quarta-feira, 29 de abril de 2020

Inquérito contra Moro foi um erro, porque Supremo vai investigar também Bolsonaro


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Carlos Newton
A demissão do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, foi o maior erro até agora cometido pelo presidente Jair Bolsonaro.  Na sexta-feira, ao assistir ao pronunciamento de Moro na televisão, o chefe do governo perdeu inteiramente a linha. Dominado pela ira, ligou para o procurador-geral da República, Augusto Aras, e mandou que abrisse processo contra o ex-ministro por falsas acusações contra o presidente da República.
UM ERRO GROTESCO – Bolsonaro exigiu pressa, queria tudo a tempo e a hora, não permitiu que o procurador-geral tentasse dissuadi-lo. Sem alternativa, Aras cumpriu a ordem presidencial. Na própria sexta-feira, algumas horas após o discurso se Moro, a petição chegou ao Supremo Tribunal Federal.
Um erro tão grotesco de Bolsonaro que pode até custar-lhe o mandato. O presidente não sabia que, ao pedir a abertura de inquérito criminal contra o ex-ministro, automaticamente estava permitindo que também fosse investigado, pois uma coisa não existe sem a outra. E foi exatamente o que o ministro Celso de Mello determinou, nesta segunda-feira. Mandou investigar Sérgio Moro e também Jair Bolsonaro.
FATO CONSUMADO – Agora, não é mais possível retroceder. Na sexta-feira, o procurador-geral ainda tentou argumentar, mas Bolsonaro estava irredutível (ou imbroxável) nessa expectativa de vingança.
Aras colocou em ação a equipe da PGR e em pouco tempo a petição estava concluída. Foi um trabalho de fácil execução. Partindo-se do princípio de que Moro mentira, o Código Penal abria um belo leque de crimes. Ao solicitar o inquérito para indiciar Moro, a equipe da Procuradoria conseguiu citar o possível cometimento de oito crimes. Mas foi um exagero para satisfazer Bolsonaro e quase o levou a um orgasmo judicial.
Na verdade, o ex-ministro da Justiça, se ficasse provado que mentiu (o que não acontecerá), só poderia ser enquadrado em dois crimes – denunciação caluniosa e crime contra a honra. O resto é folclore, como diria Sebastião Nery.
RÉU CONFESSO – Um dos maiores problemas do presidente é que ninguém consegue contê-lo. Assim, ao invés de se escudar atrás de fato de estar processando Moro e tocar a vida para a frente, Bolsonaro não conseguiu conter a ira e queria mais. Mandou convocar o Ministério e gravou o pronunciamento à nação na própria sexta-feira. Foi mais um gravíssimo erro.
Na certeza da impunidade, Bolsonaro esqueceu aquela prerrogativa constitucional que protege quem é preso ou julgado – “Você tem o direito de permanecer calado, tudo o que disser poderá ser usado contra você”.
E foi assim, diante do Ministério e da Nação, que o presidente da República desmentiu tudo o que o procurador-geral Augusto Aras argumentara na petição ao Supremo. Sem papas na língua, Bolsonaro confirmou, sim, que pretendia saber o que se passava nos inquéritos da Polícia Federal, porque trata-se de uma prerrogativa sua, no exercício da Presidência.
MAL ASSESSORADO – Mas como um chefe de Estado de uma país importante com o Brasil (quinto em território, sexto em população e com a nona economia do mundo) pode cometer erros tão grotescos. É simples. Não tem assessoria jurídica e pessoal. Transformou a Presidência numa ação entre filhos e amigos, colocou militares nos primeiros escalões e foi em frente, até ser atropelado por um caminhão chamado Sérgio Moro.
O consultor jurídico de Bolsonaro é o ministro Jorge Oliveira, aquele major da PM, amigo dos filhos do presidente e que se formou em Direito e diz ser “jurista”. Foi ele que informou a Bolsonaro o suposto direito de se imiscuir na Polícia Federal para acompanhar e evitar a incriminação dos filhos, levando o presidente a exigir acesso à direção-geral e às Superintendências da PF.
A LEI “NON ECZISTE” – Acontece que a legislação citada por Oliveira, a partir da Lei 9.883, determina que sejam encaminhados ao Gabinete de Segurança Institucional exclusivamente os relatórios de inteligência sobre assuntos de “interesse nacional”. Não há lei alguma que obrigue a Polícia Federal a informar ao presidente sobre inquéritos envolvendo outros assuntos, como crimes cometidos pelo próprio chefe da nação ou seus filhos.
Assim, ao admitir a tentativa de acesso à direção-geral da PF e às superintendências estaduais, o presidente tornou-se “réu confesso” de um inquérito que ele próprio mandou abrir, para arrebentar a imagem de um grande brasileiro chamado Sérgio Moro.

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