Fábio de Biazzi faz uma breve resenha, para o Estadão, do livro Como Ser um Conservador, do filósofo britânico Roger Scruton:
"As coisas estão na sela e cavalgam a humanidade", dizia Emerson há
longínquos 172 anos. Se voltasse à vida hoje e deparasse com o que
parece acontecer no Brasil e mundo afora, sua conclusão provavelmente
não seria muito diferente. Em meio à crescente dificuldade de
enxergarmos aonde vamos parar e quais são as forças que nos conduzem,
como saber se estamos caminhando para a frente ou para trás? O futuro
será mais civilizado ou menos?
Para uma difícil e complexa reflexão como essa, talvez um passo
modesto, mas útil, seja tentarmos revisitar aquilo em que acreditamos e,
por consequência, melhor compreender a quem ou a que acabamos por dar
suporte e quem ou o que colocamos na sela. Convidaria, então, ao
seguinte desafio: é possível destacar dentre as dez sínteses abaixo uma
ou duas com as quais você não se identifica ou não concorda?
1) Democracia - Numa democracia os indivíduos se associam livremente,
formam comunidades de interesse e respeitam os direitos de quem não
conhecem. Um governo legítimo surge de eleições, mas também do respeito
às leis e do "espírito público que responsabiliza os políticos eleitos".
2) Liberdade de expressão - "A liberdade de considerar e de expressar
opiniões, por mais que sejam ofensivas para alguns, é condição sine qua
non de uma sociedade livre." A tolerância implica "aceitar o direito
dos outros de pensar e agir de um modo que desaprovamos", o que também
significa que não devemos "renunciar a todas as opiniões que outros
podem achar ofensivas".
3) Papel do Estado - "O Estado só pode redistribuir riqueza se ela
for criada, e a riqueza é criada por aqueles que esperam deter uma
parcela." A precificação e alocação racional de recursos, bens e
serviços só ocorre "onde há confiança entre os integrantes, e a
confiança só existe onde as pessoas assumem responsabilidade por seus
atos e se tornam responsáveis por aqueles com quem negociam". O Estado
deveria apoiar os que não conseguiram condições dignas por conta
própria, mas não pode ser o "provedor e regulador universal".
4) Soberania - As nações crescem "por hábitos desenvolvidos a partir
da livre associação entre vizinhos e que resultam em lealdades que são
anexadas ao lugar e à sua história". A soberania nacional "inclui o
direito de determinar quem reside dentro das fronteiras, quem controla
os ativos da nação e quem tem direito aos benefícios da cidadania".
5) Cultura - "A cultura de uma sociedade ou de um país deve permitir
às pessoas de origens e formações diversas viverem juntas com base em
costumes, tradições e no comportamento perante seus vizinhos." A cultura
deve permitir "uma grande variedade de modos de vida" e que "as pessoas
tornem privados a religião e os costumes familiares, embora continuem a
pertencer à esfera das relações públicas e se sujeitem às mesmas leis".
6) Relações pessoais - A sociedade "depende de relações de afeto e
lealdade que só podem ser construídas de baixo para cima, por uma
interação face a face. É assim - na família, nos clubes e nas
associações, na escola e nos locais de trabalho - que as pessoas
aprendem a interagir como seres livres, assumindo responsabilidade por
seus atos e levando em consideração o próximo". As relações são
voluntárias e consensuais e nós somos responsáveis pelos "passos que
damos para adequá-las, acomodá-las e corrigi-las".
7) Educação e família - A família "é a base e a fonte dos vínculos
afetivos fundamentais" e essencial para a transmissão de valores e da
noção de certo e errado às crianças, ou seja, de uma educação moral. "As
obrigações assumidas pelos parceiros vão muito além de qualquer
contrato", pois englobam os muitos deveres para com os filhos, que
dependem do cuidado e atenção dos pais.
8) Religião - "Uma religião instituída, tolerante quanto à
divergência pacífica, é parte da sociedade civil, vincula as pessoas aos
lares e aos semelhantes, e dota os sentimentos de certezas morais que
as pessoas não conseguiriam adquirir facilmente de outro modo." No
entanto, a obediência religiosa "não é um elemento necessário da
cidadania". Os valores cristãos de nossa sociedade fundamentam e
influenciam atitudes e costumes, mas não se exige a adoção forçada da
religião e se "reconhece a prioridade da lei secular".
9) Meio ambiente - A maioria dos problemas ambientais "surgiu do
nosso hábito, bastante razoável, de desfrutar os benefícios das
atividades e transferir os custos. A solução é descobrir as motivações
que farão regressar os custos para quem os criou". Precisamos adequar
nosso consumo, assumir custos e "pressionar as empresas a fazerem o
mesmo". Soluções locais, adotadas no país e "moldadas por causas de
pessoas reais" são cruciais se quisermos "combater os efeitos negativos
da economia global".
10) Civilização - "As coisas admiráveis são facilmente destruídas,
mas não são facilmente criadas. Isso é verdade, sobretudo, em relação às
boas coisas que nos chegam como bens coletivos: paz, liberdade, lei,
civilidade, espírito público, segurança da propriedade e da vida
familiar, tudo o que depende da cooperação com os demais, visto que não
temos os meios de obtê-las isoladamente. Em relação a tais coisas, o
trabalho de destruição é rápido, fácil e recreativo; o labor da criação é
lento, árduo e maçante."
Se você leu esses dez pontos e concordou com todos ou quase todos,
muito cuidado! Eles foram sintetizados de uma obra do filósofo inglês
Roger Scruton - com ótima tradução de Bruno Garschagen. Seu título é
Como Ser um Conservador. Por isso, melhor ler o livro inteiro para se
certificar, pois há um enorme risco de você ser - que horror - um
conservador.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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