domingo, 2 de fevereiro de 2020

Algumas verdades sobre a economia de Trump, que não reduziu o déficit dos EUA


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Charge do Latuff (Opera Mundi)
Joseph E. Stiglitz
O Globo

No momento em que a elite empresarial do mundo seguiu para Davos para seu encontro anual, as pessoas deveriam estar se fazendo uma simples pergunta: ela superou a paixão pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump? Há dois anos, alguns raros líderes corporativos expressaram preocupação com a mudança climática, ou ficaram desconcertados com a misoginia e a intolerância de Trump.
A maior parte deles, no entanto, celebrou os cortes de impostos do presidente para bilionários e empresas e aguardavam seus esforços para desregulamentar a economia.
NO MAU CAMINHO – Isto permitiria que as empresas poluíssem mais o ar, deixassem mais americanos viciados em opioides, atraíssem mais crianças a comerem seus alimentos indutores de diabetes, e entrassem no tipo de travessura financeira que levou à crise de 2008.
Hoje, muitos chefes de empresas ainda estão falando sobre o contínuo crescimento do PIB e preços recordes de ações. Mas nem o PIB nem a DOW são boas medidas de performance econômica. Nenhum dos dois nos conta o que está acontecendo com os padrões de vida dos cidadãos comuns ou qualquer coisa sobre sustentabilidade. Na verdade, a performance econômica dos EUA ao longo dos últimos quatro anos é a prova A na acusação contra a dependência destes indicadores.
Para conseguir uma boa leitura sobre a saúde econômica de um país, comece a olhar a saúde de seus cidadãos. Se eles estiverem felizes e prósperos, eles serão saudáveis e viverão mais. Entre os países desenvolvidos, a América está no final da tabela nesse quesito.
SAÚDE EM BAIXA – A expectativa de vida nos EUA, já relativamente baixa, caiu em cada um dos dois primeiros anos da presidência de Trump e, em 2017, a mortalidade na meia-idade chegou a seu número mais alto desde a Segunda Guerra Mundial. Esta não é uma surpresa, porque nenhum presidente trabalhou com mais força para garantir que mais americanos não tenham seguro de saúde. Milhões perderam seus seguros, e o número de pessoas não seguradas aumentou, em dois anos, de 10,9% para 13,7%.
Uma razão para a queda na expectativa de vida na América é o que Anne Case e Angus Deaton, Nobel da Economia, chamam de “mortes de desespero”, causadas por álcool, overdoses de drogas e suicídio. Em 2017 (o ano mais recente com bons dados disponíveis), tais mortes foram quatro vezes maiores que em 1999.
EXEMPLO DA URSS – A única vez que vi algo como estas quedas na saúde — fora de cenários de guerra ou epidemias — foi quando fui economista-chefe do Banco Mundial e descobri que os dados de mortalidade e morbidade confirmavam o que nossos indicadores econômicos sugeriam sobre o estado sombrio da economia russa pós-União Soviética.
Trump pode ser um bom presidente para os 1% do topo — e especialmente para os 0,1% do topo —, mas ele não tem sido bom para todos os outros. Se totalmente implementado, o corte de impostos de 2017 irá resultar em aumentos de impostos para a maioria dos domicílios no segundo, terceiro e quarto quintos de renda.
Dados os cortes de impostos que beneficiam desproporcionalmente os ultra-ricos e as corporações, não deveria ser surpresa que não houve mudanças significativas na renda disponível nos domicílios médios dos EUA entre 2017 e 2018 (novamente, os anos mais recentes com bons dados).
FAVORECIMENTO – A maior parte do aumento no PIB está indo para aqueles que estão no topo. A renda semanal média real está apenas 2,6% acima de quando Trump assumiu. E estes aumentos não compensaram longos períodos de estagnação salarial.
Por exemplo, o salário médio de um trabalhador homem de tempo integral (e aqueles com trabalhos em tempo integral são os sortudos) ainda está mais de 3% abaixo do que era há 40 anos. Tampouco houve muito progresso para reduzir disparidades raciais: no terceiro trimestre de 2019, ganhos semanais médios para homens negros que trabalhavam em tempo integral eram menos de três quartos em relação aos homens brancos.
Piorando ainda mais a situação, o crescimento que aconteceu não é ambientalmente sustentável — e ainda menos graças aos cortes do governo Trump de regulamentações que passaram por rigorosas análises de custo-benefício.
