Dada a importância do julgamento para o futuro da liberdade de imprensa, é de esperar que o STF saiba, acima de tudo, honrar a longa tradição que firmou em defesa do direito de informar e ser informado. Editorial do Estadão:
Entre
os casos que o Supremo Tribunal Federal (STF) terá de julgar nas
próximas sessões plenárias, um dos mais relevantes é o Recurso
Extraordinário 1.010.606, que trata de uma inovação jurídica: o direito
ao esquecimento. Apesar de não constar da ordem jurídica em vigor, seu
reconhecimento por via judicial tem sido pleiteado em diferentes ações
impetradas na primeira instância da Justiça brasileira, por pessoas que
pedem a remoção de conteúdo em reportagens e artigos publicados por
órgãos de comunicação e plataformas de pesquisa digital.
A
discussão sobre o direito que as pessoas têm de serem esquecidas pela
imprensa e pela opinião pública é complexa, uma vez que parte de um
conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à
intimidade e à privacidade. Por isso, como empresas de plataformas
digitais de busca de informações e entidades da sociedade civil também
já manifestaram o receio de que uma decisão judicial possa restringir
suas atuações na internet, o STF declarou a repercussão geral do caso
específico que julgará. Isso fará com que o resultado do julgamento seja
aplicado a todos os demais processos idênticos que tramitam nas
diferentes instâncias do Judiciário.
O
caso diz respeito à transmissão de um programa de televisão sobre um
rumoroso crime cometido há cerca de sete décadas na cidade do Rio de
Janeiro, cuja vítima – uma jovem de 18 anos – teria sido surrada e
estuprada por dois playboys, com ajuda de um porteiro, antes de ser
jogada do alto de um edifício em Copacabana. Além desses dois delitos,
os assassinos simularam um suicídio. O caso foi julgado três vezes e o
porteiro e um dos rapazes foram inocentados da acusação de homicídio e
condenados por atentado ao pudor e tentativa de estupro. O outro rapaz,
que tinha menos de 18 anos, foi condenado por homicídio e encaminhado ao
Sistema de Assistência ao Menor.
Na
época, a opinião ficou revoltada com o desfecho desses julgamentos.
Desde então, televisões e rádios apresentam reportagens relembrando o
caso e comentando as punições pouco rigorosas aplicadas à época pela
Justiça. Já a família da vítima alega que o crime ocorreu há muito tempo
e que não faz mais parte do conhecimento comum da população, e pede que
o caso seja esquecido.
Apesar
de não ter base na ordem jurídica vigente, essa pretensão já vem sendo
discutida há algum tempo na doutrina, especialmente no campo do direito
privado. Numa de suas jornadas sobre direito civil, por exemplo, o
Conselho da Justiça Federal editou o Enunciado 531, afirmando que
ninguém é obrigado a conviver para sempre com erros pretéritos. O
enunciado, que é uma espécie de orientação programática baseada na
interpretação do Código Civil, inclui o direito ao esquecimento no rol
dos chamados direitos da personalidade.
Entre
os especialistas em direito público, contudo, esse argumento é recebido
com reservas. Vários constitucionalistas afirmam que uma orientação
programática, mesmo vinda da Justiça, não tem valor de norma jurídica.
Entendem que, se as informações publicadas pela mídia e pelas
plataformas digitais tratam de fatos reais, impedir sua republicação
seria uma forma de “censura pelo retrovisor”. Afirmam que não faz
sentido proibir os meios de comunicação de publicar notícias sobre um
caso só pelo fato de ser antigo. E ainda lembram que a história da
sociedade é patrimônio imaterial de um país.
Independentemente
da decisão que tomarem, os ministros do Supremo também terão de lidar
com outra questão importante. Como o caso é de repercussão geral, terão
de definir se seu julgamento ficará circunscrito aos órgãos tradicionais
de comunicação, como jornais e televisões, ou se também abarcará as
plataformas digitais que propiciam o acesso à informação.
Dada
a importância do julgamento para o futuro da liberdade de imprensa, é
de esperar que o STF saiba, acima de tudo, honrar a longa tradição que
firmou em defesa do direito de informar e ser informado.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário