Ministro do Gabinete de Segurança Institucional afirma que não compactua
com impulsos golpistas e ratifica apoio à política liberal de Paulo
Guedes. Entrevista à revista Oeste:
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general
Augusto Heleno Ribeiro Pereira, curitibano de 72 anos, 45 dos quais
dedicados à carreira militar, é um homem de fala tranquila e riso fácil.
Talvez em razão do bom preparo físico, superou sem dificuldades a
covid-19, que contraiu na viagem oficial da comitiva brasileira aos
Estados Unidos, no início de março. “Não senti nada. Minha temperatura
nunca chegou aos 36 graus. Eu brincava: ‘Acho que estou congelando!’”.
Ex-comandante militar da Amazônia, Heleno foi adido militar na França
e chefiou a primeira Força Militar da Missão das Nações Unidas para
Estabilização no Haiti. O general participou do grupo de planejamento
estratégico do governo ainda em 2018, durante a campanha eleitoral, e
desde a posse de Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019, comanda o GSI.
O general Augusto Heleno recebeu a reportagem da Revista Oeste em seu
gabinete, no quarto andar do Palácio do Planalto, para uma conversa de 1
hora e 40 minutos. Ele faz questão de afastar qualquer hipótese de
golpe militar (“Pode tirar da cabeça! Isso não vai acontecer!”) e
assegura que não existe nenhum projeto econômico desenvolvimentista,
apoiado por militares, em paralelo ao plano liberal do ministro Paulo
Guedes.
Ex-chefe do Centro de Comunicação Social do Exército, Heleno diz não
ter restrições a jornalistas: “Eu adoro comunicação!”. A seguir, os
trechos mais relevantes da entrevista.
Qual sua avaliação das consequências da divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril?
Olha, eu acho que nós gastamos energia demais em um assunto que, para
mim, não ia jamais chegar a esse ponto. Pela minha formação, e aí não é
só a formação de militar, mas também de cidadão, há uma hierarquia que
tem de ser respeitada. Se existe uma lei que diz que o diretor da
Polícia Federal é nomeação privativa do presidente da República, não
cabe a ninguém discutir essa nomeação. Eu, para nomear um cara que é
minha atribuição, tenho que fazer um documento, duas folhas de papel
almaço explicando por que estou tirando um e colocando outro? Esse
troço, para mim, é surreal. O ex-ministro Moro reagiu muito à
substituição do [Maurício] Valeixo [ex-superintendente da Polícia
Federal] e, para mim, aquilo ali é um negócio inacreditável, porque era
um funcionário de segundo escalão que cabia ao presidente nomear, era
prerrogativa do presidente, e ele ficava encontrando óbice no meio do
caminho, por um outro subordinado dele que era um ministro de Estado.
Aquilo, para mim, foi uma perda de energia incomensurável. Foram contar
os palavrões no vídeo. Mas eu fico imaginando como eram as reuniões de
ministros na época da corrupção desenfreada. Como era a conversa? Era
tratando “vem cá, você leva de tal lugar, eu levo de tal lugar”. [risos]
Já imaginou como era esse papo?
E quanto à nota assinada pelo senhor a respeito do pedido de apreensão do celular do presidente?
Quando vi o pedido que foi feito à Procuradoria-Geral da República,
pensei: “Vem cá, isso aí é a autoridade do presidente da República, que é
o posto mais alto do Poder Executivo, talvez a função mais nobre do
país”. Considerei um negócio tão absurdo que falei: “Isso aí não pode
passar em branco!”. É preciso dizer à nação que se trata de uma
exorbitância de autoridade. Eu quis externar publicamente a minha
surpresa com a decisão. E, inclusive, considerando que ela não vai
acontecer, porque o segundo parágrafo diz “se acontecesse” — botei no
imperfeito do subjuntivo porque, se acontecesse, seria uma coisa
absolutamente inédita. Imagina se um outro poder resolvesse pegar o
celular do ministro [Dias] Toffoli [presidente do STF]. “Eu quero ver
seu celular.” As conversas que estão no telefone da maior autoridade do
Poder Judiciário, da maior autoridade do Poder Executivo não podem cair
na mão de alguém que resolveu examiná-lo. Na nota, em nenhum momento
falei em Forças Armadas, em Artigo 142 [da Constituição Federal], muito
menos citei nomes. Mencionei que o fato em si era assustador. Um país
democrático com o presidente da República sujeito a decisões desse tipo
tem alguma coisa errada. Por isso falei sobre a independência de
poderes. Não preguei nenhum golpe de Estado, nenhuma intervenção
militar, isso é uma “bobageira”. Eu quis dizer o seguinte: “Essa atitude
não é compatível com o quadro que, hoje, o país tem”. Uma Constituição
em vigor, a democracia, liberdade de opinião, aí o camarada confisca o
celular do presidente da República? Pelo amor de Deus, né?
O senhor considera exageradas as reações à nota por parte de muitas organizações da sociedade civil?
Acho que há certo temor de uma parte do nosso espectro político de
que a esquerda não volte ao poder. A esquerda, em todos os países, tem
pavor quando se vê ameaçada no seu planejamento de governar um país
durante muitos anos. A alternância de poder não faz parte do vocabulário
da esquerda. Ela acha que a alternância de poder é uma coisa
absolutamente desnecessária. No momento em que chega ao poder, quer se
eternizar. E, numa democracia, a alternância de poder é sadia e
necessária — uma alternância em cima de postulados, programas de
governo, intenções, perspectivas. Mas a esquerda considera-se intocável,
imbatível, acha que tudo o que faz ou propõe é maravilhoso. Diz que
tudo da direita e do centro é desprezível, são ações contra o povo,
contra a diminuição da miséria e a distribuição da riqueza, essas frases
de efeito que eles fazem questão de apregoar diariamente. Para mim,
esse é o grande problema. A esquerda está vislumbrando a impossibilidade
de voltar ao poder, e isso, para ela, é uma coisa terrível.
Quando o Pró-Brasil foi anunciado, mais como uma “carta de
intenções” do que como um programa estruturado, o mercado temeu que o
governo saísse do trilho liberal para optar por um projeto
desenvolvimentista. Depois, o presidente reafirmou que a economia
seguirá a rota planejada pela equipe do ministro Paulo Guedes. Ainda há
ruídos quanto a essa questão. É possível dizer que o governo continua
liberal?
Sim, o governo continua liberal. É óbvio que, por uma questão até de
inteligência, o programa pré-pandemia não pode ser de imediato cumprido à
risca. No atual cenário, os investimentos no mundo inteiro custarão um
pouquinho a acontecer. E não podemos ficar esperando indefinidamente por
esses investimentos. Mas tenho ouvido da própria equipe econômica que,
por exemplo, os programas de privatizações e de concessões continuam de
pé. A intenção é desestatizar tudo o que for possível. A ideia não é
fugir desse programa liberal de privatizações, de encolhimento do
Estado. Agora, nós vamos viver uma fase especial, uma transição durante a
qual terá de haver alguma flexibilidade em relação ao papel do Estado
na economia. Mas o Paulo Guedes tem sido muito firme ao manter o farol
que orienta a nossa economia. E esse é o pensamento do presidente, da
equipe econômica e de todo o ministério.
Ou seja, os ministros de formação militar também seguem esse farol?
Sem dúvida, sem dúvida.
Qual sua avaliação da equipe econômica?
A equipe do ministro Paulo Guedes é muito boa. Eles são caras bons,
que você ouve… Por exemplo, o presidente do Banco Central, o Roberto
Campos Neto. Eu me sento do lado dele nas reuniões ministeriais. E já
aprendi muito ali. Às vezes, ele faz umas exposições, né, PowerPoint,
não sei o quê, e aí ele volta e eu falo: “Roberto, eu entendi 50%. O
resto você vai me explicar.” [risos] Ele manja muito.
E quanto ao próprio ministro?
O Paulo Guedes é enfático, defende as ideias dele como se estivesse
defendendo uma tese de doutorado na universidade. Se bobear, ninguém
fala, só fala ele. [risos] O do BNDES [Gustavo Montezano], por exemplo,
chegou aqui, eu não o conhecia. Aí, fez um primeiro discurso. Fiquei
impressionado, porque ele falou em detalhes sobre os projetos futuros do
BNDES. Tinha acabado de chegar! Não engasgou uma vez, não pegou um
papel, foi um discurso primoroso. Quando eu estava saindo do Palácio,
fui parabenizá-lo. Ele me disse: “Eu não precisava voltar para o Brasil,
estava muito bem financeiramente. Mas decidi voltar para pagar ao país o
que recebi. Fui aluno do Instituto Militar de Engenharia. Quero
devolver ao Brasil o que ganhei”. Então, é um cara que você tem de
respeitar. Toda a equipe econômica é composta de profissionais
apaixonados. O Pedro Guimarães [presidente da Caixa] fala da Caixa
Econômica como se fosse o maior banco da humanidade. [risos]. Nós não
temos preocupação com desvios de recursos, nada disso. São caras que não
precisam e não vão deslustrar suas biografias brilhantes.