MAIS POLUIÇÃO – O ar será menos respirável, a água menos potável, e o planeta mais sujeito à mudança climática. Na verdade, as perdas relacionadas à mudança climática já chegaram a novas altas nos Estados Unidos, que sofreram mais danos a propriedades do que qualquer outro país — chegando a cerca de 1,5% do PIB em 2017.
Os cortes fiscais deveriam abrir caminho para uma nova onda de investimentos. Ao invés disso, eles desencadearam um movimento recorde de recompra de ações — em torno de US$ 800 bilhões em 2018 — por parte de algumas das empresas mais lucrativas da América, e levaram a déficits recordes em tempos de paz (quase US$ 1 trilhão no ano fiscal de 2019) em um país supostamente próximo ao pleno emprego.
E mesmo com investimentos fracos, os EUA tiveram empréstimos maciços no exterior: os dados mais recentes mostram empréstimos estrangeiros de quase US$ 500 bilhões ao ano, com um aumento de mais de 10% na posição de endividamento líquido da América em apenas um ano.
DÉFICIT COMERCIAL – Da mesma forma, as guerras comerciais de Trump, apesar de seus barulhos e fúria, não reduziram o déficit comercial dos EUA, que foi um quarto mais alto em 2018 em relação a 2016. O déficit de bens em 2018 foi o mais alto já registrado. Mesmo o déficit comercial com a China cresceu quase um quarto desde 2016.
Os EUA conseguiram um novo acordo comercial da América do Norte, sem as provisões de acordos de investimentos que a mesa-redonda comercial desejava, sem as provisões que aumentavam preços de remédios, desejadas pela indústria farmacêutica, e com melhores provisões envolvendo trabalho e meio ambiente.
Trump, autoproclamado mestre das negociações, perdeu em quase todas as frentes de suas negociações com os democratas do Congresso, resultando em um acordo comercial levemente melhorado.
EMPREGO INDUSTRIAL – Apesar das promessas vangloriadas de Trump de levar empregos nas indústrias de volta para os EUA, o aumento de emprego no setor de manufatura ainda é menor do que sob seu antecessor, Barack Obama, assim que a recuperação pós-2008 começou, e ainda está acentuadamente abaixo do nível pré-crise.
Até mesmo a taxa de desemprego, mais baixa em 50 anos, disfarça fragilidades econômicas. A taxa de emprego para homens e mulheres em idade de trabalho, embora em elevação, cresceu menos do que durante a recuperação de Obama, e ainda é significativamente menor quando comparada com outros países desenvolvidos. O ritmo da criação de empregos também é notavelmente mais lento que sob Obama.
Novamente, a taxa baixa de empregos não é uma surpresa, até porque pessoas não saudáveis não podem trabalhar. Além disso, as que recebem benefícios por deficiências, ou estão na prisão — o sistema prisional dos EUA aumentou mais que seis vezes desde 1970, com cerca de dois milhões de pessoas atualmente atrás das grades —, ou que estão tão desencorajadas que não procuram empregos ativamente, não são contadas como “desempregadas”. Mas, claro, elas não estão empregadas.
MULHERES DESEMPREGADAS – Tampouco é uma surpresa que um país que não fornece cuidados infantis acessíveis, ou garantias de licença familiar, tenha taxas menores de mulheres empregadas — ajustadas por população, mais de dez pontos percentuais menores — do que outros países desenvolvidos.
Até mesmo julgando pelo PIB, a economia de Trump não chega lá. O crescimento do último trimestre foi de apenas 2,1%, bem menos que os 4%, 5% ou até mesmo 6% que Trump prometeu entregar, e até menos que a média de 2,4% do segundo mandato de Obama. Esta é uma performance memoravelmente ruim, considerando os estímulos fornecidos pelo déficit de US$ 1 trilhão e pelas taxas de juros ultra-baixas.
Isto não é um acidente, ou apenas uma questão de má sorte: a marca de Trump é a incerteza, a volatilidade, e a prevaricação, enquanto confiança, estabilidade e segurança são essenciais para crescimento. Assim como a igualdade, de acordo com o Fundo Monetário Internacional. Então, Trump merece notas baixas não só em tarefas essenciais, como manutenção da democracia ou preservação do nosso planeta. Ele também não deveria ser aprovado em economia.
(Joseph E. Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, é professor da Universidade de Columbia e economista-chefe do Instituto Roosevelt)

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