Em tempos de pandemia, líderes mundiais deveriam prestar atenção aos
ensinamentos de ‘Memórias da Segunda Guerra Mundial’, de Winston
Churchill:
Era 1945. A segunda grande guerra havia acabado. Havia acabado! E
esse foi o sinal para uma explosão de alegria em todo mundo. O dever de
deter o inimigo maior havia sido concluído com um desfecho pouco
provável cinco anos antes, quando poucos se colocaram à frente de
Hitler. Um desses homens era Winston Churchill.
Naquele momento de vitória, se dirigindo à nação que havia sofrido o
impensável, o primeiro-ministro surpreendeu. Como era habitual.
“Gostaria de poder dizer-lhes esta noite que toda a nossa labuta e todos
os nossos problemas estão terminados.” Não estavam, como a maioria
testemunharia pelas décadas seguintes.
Nascido em 1874, morto em 1965, oito semanas após o seu 90º
aniversário, a figura de Churchill bem que poderia emergir novamente
para ensinar líderes que não sabem... liderar. Não conduzem a população
mundial diante de outro inimigo mortal. Desta vez, um vírus. Um novo coronavírus.
Na falta que Churchill nos faz em vida, ler Memórias da Segunda
Guerra Mundial – no Brasil há uma edição menor, resumida em dois
volumes, editados em 2017 pela HarperCollins com 1,1 mil páginas –
serviria como uma espécie de autoajuda de alto nível. De altíssimo
nível, diga-se, aos políticos protagonistas da crise atual. Pensando em
facilitar as coisas a eles, há uma série de passagens dessa
autobiografia que merece destaque. Se a ONU fala que a pandemia é o
maior desafio desde a Segunda Guerra, e a maioria dos países trata os
tempos atuais como de guerra, nada melhor do que reler as ideias do seu
principal protagonista.
O dia depois de amanhã
Devastadora e aterradora, e por mais que assim seja, a crise
provocada pelo vírus passará. Assim como, muito mais devastadora à
humanidade, a crise da segunda grande guerra também findou. Em 1948,
ainda no prefácio da edição, Churchill relembra conversa que teve com o
presidente Franklin Roosevelt. Eis o nosso primeiro ensinamento. O
norte-americano o pergunta sobre como a guerra deveria se chamar.
“Retruquei de pronto: ‘a Guerra Desnecessária’. Nunca houve guerra mais
fácil de impedir do que esta que acaba de destroçar o que restava do
mundo após o conflito anterior.” Churchill, talvez fazendo uma de suas
pausas dramáticas, retoma o raciocínio. “A tragédia humana atinge seu
clímax no fato de que, após todos os esforços e sacrifícios de centenas
de milhões de pessoas, e após as vitórias da Boa Causa, ainda não
encontramos Paz ou Segurança e estejamos sujeitos a perigos ainda
maiores do que aqueles que superamos.”
Conheça seu inimigo
É de Churchill, neste mesmo livro, uma análise bastante precisa
daquele que seria seu principal inimigo durante cinco longos invernos.
Sobre Adolf Hitler, o cabo alemão que perdera momentaneamente a visão
durante a Primeira Guerra, o inglês adianta tratar-se de um inconformado
com a derrota. Derrota que teria sido causada, na visão deturpada do
soldado, por processos não convencionais. Teria de ter ocorrido uma
traição em algum lugar. “Sozinho e ensimesmado, o soldadinho ponderou e
especulou sobre as possíveis causas da catástrofe, guiado apenas por sua
reduzida experiência pessoal.” O problema era que Hitler não estava
sozinho. Encontra pares, nacionalistas alemães e radicais que sabem a
quem culpar pela derrota. Churchill prevê a tempestade perfeita. “Em
Viena, ele se misturara com grupos nacionalistas alemães radicais e ali
ouvira histórias de atividades sinistras e sabotadoras de uma outra
raça, inimiga e exploradora do mundo nórdico – os judeus”, conclui
Churchill.
Confiança para ir até o fim
Em outra passagem, já carregada pelo drama da guerra, Churchill havia
acabado de conduzir com êxito a retirada de tropas – muitas delas,
inúmeras delas, todas elas? – de Dunquerque. Poderia ter terminado ali,
pouco depois de começar, a Segunda Guerra caso falhasse. Não falhou e,
ao reunir-se com o parlamento, Churchill considera em suas memórias que
era o momento de expor tudo que havia acontecido. A real situação das
coisas, da hora mais escura. Ele conclui seu discurso assim: “Muito
embora grandes pedaços da Europa e muitas nações antigas e famosas
tenham caído ou venham a cair sob o jugo da Gestapo e de todo o odioso
aparato de dominação nazista, não esmoreceremos nem fracassaremos. Vamos
até o fim”. Foram.
Ouse pedir união
Em dado momento da guerra, quando tudo ainda ia mal para os aliados,
Churchill escreveu indicando que o leitor deveria compreender “quão
espesso e desconcertante é o véu do desconhecido”. E acrescentaria:
“Agora, à plena luz da posteridade, é fácil discernir onde fomos
ignorantes ou alarmados demais, e onde fomos descuidados ou inábeis”. No
espírito do momento, o primeiro-ministro sentencia: “Essa foi uma época
em que toda a Inglaterra trabalhou e se esforçou até o limite máximo e
esteve mais unida do que nunca”.
Recomeçar e recomeçar
A França havia caído rapidamente diante da exuberante máquina de
guerra conduzida por Hitler. Havia sido subjugada, porém, sem o disparo
de quase nenhum tiro, quase sem resistência. Pelo rádio, devastado,
Churchill não esconde a gravidade da situação. Mas reforça sua crença
inabalável num futuro menos sombrio. “Defenderemos nossa ilha em casa e,
junto com o Império Britânico, prosseguiremos na luta sem nos deixarmos
conquistar, até que a maldição de Hitler seja retirada dos ombros da
humanidade. Temos certeza que no fim tudo sairá bem.”
Aguentar...
Ainda assim, só discursos não bastavam para conter o inimigo. E
Londres não parava de ser bombardeada. Noite após noite. E a cidade
ousava aguentar. Noite após noite. No primeiro volume das memórias sobre
a grande guerra, o primeiro-ministro relembra uma visita trivial a um
vilarejo quando sobrevém um ataque aéreo. O líder foi se abrigar em um
túnel. Um túnel onde um imenso número de moradores viviam
permanentemente.
…e ajudar
Quando Churchill sai da proteção, quinze minutos depois, contempla a
destruição. Um pequeno hotel fora atingido. Ninguém ficara ferido, mas o
lugar fora reduzido a uma pilha de louças, utensílios e móveis
quebrados. “O proprietário, sua mulher e os cozinheiros e garçonetes
estavam em prantos. Onde estava seu lar? Onde estava seu ganha-pão? Eis
aqui um privilégio do poder. Tomei uma decisão imediata. No caminho de
volta, em meu trem, ditei uma carta para o ministro das Finanças,
Kingsley Wood, estabelecendo o princípio de que todos os danos
resultantes do fogo inimigo ficassem por conta do estado, e de que se
pagassem indenizações integrais em caráter imediato. Assim, o ônus não
recairia apenas sobre aqueles cujas casas e estabelecimentos comerciais
fossem atingidos, mas seria equanimemente distribuído sobre os ombros da
nação.”
Sobre liderar
Em meio à euforia da vitória, Churchill se dirige novamente à nação.
Celebra, mas chama todos à responsabilidade que o amanhã reserva. “Mas,
ao contrário, devo adverti-los, como fiz ao iniciar esta missão de cinco
anos – e ninguém sabia, na época, que ela duraria tanto – de que ainda
há muito por fazer, e de que vocês devem estar preparados para novos
esforços da mente e do corpo e para novos sacrifícios em nome de causas
grandiosas, se não quiserem recair na vala da inércia, da confusão de
objetivos e do medo covarde de serem grandes.”
Por fim, sobre ser grande
Mesmo tão próximo da história, e como sabemos, é preciso
distanciamento para compreender com exatidão qualquer acontecimento da
natureza daquele confronto. Churchill entende o que foi e poderia ter
sido do mundo – não foi, como todos testemunhamos. “É meu objetivo,
sendo alguém que viveu e foi atuante nesses dias, mostrar com que
facilidade a tragédia da Segunda Guerra Mundial poderia ter sido
evitada; como a maldade dos perversos foi reforçada pela fraqueza dos
virtuosos; como faltam à estrutura e aos hábitos das nações
democráticas, a menos que elas se agreguem em organismos maiores, os
elementos de persistência e convicção que são os únicos capazes de dar
segurança às massas humildes; e como, mesmo nas questões de
autopreservação, nenhuma política é seguida sequer por períodos de dez
ou 15 anos de cada vez.”
Senhor de um outro tempo, seu Memórias da Segunda Guerra Mundial tem,
inclusive, uma moral. É certamente para facilitar as coisas para nossos
líderes leitores em tempo de coronavírus. “Na guerra: determinação; Na
derrota: desafio; Na vitória: magnanimidade; Na paz: boa vontade.” (Estadão).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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