É possível que as Forças Armadas venham a atuar de modo mais efetivo na retomada econômica? Por exemplo, na infraestrutura?
Vamos lembrar a experiência que o Exército brasileiro teve no Haiti.
Para contribuir para a reconstrução do país, nosso Exército mandou para
lá uma companhia de engenharia de Primeiro Mundo, com duas usinas de
asfalto, sensacional. Então, o [capitão reformado] Tarcísio [Gomes de
Freitas, hoje ministro da Infraestrutura], que estava no Haiti, foi
acumulando conhecimento. Hoje, ele conhece em profundidade as
possibilidades da engenharia militar. A produtividade é alta, e os
custos, menores. A BR-153 [a Belém-Brasília], que fazia vinte anos
estava para ser terminada, foi concluída graças ao trabalho do Batalhão
de Engenharia. Há outras obras sendo tocadas pelo Tarcísio. O país está
em crise, e é natural a utilização do Exército para fins que não são
totalmente previstos, como a recuperação de rodovias.
Como fica o setor privado se o Exército se responsabilizar por obras de infraestrutura?
Havia uma oposição grande das empresas de engenharia civil, o que é
mais do que compreensível. Elas queriam construir para poder se
sustentar, enquanto o Exército não visa a lucro. Só que, hoje, nossas
companhias de engenharia, por conta de tudo o que aconteceu na Lava
Jato, ficaram completamente despreparadas. E agora, durante a crise do
coronavírus, a situação é ainda mais excepcional. Os militares continuam
trabalhando, sem intervalo, dia e noite, sem hora extra. Ao mesmo
tempo, entendemos que um outro fator precisa ser considerado, que é o
emprego. Se a infraestrutura ficar por conta do Exército, estaremos
utilizando uma mão de obra já empregada, cuja principal missão é outra.
Não podemos tolher o crescimento de empresas privadas que realizaram
obras fantásticas no país e no mundo inteiro. Esse pessoal é que vai
daqui a pouco tocar as obras para a frente. Então, enquanto houver
crise, o Exército estará em condições de colaborar. Mas, na hora que
pudermos transferir essas atividades para o setor privado, será esse o
caminho, ainda mais num governo liberal, que quer desestatizar.
Como o governo vê a retomada econômica?
Precisaremos saber o tamanho exato da freada [na economia]. Quantas
empresas privadas quebrarão efetivamente? Na hora que a atividade
voltar, aí vamos ter dados concretos. A recuperação exigirá sacrifícios,
tanto é que o ministro Paulo Guedes tem defendido a suspensão de
aumentos salariais do funcionalismo público até o final de 2021. Vai ter
reação, lógico. Os próprios partidos de oposição sabem que isso é
necessário, mas vão fazer ouvido de mercador e fingir “ah, não aconteceu
nada, vamos tocar”. Mas vai ser pedido ao funcionário público esse
sacrifício em prol do país, e tem que ser de todos os poderes,
Executivo, Legislativo e Judiciário. Todo mundo tem que entrar na dança,
né? Ou todo mundo entra na brincadeira ou fica difícil de convencer.
“Você é o mártir, o outro ali está recebendo auxílio-funeral,
auxílio-paletó, auxílio não sei o quê”. Aí, fica difícil de explicar.
A que o senhor atribui as dificuldades de comunicação do governo com a imprensa durante a crise do coronavírus?
O presidente, desde o início, aquela história da gripezinha, não sei o
quê, ele mesmo sabe que isso aí não aconteceu. É uma coisa muito mais
grave que uma gripezinha. É lógico que ele sabe, né? E ele não vai se
arrepender porque falou no início, mas sabe que isso acabou não se
tornando uma realidade. Mas o conceito dele sobre isolamento faltou ser
bem explicado. Faltou ter espaço para que fosse colocado corretamente. O
que vejo nessa história do isolamento? Estou longe de ser especialista,
mas, conceitualmente, acho extremamente válido o isolamento vertical,
proteger os mais velhos. O isolamento horizontal em determinadas
situações, na Barra da Tijuca, no Leblon, em Ipanema, em Higienópolis, é
fácil. Agora, quero ver alguém ir à Rocinha, a Paraisópolis, à Vila
Vintém, aqui ao Sol Nascente, em algumas cidades-satélite de Brasília,
como Ceilândia, e defender isso. São famílias que vivem em situação de
aglomeração por necessidade. Moram dez, doze dentro de um barraco. Como é
possível falar em isolamento horizontal? É lógico que essa situação
estimula a propagação do vírus. Mas a imprensa não tem apresentado
variáveis importantes da questão.
