Estamos entrando numa era de pós-democracia científica? É o que pensa o
biólogo italiano Enzo Pennetta, em artigo traduzido para a Gazeta do Povo:
Uma das características marcantes da epidemia de coronavírus é a
presença insistente de "especialistas". A política ficou para trás, em
segundo plano, parecendo estar sujeita a uma autoridade superior
identificada por uma ciência genérica, ou melhor, uma "Ciência".
A percepção de um poder não regulamentado mas efetivo manifestou-se
visivelmente durante as conferências de ministérios da Saúde e nas
infinitas intervenções de programas de talk show. Onde responsáveis
técnicos e expoentes do mundo científico foram levados a invadir campos
fora de sua competência, indicando datas para o prolongamento do
lockdown e determinando medidas que não eram de sua faculdade.
Mas tudo isso não deveria surpreender. Já há algum tempo assistimos à
lenta mas constante condução dos países democráticos em direção a
formas de sujeição política por pessoas não eleitas. Um trabalho de
desgaste que começou de longe com a deslegitimação da representatividade
popular: uma ideia difundida pela tese de que a corrupção da política é
a raiz de todos os problemas e que, portanto, seria desejável fiar-se a
elementos externos.
Essa ideia se baseia no conceito de que os seres humanos que fazem
política são ontologicamente diferentes daqueles encontrados em outras
instituições. Uma hipótese inconsistente, mas que, apoiada pela mídia,
encontrou aceitação em uma opinião pública bastante ingênua e que sempre
procura um bode expiatório.
Estando deslegitimada a representação popular, as conquistas sociais
obtidas por gerações inteiras foram dessa forma corroídas com a cessão
de áreas de interesse público para técnicos considerados mais
confiáveis. Nascia assim o que poderia ser definido como "tecnocracia", o
governo dos técnicos, e que cada vez mais frequentemente tende para o
que poderia ser chamado de (usando um neologismo) uma "cientocracia".
A cientocracia é uma forma de governo que não age eliminando a
política, mas que opera tornando-a na realidade supérflua, condicionando
suas decisões e garantindo que não haja alternativas às indicações
propostas. Essa maneira de governar ocorre por meio da criação do que se
chama de "obrigações externas".
A obrigação externa propriamente dita é uma lei ou tratado que
compele a determinadas escolhas, às quais se deve submeter e que não são
questionáveis. Começamos a nos familiarizar há anos com essa forma de
poder no contexto das questões climáticas, quando um órgão supranacional
da ONU, responsável pelo estudo das mudanças climáticas, o IPCC,
adquiriu progressivamente cada vez mais influência, chegando a dirigir
protocolos internacionais.
Para a atuação da cientocracia, a atividade conjunta de
"especialistas" e imprensa é indissolúvel. Uma opinião pública amestrada
para receber favoravelmente e como palavra indiscutível tudo o que vem
da "ciência" é o substituto do voto democrático popular que transforma a
legitimidade popular do sufrágio universal em uma legitimidade de
pesquisas de opinião.
A persuasão da opinião pública que ocorre na cientocracia segue o que
acontece nas operações de marketing implementadas para o lançamento de
um produto comercial. Além disso, na cientocracia a sociedade é
equiparada e governada como um único e imenso mercado a ser conquistado.
As operações de marketing, por sua vez, são reconhecidas tipicamente
pelo uso de "depoimentos", com personagens construídos artificialmente,
mas propostos e aceitos como fenômenos espontâneos. Uma audiência
acostumada a esse tipo de operação comercial deveria teoricamente
reconhecê-la em sua verdadeira natureza, mas devido à autoridade
residual da grande mídia entre uma parcela significativa da população,
esse mecanismo não é percebido.
Um caso real e evidente da criação de depoimentos é a operação Greta
Thunberg, que, apesar de não esconder a artificialidade, é acolhida por
grande parte da sociedade como expressão de uma história verdadeira,
tanto mais autêntica quanto mais estejam presentes implicações
emocionais e anedotas pessoais.
A "ciência" nesse tipo de operação deixa de ser representada por
pesquisadores considerados mais ou menos respeitáveis para ser
representada por personagens que, justamente por não pertencerem à
comunidade de "cientistas", vão mais diretamente aos corações das
pessoas comuns e que com eles possam se identificar. Através desses
personagens as pessoas podem pensar que é possível que alguém realize um
grande feito começando de baixo. É uma forma de estrelismo de show de
talentos transposto para questões científicas.
O estrelismo científico também está fortemente presente no campo da
medicina, onde mais uma vez o papel da política pode ser espremido até a
irrelevância. Aqui também é fundamental o uso do depoimento de
especialista. Veja, por exemplo, a criação de um especialista como o
prof. Roberto Burioni: até 2016 desconhecido do grande público e lançado
naquele ano com um artigo na Repubblica, um privilégio muito raro.
Os especialistas propostos pelo marketing da cientocracia desfrutam
do favor da mídia, podem dizer que não há perigo de epidemia e,
posteriormente, afirmar o contrário; podem aviltar colegas, culpados por
não estarem alinhados com o pensamento politicamente correto e insultar
os outros. Nenhum jornal estará contra eles.
No tempo da cientocracia, a política, isto é, a nossa representação, é
cada vez mais intimidada e levada a se resguardar por trás das
reivindicações da "ciência". O sistema cientocrático se alimenta de
medos pessoais e coletivos que assumem o papel de “obrigações externas”
para as ações: se as coisas derem certo, o político obterá a aprovação
geral; se, ao contrário, derem errado, não será culpa de ninguém.
Mas tudo isso não é algo novo, é a realização de um sistema de
governo proposto por Francis Bacon em New Atlantis [Nova Atlântida], no
início do século XVII. Com o surgimento da cientocracia, realiza-se a
sociedade descrita por ele, que de utopia se transforma em realidade.
Assim estamos entrando em uma era de pós-democracia científica.
*Enzo Pennetta, formado em Biologia
e Farmácia, é professor de ciências naturais. Em 2011, publicou
"Investigação do darwinismo"; em 2016, "O último homem"; e em 2020, "O
quarto domínio".
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BLOG ORLANDO TAMBOSI
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