Foi isso o que foi oferecido à ex-deputada Manuela d’Ávila, conforme
conversas anexadas ao inquérito que apura o caso, às quais VEJA teve
acesso:
Há cinco meses, a Polícia Federal tenta descobrir a motivação dos
hackers que invadiram os celulares dos procuradores que atuavam na Lava-Jato,
copiaram mensagens privadas e as entregaram ao site The Intercept
Brasil, que divulgou o material em parceria com outros veículos de
imprensa, incluindo VEJA. Segundo os criminosos, que já foram condenados
no passado por estelionato e receptação, a incursão foi pautada
exclusivamente pelo senso de justiça para atingir dois objetivos bem
definidos: libertar o ex-presidente Lula
da prisão e anular os processos da maior operação de combate à
corrupção de todos os tempos. Pelo menos foi isso o que eles ofereceram
formalmente à ex-deputada Manuela d’Ávila,
conforme diálogos anexados ao inquérito que apura o caso, aos quais
VEJA teve acesso. Parte da matéria-prima que seria utilizada para
fulminar a Lava-Jato viria de conversas entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) interceptadas ilegalmente.
Candidata à Vice-Presidência da República na chapa do PT que foi
derrotada em 2018, Manuela serviu como intermediária entre os hackers e o
jornalista Glenn Greenwald, diretor do Intercept Brasil. Em 12 de maio
passado, às 12h14, de acordo com o que foi apurado até agora, ela
recebeu uma mensagem de texto em seu Telegram: “Consegue confiar em
mim?”. Após ver a foto e o número do celular do remetente, o senador Cid
Gomes, Manuela não titubeou ao responder no mesmo instante: “Sim.
100%”. Cid Gomes é irmão de Ciro Gomes, ex-ministro do governo Lula e
antigo aliado do presidente. O interlocutor continuou: “Olha, eu não sou
o Cid. Eu entrei no telegram dele e no seu. Mas eu tenho uma coisa que
muda o Brasil hoje. E preciso contar com você”. Naquele momento, segundo
disse à polícia, Manuela estava num almoço de família, comemorando o
Dia das Mães, e estranhou a abordagem. Suspeitou que poderia ser uma
brincadeira ou um trote e permaneceu em silêncio, desconfiada, até que
recebeu uma imagem de uma de suas conversas privadas com o ex-deputado
Jean Wyllys. Isso provava que não era um blefe. “Cid”, então, explicou
do que se tratava: “Eu entrei no telegram de todos membros da força
tarefa da lava jato. Peguei todos os arquivos. Dá para soltar Lula hoje.
Derrubar o MPF”, prometeu o hacker.
No dia seguinte, 13 de maio, Manuela recebeu uma segunda mensagem do
hacker. Dessa vez, ele se identificava como “Brazil Baronil” e garantia
que também tinha conversas que mostrariam a parcialidade de ministros do
STF, diálogos que teriam potencial para invalidar todos os processos da
Operação Lava-Jato. Citou três magistrados que teriam sido alvo da
interceptação: os ministros Cármen Lúcia, Rosa Weber e Luís Roberto
Barroso, que fariam parte de um grupo no Telegram. “Eu tenho uma
conversa da carmem (que era para ser imparcial, segundo o princípio do
juiz natural) dizendo sobre a norte (morte) do sobrinho do Lula. Fazendo
até piada”, escreveu o hacker. “E ainda ela disse exatamente assim:
quem faz mal para outrem, um dia o mal retorna, e pode ser até no
sobrinho.” “A Rosa Weber saiu do grupo na hora!” Para o hacker, isso
mostraria a falta de imparcialidade dos ministros, o que, segundo ele,
poderia “invalidar todos atos da operação lava-jato”.
Convencida dos bons propósitos do hacker, Manuela d’Ávila recomendou a
ele que entrasse em contato com o jornalista Glenn Greenwald. Em 9 de
junho, veio à tona a primeira leva de mensagens trocadas entre
procuradores da Lava-Jato e o ex-juiz Sergio Moro, o atual ministro da
Justiça. O material mostrou que os membros da força-tarefa discutiam
entre si depoimentos e combinavam diligências — comportamento
considerado, no mínimo, impróprio. Apoiada nas mensagens obtidas de
maneira ilegal, a defesa de Lula pediu ao STF a suspeição de Moro. Se o
pedido for atendido, o ex-presidente será libertado e os processos da
Lava-Jato poderão acabar anulados — exatamente o que o hacker queria.
Walter Delgatti Neto, o hacker que entrou em contato com a
ex-deputada, está preso na penitenciária da Papuda, em Brasília. É comum
jactar-se com colegas da quantidade e da qualidade de informações que
obteve sobre autoridades e celebridades depois da invasão de seus
celulares. Disse, por exemplo, que soube antes de todo mundo que o
jogador Neymar era inocente das acusações de estupro e agressão.
Estudante de direito, já se gabou de ter ferido de morte o ministro
Sergio Moro — ressalvando, no melhor estilo falastrão, que tudo o que
foi divulgado até agora sobre o ex-juiz ainda é apenas uma “amostra
grátis” do grande acervo de que dispõe. E também foi em uma dessas
conversas que Delgatti reafirmou que teve acesso a diálogos reservados
de ministros do STF, que incluiriam até conversas comprometedoras com
procuradores da República.
As investigações da Polícia Federal ainda não concluíram se a invasão
dos celulares dos ministros do STF aconteceu de fato ou se foi uma
bravata dos criminosos. Delgatti está detido juntamente com outros três
comparsas. Suspeita-se que o grupo tenha acessado os aplicativos de mais
de uma centena de pessoas e que tenha tentado vender parte das
informações colhidas. Ao vasculharem o computador e os celulares dos
criminosos, os investigadores não encontraram nada que comprovasse que
os aparelhos dos ministros haviam sido hackeados. Procurados, Luís
Roberto Barroso e Rosa Weber negam que tenham formado qualquer grupo de
aplicativo entre eles. Cármen Lúcia não respondeu.
Publicado em VEJA de 6 de novembro de 2019, edição nº 2659
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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