Já houve algum esforço de aproximação? Encontros com diretores de redação ou com publishers de veículos?
Acredito que sim. Não vou garantir porque não é minha área. E eu
tenho pouco tempo para ficar pensando em outras coisas, minha vida aqui é
complicada. De todo modo, muito do que acontece hoje é consequência de
uma grande parcialidade. Há certo fanatismo de uma parte da imprensa que
só critica. Não tem diálogo. Você não pode dialogar com uma pessoa que
já chega com a pauta pronta, querendo te derrubar, jogar contra a
população, e o presidente sofre muito com isso. Porque as perguntas
feitas a ele não são para esclarecer, para informar. É “como posso
colocar o presidente contra a parede?”, “como vou criar uma situação
constrangedora para o presidente?”. Imagina, você passar todo o tempo em
contato com uma parte da imprensa que só pensa assim… “Meu objetivo é
ser prestigiado na minha empresa porque consegui dar uma rasteira no
presidente.” É sempre um diálogo que já começa prejudicado, os dois já
entram de quimono. O cara já entra no octógono, ele não vai dar uma
entrevista, vai ao combate. Isso é terrível, né? E acontece em uma
proporção nunca vista. O governo fez muita coisa boa e não sai nada. É
só pau! Só pau!
Dado que segurança cibernética é um dos assuntos estratégicos de
competência do GSI, já há análises sobre qual padrão do 5G o Brasil
deverá adotar, o norte-americano ou o chinês?
Esse tema é importante e complexo. Até do ponto de vista de
inteligência, é muito delicado. Porque o 5G não é um problema só
tecnológico. É um tema político estratégico muito sério. Então, não
posso dizer a vocês tudo o que temos avaliado em relação ao 5G e à
própria Huawei. Nós emitimos há pouco tempo a norma que regula a
segurança cibernética. O 5G tem sido muito badalado por ser
revolucionário em vários aspectos, entra de cabeça na tal internet das
coisas. Agora, existem algumas questões. Primeiro, poucas empresas no
mundo estão capacitadas para esse mercado. Segundo, o 5G é caro para
caramba. Muito caro. E não é para todo mundo. Não é como o telefone
celular que temos hoje. No Brasil, não será viável disponibilizar o
serviço do Oiapoque ao Chuí. Vai ter, provavelmente, nos grandes
centros.
Em razão dos riscos de espionagem caso o país adote o padrão
chinês, e como o atual governo tem simpatia pelos Estados Unidos, parece
natural presumir que o Brasil acabará por adotar o padrão
norte-americano. Esse raciocínio faz sentido?
Fazer sentido, faz, não há dúvida. O difícil é transformar isso em
ações cujos resultados não podemos prever agora. Há questões
relacionadas a licitações que envolverão empresas globais, política
internacional e segurança de dados. Os dados estarão na mão de alguém,
temos que escolher com quem ficarão. Não tem escapatória.
A Huawei posa de empresa privada, mas, na verdade, é uma companhia
que opera sob controle do Partido Comunista. Sem a anuência do partido,
ela nem existiria…
É, não há dúvida. Essas considerações estão presentes nos debates
sobre como vamos resolver esse dilema. É um problema sério. O presidente
tem dado uma orientação muito firme em relação a isso, mas temos alguns
passos para chegar a uma decisão definitiva. E esses passos serão muito
cuidadosos. É como eu disse antes. Tem coisa sigilosa nesse assunto que
não podemos trazer a público porque os prejuízos podem ser muito
grandes.
“Não existe uma ‘ala militar’ do governo. Isso é besteira. Não há uma
visão militar dos problemas. Há uma visão do presidente da República”
Alguns acadêmicos que estudam o papel do Exército na política
acreditam que a presença maciça de militares no governo emite um sinal
equivocado para a tropa. O recruta pode ingressar nas Forças Armadas já
almejando, no futuro, uma carreira política e, assim, tirar o foco de
sua missão precípua. Isso existe?
