Os Estados ignoraram os avisos, não se prepararam e o pânico
instalou-se. A resolução da crise econômica não virá deles, mas das
pessoas que são os mercados que o socialismo despreza. André Abrantes
Amaral, via Observador:
Esta história começou em Novembro quando o Estado chinês não quis
saber da existência de um novo coronavírus. Alguns médicos alertaram as
autoridades e Pequim silenciou-os. Alguns morreram, outros
desapareceram. O governo chinês encarou-os como uma crítica à sua
autoridade porque num regime totalitário qualquer alerta é visto como
traição. O medo tem destas coisas e não afecta apenas líderes
partidários lusos. Até os mais poderosos se sentem frágeis perante um
aviso, por bem-intencionado que seja.
Apenas em Janeiro Pequim impôs a quarentena em Wuhan e noutras
cidades da província de Hubei. Fê-lo tarde e, como geralmente sucede
quando se age tardiamente, com mão pesada. Um padrão de comportamento
típico dos estados totalitários. Primeiro castiga-se quem avisa, depois
pune-se quem não se comporta de acordo com os conselhos dos que foram
castigados. Tirando os autocratas ninguém escapa. Mesmo assim há quem
considere que a actuação chinesa foi exemplar.
Isso sucede porque os estados ocidentais também falharam. Em Janeiro o
Ocidente convenceu-se que a China estava arrumada com o vírus e não se
preparou devidamente. Os estados ocidentais não compraram ventiladores,
nem material de protecção médica, nem medicamentos. Pior: não houve
coordenação entre eles. Pelo contrário assistiu-se a uma série de
acusações mútuas e guerras surdas próprias de quem não tem nervos de
aço, nem bom-senso ou sentido do dever. Quando o vírus chegou à Itália
foi a estupefacção geral porque o governo italiano não teve o
discernimento de fechar as ligações aéreas com a China. Enquanto isso,
ou antes disso, feiras internacionais eram canceladas.
Enquanto os estados levaram tempo a perceber o que se passava, os
mercados agiram prontamente. Tivessem os estados agido em conformidade e
o pânico que vamos sabendo ter sido exagerado não se teria instalado, a
economia não teria batido no fundo e muitos dos empregos perdidos ainda
poderiam existir.
Quando o governo português decidiu fechar as escolas, algumas já se
encontravam encerradas. Foram os pais das crianças que decidiram
levá-las para casa, antecipando uma decisão do governo. Foram as
próprias escolas que o decidiram arriscando a crítica da DGS, como
aconteceu em directo na televisão. A força da punição varia, mas o
esquema mental está lá. Várias empresas já tinham implementado o
teletrabalho, imposto medidas de saúde pública, nomeadamente ao fasear
as saídas para o almoço ou, naquelas com cantinas, estabelecendo regras
de distanciamento social e também na preparação das refeições como, por
exemplo, retirando destas as saladas. Os portugueses agiram na semana
entre 9 e 13 de Março porque viram o que se passou em Itália, tiveram
medo e forçaram o governo a decidir-se pelo Estado de Emergência que
entrou em vigor a 18 de Março.
António Costa deve, e muito, ao medo. E essa dívida de gratidão vai condicionar o seu mandato.
Regressados ao exterior deparamos com um voltar de costas entre os
EUA e a UE. Os governos dos dois lados do Atlântico proibiram a exportação de material médico necessário no combate à Covid-19.
Num mundo globalizado, os estados que se dizem abertos, fecharam-se em
concha e acreditaram que sozinhos resolviam melhor uma ameaça global. Os
próprios estados da União Europeia proibiram a exportação de bens
médicos essenciais mesmo dentro da UE, apesar desta ser um mercado
livre. Foi a Suécia que forçou a França
a levantar as suas restrições às exportações porque uma empresa sueca
queria transportar material médico para Itália e Espanha, a partir de
uma central de distribuição situada em França. Foi uma empresa privada
que, em nome de um negócio que gera dinheiro e paga salários, levou por
diante uma medida humanitária que salvou vidas. Os estados falharam até
na guerra que encetaram devido ao petróleo. Arábia Saudita, Rússia e os
EUA foram levianos na forma como viram nesta crise pandémica uma
oportunidade para ganharem valor estratégico. Perderam todos e perdemos
nós.
Apesar de tudo, a frase que mais ouço por estes dias é que precisamos
dos estados para pôr a economia a funcionar. Ouço ainda que precisamos
que os estados ponham dinheiro na economia. Estados que não têm dinheiro
(este é das pessoas) e estão endividados. Que não têm a margem que
tinham depois da Segunda Guerra Mundial. Neste momento forçar os estados
a mais endividamento é colocar em risco as prossecução das suas funções
essenciais que são a segurança, a ordem pública e também as políticas
de saúde. É também destruir a vida dos nossos filhos até ao fim das suas
vidas. Seria muito importante que pensássemos nisto antes que
embarcássemos em derivas ideológicas apenas porque não conseguimos, não
queremos, encarar os factos.
Outra das conclusões mais ouvidas e precipitadas das últimas semanas é
a de que estamos perante uma guerra e após uma guerra é normal que os
Estados sejam mais interventivos. Compreendo perfeitamente que muitos
saudosistas sonhem com um Estado todo poderoso que dite, não só a nossa
economia, mas também a completitude dos nossos dias. Sucede que não só
não estamos perante uma guerra como a conclusão subjacente é falsa. Nem
todas as guerras levaram ao aumento do poder interventivo dos estados.
As guerras napoleónicas, por exemplo, tiveram o efeito contrário. E se
após a II Guerra Mundial os estados aumentaram a sua intervenção na
economia foi, não devido à guerra, mas às ideias socialistas e
nacionalistas que se desenvolveram ao longo do século XIX. Foram as
ideias, não as guerras, que mudaram o modo como definimos as funções dos
estados.
Se as ideias são fundamentais, não devemos esquecer que esta pandemia
surgiu porque os estados falharam. Foram estes que acentuaram a crise e
não será deles que virá a retoma.
A recuperação económica não virá dos estados distribuírem dinheiro
que não têm mas do que prescindirem receber. Como? Baixando os impostos.
Reduzindo a carga fiscal e liberalizando a economia. Reduzir os
impostos, nomeadamente o IRC, para que se incentive a produção de forma a
que oferta se equipare à procura antes que esta caia de vez, destruída
por uma inflação galopante. Facilitando os negócios e a criação de
emprego através da desregulamentação da actividade económica. Aos
estados cabe ajudar a fazer o caminho que já está a ser percorrido pelos
cidadãos e pelas empresas, de que estes são donos ou para as quais
trabalham. Se os governos refrearem os seus ímpetos proteccionistas, os
mercados (as pessoas) farão pontes entre os países recuperando laços
antigos que foram danificados nas últimas semanas. Wishful thinking? É
tão válido quanto acreditar que os estados nos vão ajudar a sair da
crise.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário