Gente encarada como herói, mas que não passa de vilão. Artigo de Paulo Polzonoff Jr., via Gazeta do Povo:
Desde 1986, o Brasil tem um Panteão da Pátria e da Liberdade.
Projetado por Oscar Niemeyer, o prédio é um monstrengo ou uma escultura,
dependendo de quem vê, de mais de 2.000m2, localizado em plena Praça
dos Três Poderes. A ideia do nosso panteão não é diferente da de outros
monumentos dos tipos: celebrar as pessoas que trabalharam para o
engrandecimento do país.
Lá dentro, no terceiro andar, fica uma obra cobiçada pelos políticos
que compõem a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados: o “Livro de
Aço”, também chamado de “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”. O
objetivo do livro (e é mesmo um livro de metal) é registrar uma breve
biografia dos nossos vultos pátrios. Para tanto, o nome do homenageado
precisa ser aprovado pela Câmara e pelo Senado. Ele também tem que estar
morto há pelo menos dez anos.
O primeiro nome a figurar no Livro foi o do Alferes Joaquim José da
Silva Xavier, o Tiradentes. O mais recente foi Antônio Vicente Mendes
Maciel, também conhecido como Antônio Conselheiro, aquele da Guerra de
Canudos. A lei que inclui o líder messiânico entre os heróis oficiais do
Brasil foi assinada pelo presidente Jair Bolsonaro em maio deste ano.
Carlos Marighella e a guerra cultural na burocracia
Incluir nomes no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria é prerrogativa
da Comissão de Cultura da Câmara, um grupo bastante ativo na guerra
cultural, presidido pelas deputadas Benedita da Silva (PT/RJ), Maria do
Rosário (PR/RS) e Áurea Carolina (PSOL/MG). Recentemente, e por
iniciativa da então relatora deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ), a
Comissão de Cultura tentou incluir ninguém menos do que o revolucionário
e terrorista esquerdista Carlos Marighella no Livro de Aço.
“Consideramos a homenagem mais do que justa, uma vez que são
inquestionáveis a dedicação e o heroísmo com que Mariguella travou a
luta pela liberdade”, escreveu Feghali em seu relatório pela inclusão do
autor do Minimanual do Guerrilheiro Urbano.
A ideia ainda não foi arquivada. Nesta batalha travada desde 2016
pela inclusão ou não de Carlos Marighella no panteão tupiniquim, a
última palavra, até agora, é do deputado Luiz Lima (PSL/RJ), que, ao
lado de Tiririca (PL/SP) e outros 15 deputados, faz parte da comissão.
Ao concluir o voto obviamente contrário à inclusão de Marighella, ele
justifica que “não faria sentido reconhecer como herói da pátria um
cidadão brasileiro que se dedicou, sistematicamente e com todas as suas
forças, a tentar destruir a nação brasileira, as liberdades de nosso
povo e as instituições de nossa pátria, além de ter sido, por décadas,
um perigoso criminoso e envolvido em reiteradas atividades terroristas
ao longo de sua biografia”.
Entre os nomes que futuramente poderão constar no Livro estão os do
sociólogo Darcy Ribeiro, do compositor João Gilberto, da “estrela civil
da ditadura”, o advogado Petrônio Portella Nunes, Luiz Gonzaga, o “rei
do baião”, a pediatra Zilda Arns, o médico e político Enéas Carneiro e o
piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna. Curiosamente, um dos deputados mais
preocupados com o reconhecimento dos heróis nacionais é Alessandro Molon
(PSOL/RJ). São dele vários projetos de lei, a maioria ainda em
tramitação, para imortalizar nomes como João Clapp, Antonio Bento e
Joaquim Serra – todos ligados à luta abolicionista no século XIX.
Heróis ou vilões?
Figuram hoje no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria 40 nomes.
Muitos deles, como Tiradentes, Zumbi (ainda que existam dúvidas quanto à
sua existência), Dom Pedro I, José Bonifácio, Santos Dumont, Duque de
Caxias e Machado de Assis, a gente reconhece facilmente dos livros de
história. São pessoas cuja biografia e legado para o “engrandecimento da
nação” geram pouca controvérsia ou debate.
Outros, contudo, podem até ser heróis por força de lei, com aprovação
na Câmara e no Senado, firma reconhecida em cartório e inscrição eterna
numa folha de metal. Mas a biografia e o legado para sempre os
condenarão à discussão sobre seu real papel na história do Brasil. Em
outras palavras, são vilões que alguns enxergam como heróis mais pelas
circunstâncias de quem detém o poder.
O ditador Getúlio Vargas, por exemplo, foi alçado à condição de
herói, com direito a figurar no panteão construído por Niemeyer, em 15
de setembro de 2010, em lei sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. O relator do projeto foi o ex-senador Pedro Simon.
Já o líder trabalhista Leonel Brizola figura no Livro de Aço graças
ao projeto de lei do ex-deputado gaúcho Vieira da Cunha. O interessante é
que a lei que determina a inclusão do caudilho, sancionada pela
ex-presidente Dilma Rousseff em 28 de dezembro de 2015, também abriu
caminho para o uso político e populista do panteão ao reduzir de 50 para
10 anos depois da morte o prazo para a inclusão dos homenageados.
Foi essa mudança o que permitiu a controversa inclusão do também
político e líder esquerdista Miguel Arraes em 25 de setembro de 2018,
apenas três anos depois de sua morte, por ser um “defensor intransigente
dos pobres”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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