi
encarregado, como vice-presidente, de acalmar a birra de Dilma Rousseff
por ter sido gravada, como todo mundo mais, pelo gigantesco dispositivo
americano de escuta eletrônica.
Blinken citou até Fernando Brant, então recém-falecido, para exaltar a amizade entre Estados Unidos e Brasil.
Um
amigo como o Brasil, que não cria problemas para a superpotência
americana, é realmente para se guardar do lado esquerdo do peito.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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