Não, isso não existe. De jeito nenhum. Porque a formação militar não é
só do oficial, do sargento. É uma formação para a vida, para a missão.
Nossas escolas não têm contaminação política. Espero que ninguém entre
nas Forças Armadas com esse tipo de aspiração. Isso seria desastroso. Se
nós entrarmos nesse viés aí, em dois anos estaremos liquidados. O que
nos faz acreditar na profissão é exatamente essa vocação de servir à
pátria, é não ter olhares para outras coisas que possam nos afastar de
nossa missão. É, realmente, uma profissão muito difícil. Temos
dificuldades ao longo da carreira e pouca gente tem esse entendimento.
Por exemplo, meus filhos dificilmente estudaram dois anos no mesmo
colégio. Isso é um problema. Quer ver um problema sério dos filhos dos
militares? As amizades. Eu às vezes brinco: “Temos que ter sorte com as
amizades dos nossos filhos”. Essa é apenas uma das muitas dificuldades.
Como o senhor reage a menções sobre a atuação da “ala militar” do governo?
Isso é besteira, e eu provo. Nós nunca, nunca, nos reunimos. Não
existe isso. No governo, ninguém se lembra que é militar. Não há uma
visão militar dos problemas. Há uma visão do presidente da República,
uma visão ministerial, uma visão do governo. Não tem visão militar! E,
na verdade, nunca tivemos intenções políticas, nem eu nem os outros que
estão aqui. Fiz curso de guerra na selva, paraquedismo, mestre de salto,
educação física… Minha visão era integralmente voltada para o Exército,
para minha formação profissional. Passei a vida inteira estudando. Se
somar o que a nação pagou para mim como formação, eu devo muito, porque
fiz sete anos de colégio militar, quatro anos de Academia Militar das
Agulhas Negras, dois anos de Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, que é
para capitão, três anos de Escola de Comando e Estado-Maior do
Exército, que é para oficial superior, para habilitar o camarada ao
generalato, mais um ano de estratégia, fui adido militar na França… Se
você somar isso tudo como conhecimentos que me foram concedidos, verá
que são vinte anos de estudo. Então, o aproveitamento desses militares
que chegam ao final da carreira pode ser positivo para o país.
Projetos estratégicos das Forças Armadas, como a modernização do
Centro de Lançamento de Alcântara e a construção do submarino nuclear,
foram impactados pela crise do coronavírus?
O que aconteceu muda totalmente o panorama. São projetos necessários,
mas, neste momento, os custos podem abalar a própria economia do país.
Qual é a urgência? Isso é relativo. A estratégia nacional de defesa
consagrou a cada Força um pilar fundamental. Então, a Força Aérea é o
vetor espacial, aeroespacial, controle do espaço aéreo. A Marinha é a
responsável pelo desenvolvimento da energia nuclear para fins pacíficos
no país. E o Exército ficou com a segurança cibernética. Cada Força
defende sua urgência. Mas, quando a gente olha, será que esses projetos
são mais urgentes do que educação, saúde ou saneamento básico? Trata-se
de um equilíbrio que precisa ser buscado com muita sensatez. Reconheço
que são projetos importantíssimos, mas terão de ser reavaliados diante
de uma nova realidade econômica.
Como o senhor avalia a formação do militar dentro da ordem democrática?
A educação do corpo militar é quase um milagre dentro do panorama da
educação brasileira. A visão dos militares permitiu que o sistema
militar de ensino fosse preservado. O sistema não foi contaminado por
ideologia. Essas besteiras que falam que [os militares] vão dar golpe,
que vai ter intervenção, são grandes bobagens. Eu, por exemplo, fui
formado pelos que viveram aquele período que tinha revolta de sargento. O
cara fazia manifesto até no guardanapo do rancho. Então, vivi esse
período como aluno do colégio militar até 1964, e fui para a Academia
Militar exatamente em 1965. Poderia, então, até ter sofrido a influência
daqueles oficiais que, na época, foram meus instrutores e podiam
cultivar esse tipo de atitude. Mas foram eles que tiraram as Forças
Armadas desse contexto. As Forças Armadas se despolitizaram,
afastaram-se do quadro político. Não foram contaminadas pelo socialismo,
por um lado, nem por outros pensamentos autoritários. Nós tivemos uma
formação muito isenta. Então, não há nenhum risco de as Forças Armadas
se meterem em aventura, de aparecer um camarada e arrancar uma espada e
dar um golpe. Esse negócio pode tirar da cabeça, isso não vai acontecer.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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