Tentar, no verso de T. S. Eliot, significa simplesmente “viver”. Paulo Polzonoff Jr., em texto publicado pela Gazeta:
Como epígrafe nas minhas redes sociais e aqui neste espaço, uso um
versinho de T.S Eliot. E não. Não estou querendo bancar o
intelectualoide, embora saiba que sempre haverá aqueles que me olharão
assim de soslaio. Simplesmente conheci o verso num livro e ele fez todo o
sentido para o que eu sentia na época e, depois de um hiato, voltei a
sentir com a pandemia do coronavírus.
No original, o verso diz “for us there’s only the trying. The rest is
not our business”. É um verso simples e diz basicamente que a nós só
nos resta tentar. O sucesso ou fracasso de nossas tentativas não são da
nossa conta. No poema, T. S. Eliot não desenvolve esse “tentar”. E é aí
que está a força do verso. Tentar pode ser desde, sei lá, escrever um
texto como este, sem nenhuma garantia de que ele vá ser lido e
compreendido, até simplesmente acordar cedo e ir trabalhar na esperança
de encontrar a rotina nossa de cada dia.
E pode ser também tentar combater uma pandemia que descambou para uma
peste. Mas daí você, leitor esperto, provavelmente já percebeu que a
segunda parte do verso não se aplica. Porque, no nosso caso, as
consequências importam, sim. E, no momento em que escrevo este texto, as
consequências que estão sendo postas na mesa são bastante sombrias: a
morte de algumas dezenas ou até centenas de milhares ou a manutenção de
uma economia próspera, apesar da mortandade.
A questão aqui, veja bem, não é dar as costas para a consequências.
Eliot não está propondo que ajamos como animais que, no meio do caminho
entre um lugar e outro, para, faz suas necessidades e simplesmente segue
em frente, sem se importar com o que deixou para trás. De jeito nenhum!
O que Eliot está propondo é que façamos alguma coisa, qualquer coisa, e
lidemos com as consequências depois.
Porque para tudo há consequências. Tudo. A consequência do nascimento
é a vida. Da morte, o luto, as brigas por herança e até o corpo que
começa a se decompor. Um espirro hoje em dia pode ter como consequência
desastrosa um linchamento. E uma palavra mal colocada num texto pode ter
como consequência o amor passageiro ou o ódio eterno do leitor. E assim
por diante.
Mas atenção! A graça do verso de Eliot é o alerta de que não podemos
ceder à arrogância de nos acreditarmos capazes de prever todas as
consequências a fim de chegarmos à decisão mais racional possível.
Porque tentar é se jogar num abismo muito, muito escuro. Não temos todos
os elementos ou, como preferem os adoradores de modelos matemáticos,
dados. Não temos todas as variáveis. Ainda somos, apesar do cérebro
avantajado e de toda a tecnologia, divinamente impotentes diante do
acaso.
E somos ignorantes. Profundamente ignorantes. Ainda bem. Não temos
todas as respostas. Jamais teremos. Isso é algo de que nos esquecemos
nos últimos anos. O que é compreensível, dado o nível de conhecimento
que alcançamos. Caramba! Encontramos o Bóson de Higgs, que
desafiadoramente apelidamos de a Partícula de Deus, como se a ciência O
tivesse finalmente “desmascarado”. Por que não pensaríamos, então, que
somos capazes de conter os males de um vírus, de driblar a morte, não!, a
própria extinção da espécie?
Quando, no fundo, não sabemos absolutamente nada, embora tenhamos
teorias para praticamente tudo. Assim, a pandemia de coronavírus,
simbolicamente transformada em peste, vem resgatar a frase célebre de
Sócrates, aquela mesma que enfeitava as agendas das meninas da 8ª série e
hoje provavelmente é verbete de um dicionário de lugares-comuns: “Só
sei que nada sei”.
Não sei. Você não sabe. Não sabemos. Mas não podemos ficar
paralisados. Temos que tentar. E tentar. E tentar. Ainda que tenham nos
dito o contrário nos últimos cinquenta anos ou mais, a vida não é uma
ciência exata. E há mais entre o nascimento, infância, juventude, idade
adulta, velhice e morte do que crê nossa incrivelmente vã filosofia.
Ainda bem.
Tentar, no verso de T. S. Eliot, significa simplesmente “viver”. Hoje
escrever um texto. Amanhã desprezar o pânico. Trabalhar. Responder às
mensagens dos amigos. Sonhar. Se permitir um pouco de medo – mas só um
pouco. Lavar as mãos. Fazer o tal do isolamento social. Ou não fazer,
sei lá.
Enfim, ser livre para errar e acertar, tendo plena consciência de sua
pequenez e insignificância, sem esquecer de sua, minha, nossa abençoada
ignorância.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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