Médicos estão descobrindo, no meio da pandemia, características únicas
do novo vírus – e, em alguns casos, derrubando conclusões que pareciam
definitivas. Vilma Gryzinski:
É no meio da guerra que os traumatologistas aperfeiçoam seus modos de
salvar vidas. No meio da pandemia, os estudos teóricos e a experiência
clínica vão criando novos conhecimentos – e novas dúvidas.
Alguns deles:
– Ter acima de 65 anos e ser obeso são os dois fatores que mais levam doentes com Covid-19 a ser hospitalizados na cidade de Nova York.
O estudo foi feito com 4.103 indivíduos pela Grossman School da New York University.
Identificar a obesidade como fator de risco ajuda a entender melhor a
doença, as suas características locais e os motores dos focos
geográficos.
Entender por que Nova York tem quase 35% do total de quase 600 mil
casos confirmados e quase 24 mil mortes depende de uma ampla
multiplicidade de fatores.
Mas a importância da obesidade, que já havia sido identificada na
Itália como um dos complicadores, aparece muito mais no estudo feito em
Nova York.
Obesidade é entendida como um Índice de Massa Corporal acima de 30
(simplificando: uma pessoa de 1,70 que pesa acima de 88 quilos já deixou
a faixa de sobrepeso e entrou na obesidade grau 1).
“A condição crônica com associação mais forte com doença grave foi a
obesidade, com índices de probabilidade substancialmente mais altos do
que qualquer doença cardiovascular ou pulmonar”, concluir o diretor da
pesquisa, Christopher M. Petrilli.
A epidemia na China já havia identificado as comorbidades mais associadas a complicações e morte, inclusive diabetes.
Mas a obesidade certamente não é uma característica chinesa. Com a
explosão da epidemia em países ocidentais, ela emerge como um
complicador. No caso dos Estados Unidos, o principal.
Além de diabetes, a obesidade também favorece estados inflamatórios
crônicos. E as “superinflamações” estão sendo vistas cada vez mais como
um dos maiores fatores nos casos graves da Covid-19.
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– As discussões sobre o uso de respiradores estão bem longe de
acabar. Quando Boris Johnson agradeceu especialmente dois enfermeiros, a
neozelandesa Jenny McGee e o português Luis Pitarma, que passaram “48
horas na minha cabeceira” no momento em que a coisa poderia ter ido para
o pior, Boris Johnson enfatizou indiretamente dois aspectos.
Primeiro, claro, que teve um atendimento excepcional. Segundo, que
foram feitos procedimentos e intervenções de forma intensa e contínua
para permitir que ele ficasse no oxigênio, por sonda nasal ou máscara, e
não precisasse ir para a ventilação mecânica.
Uma hipótese: os doentes precisam, obviamente, de oxigênio, mas a
pressão dos ventiladores tem um efeito que acaba sendo negativo.
O Covid-19, dizem médicos da linha de frente, não é uma síndrome
respiratória aguda “normal”. O uso dos respiradores, já normalmente
arriscado, pode agravar ainda mais o estado do paciente, de forma nunca
vista em casos similares.
Em alguns estudos, o resultado negativo do respirador chega a até 80%, sem precedentes em doenças respiratórias similares.
“O índice de mortalidade de pacientes com Covid-19 que requerem
ventilação mecânica parece ser mais alto do que vemos tipicamente na
síndrome respiratória aguda grave”, diz a intensivista de pneumologia
Angela Rogers, da Stanford
“Estamos vendo algo muito diferente novo nessa doença”, disse o
médico James Saunders, do Centro Médico de Santa Clara, na Califórnia.
“Não temos um paradigma de tratamento para isso”.
Voltamos aqui à “tempestade de citocinas”, a reação do próprio
organismo que contribui para a devastação desencadeada pelo vírus
naqueles pacientes que, em vez de melhorar, passam a piorar na segunda
fase da doença, entre o sétimo e o nono dia.
Os médicos que constatam e discutem as formas de tratamento já estão
sendo chamados de “iconoclastas”. Querem, obviamente, como todos os
outros, o melhor para seus pacientes, mas em várias instâncias estão
constatando uma situação singular assim descrita por James Saunders:
“O modo como estamos tratando os pacientes não está funcionando. É
uma doença muito mais virulenta ou muito mais terrível – ou,
alternativamente, estamos tratando a doença errada. Fico terrivelmente
preocupado em ver que os clínicos tratam essa doença incorretamente,
como se fosse um processo primariamente relacionado à síndrome
respiratória aguda, mas o que estamos vendo sugere outra coisa”.
“Tudo isso é novo. Estamos tentando entender”.
– Lembram-se quando o uso generalizado de máscaras era condenado e até ridicularizado? Pois é.
Já está dando para desconfiar que orientações oficiais, obviamente bem-intencionadas, nem sempre acertam.
Agora, a recomendação unânime de ficar em casa quando os sintomas do novo vírus são leves também está mostrando buracos.
“A quarentena em casa não funciona. Muitos membros do núcleo familiar
acabam infectados”, já disse Wang Xinghuan, diretor de um dos dois
hospitais de campanha erguidos em tempo recorde em Wuhan – e que agora
estão a caminho de ser fechados definitivamente.
Na Espanha, o jornal El País fala no “enigma dos 130 mil casos” diagnosticados de origem ignorada, num total de 170 mil.
Probabilidade: uma parte dos contágios aconteceu dentro de casa, durante o confinamento.
“Com a grande redução da mobilidade, acreditamos que o contágio pode
ter acontecido dentro do próprio domicílio”, disse o ministro da Saúde,
Salvador Illa.
Obviamente, não são o único motivo. O contágio de profissionais de
saúde e trabalhadores de funções essenciais tem um peso considerável –
ainda longe de ser quantificado.
Ficar em casa, em regime de confinamento, obviamente diminuir o
número de contatos – e portanto a possibilidade de contágio. Mas não é
uma solução mágica.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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