Até 2050, a população com mais de 60 anos quase dobrará em relação a 2015. Entrevista de Jorge Félix - autor de Economia da Longevidade - à Gazeta do Povo:
Já não somos mais tão jovens. Não se trata de figura de linguagem, é
um fato comprovado estatisticamente. Segundo a Organização Mundial de
Saúde (OMS), entre 2015 e 2050 a população com mais de 60 anos em todo o
mundo quase dobrará, passando de 12% para 22%. Mais do que isso: o
ritmo de envelhecimento está aumentando drasticamente. A OMS considera
um país envelhecido quando 14% de sua população tem mais de 65 anos. Na
França, por exemplo, esse processo levou 115 anos. No Brasil, a previsão
é de que isso aconteça em duas décadas. Devemos ser considerados um
país velho em 2032, quando 32,5 milhões dos mais de 226 milhões de
brasileiros terão 65 anos ou mais.
O envelhecimento populacional traz consigo uma conclusão positiva:
estamos vivendo mais. A OMS calcula que em 2050 haverá 434 milhões de
pessoas com 80 anos ou mais, contra 125 milhões atuais. Se para as
pessoas o fato de viver mais indica uma melhoria na qualidade de vida,
para os governos isso está se tornando um grande problema. É o que
alerta o jornalista e professor Jorge Félix, um dos principais
especialistas do país em envelhecimento e longevidade. Em seu livro mais
recente, Economia da Longevidade – o envelhecimento populacional muito
além da previdência, ele sustenta que o envelhecimento está redefinindo a
geopolítica mundial.
“A economia capitalista demorou muito para aceitar a infância e,
agora, se vê diante da velhice, que ela também nunca aceitou. A
longevidade, portanto, é uma grande vitória da Modernidade, mas se
tornou um fator perturbador do capitalismo”, afirma Jorge Félix. Para o
pesquisador, os países têm atualmente o desafio de lidar com a economia
da longevidade, ou seja, buscar soluções para conseguir sustentar uma
população mais velha. É o que ele classifica como “corrida
populacional”. “Em resumo, está em jogo quem vai pagar pelo
envelhecimento de quem?”, explica em entrevista à Gazeta do Povo.
Spoiler: a situação do Brasil nesse cenário não é nada confortável.
O sr. afirma que o envelhecimento populacional está construindo uma nova geopolítica. De que maneira isso acontece?
O envelhecimento populacional é um fenômeno que demanda mais da
economia das sociedades. O mundo inteiro está envelhecendo a ritmos
diferentes. No entanto, o que tento demonstrar no livro é que o ponto
fundamental é o modelo econômico do século XXI, onde a dinâmica
demográfica aparece como um fator inédito. Que modelo é esse? O modelo
que eu denomino "capitalismo de desconstrução", uma vez que a política
neoliberal adotada a partir dos anos 1970 em quase todo o planeta impõe
uma austeridade fiscal fazendo reduzir o papel do Estado, reduzindo o
patrimônio social dos trabalhadores, mercantilizando a saúde, a educação
e desconstruindo, portanto, o Estado do Bem-Estar Social do pós-guerra.
Porém, nos países onde o Estado do Bem-Estar Social prevaleceu, a
população não aceita – como estamos vendo nas ruas da França, da
Itália... – essa desconstrução pacificamente. O eleitor passa a exigir a
continuação de um mínimo que seja dessa rede de proteção. Como ela foi
muito ampla, como apresento no livro, os países ricos precisam ir em
busca de novas fontes de seu financiamento e isso se dá impondo a suas
ex-colônias – que no passado pagaram pela construção dessa rede de
proteção – novas formas de exploração. Além dos recursos naturais, do
petróleo, principalmente, entra em cena a fonte financeira, que se dá
por meio de privatização de sistemas de previdência, por exemplo. Mas
também vemos a repercussão da demografia na imigração, no comércio
mundial e no meio ambiente. Em resumo, está em jogo quem vai pagar pelo
envelhecimento de quem? É por isso que o envelhecimento populacional,
como um fenômeno inédito na história, forja uma nova geopolítica.
O sr. fala também em uma “corrida populacional”, uma disputa sobre
quem vai pagar pelo envelhecimento de quem. Quais países estão na
frente nessa corrida?
Os países de sempre, os países ricos. Eles também estão pressionados,
como disse anteriormente, mas têm mais condições de explorar outras
partes do planeta. Seja pelos recursos naturais, seja na esfera
financeira, por meio de mercado de títulos das dívidas, seja mesmo pelos
produtos e serviços que serão demandados por uma sociedade envelhecida.
Nela, as famílias têm menos filhos e mais idosos, portanto, mudam sua
cesta de consumo. Como esses países ricos garantiram, por meio da
construção de campeões nacionais, uma sofisticação produtiva, ou seja,
produtos tecnológicos, eles venderão mais. Isso porque as famílias
demandarão mais produtos tecnológicos para cuidar de seus velhos. A
teleassistência, a robótica, a tecnologia aplicada a diversos setores
são a base da nova política industrial suscitada pelo envelhecimento
populacional. É a economia da longevidade.
Qual a situação do Brasil nesse cenário?
A situação do Brasil nesse cenário é terrível. Não tivemos
propriamente um Estado do Bem-Estar Social, não temos um avanço
tecnológico no estado da arte do mundo, não temos investimento em
pesquisa e desenvolvimento e, agora, política industrial virou palavrão.
Jogamos fora o bebê junto com a água suja. Mas os outros países não
estão fazendo isso. Estão sendo pressionados, muito pressionados, mas
paralelamente conseguem manter suas estratégias industriais e sua
sofisticação produtiva. Portanto, se hoje a nossa balança comercial da
saúde já é negativa, a nossa balança comercial de produtos relacionados
aos cuidados será ainda mais negativa no futuro próximo. Nós iremos,
mais uma vez, consumir produtos importados e assistir ao famoso
vazamento do PIB.
O que poder público e iniciativa privada precisam fazer para enfrentar as consequências dessa corrida?
Precisa emular o que os países ricos estão fazendo com as adaptações
de praxe para a nossa realidade. Os países que hoje estão mais à frente
na economia da longevidade, como os escandinavos, o Japão, parte da
Europa, Canadá e mesmo os Estados Unidos, investem em pesquisa e
desenvolvimento na área da longevidade e estão já exportando esses bens,
serviços e expertise para o mundo. Ou seja, estão vendo o
envelhecimento também como uma fonte de geração de riqueza e não apenas
como custo. Essa mudança de percepção é o ponto que eu procuro destacar
no livro.
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Economia da Longevidade – o envelhecimento populacional muito além da previdência, Jorge Félix, Editora 106, 190 páginas.
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