
Charge do Sponhoz
Qualquer sistema simbólico, por ser uma virtualidade, necessita de suportes concretos e ocasiões concretas para existir. A cada vez que um juiz julga de acordo com os códigos da Justiça (mesmo que sua sentença seja injusta), e que sua sentença é acatada e cumprida, a ideia de Justiça tem continuidade. Em outras palavras, quanto mais as práticas cotidianas confirmam os códigos, mais o conceito de justiça se fortalece e se reproduz, consolidando o lastro necessário para continuar constituindo aspectos essenciais de nossa subjetividade.
Continuamos acreditando na Justiça e nos comportando de acordo com essa crença. A instituição continua viva. Mas este não é o caso no Brasil.
ATO DE CORRUPÇÃO – Ao contrário, quando o representante emblemático de uma instituição (juiz, presidente da República, parlamentares, governadores de Estado, pais, educadores, médicos, advogados, funcionários públicos) sustenta, simultaneamente, uma lógica pública e outra ligada a interesses pessoais, as duas se corrompem.
Como consequência, o vínculo até então naturalizado entre o significante “juiz” e o significado “justiça” vai se enfraquecendo, até que, no limite, se dissolve e se desnaturaliza. Há uma fratura do símbolo.
O juiz deixa de simbolizar Justiça. A instituição se enfraquece ou morre. Assim também ocorre também com os políticos, normalmente corrompidos por empresários corruptos para que ambos levem vantagem roubando dinheiro público.
UMA EPIDEMIA – Estabelece-se uma epidemia de corrupção que, infecciosa, contamina pais, educadores, médicos, e os demais já citados e mesmo parte da população que passa a praticar diferentes delitos, como sonegação de impostos, propinas a policiais para se livrar de multas de trânsito, só para dar poucos exemplos, o que contamina o caráter e o danifica, e o cidadão comum, inclusive o de baixa renda, também se corrompe, porque assimila em sua vida a prática de certos delitos, e na hora de votar, vota em políticos que fazem como ele: políticos corruptos.
Neles confiam quando fazem promessas messiânicas de que irão combater a corrupção, com discursos messiânicos, porque, apesar de tudo, o superego dos eleitores que praticam delitos (que também é corrupção) clama, do fundo do inconsciente do eleitor para corrigir sua vida delitiva.
SEMPRE MENTINDO – Vota nos mentirosos messiânicos, embora sabendo que são mentirosos, para mentir para o próprio superego, como fazem os católicos ao pedir perdão de seus pecados no confessionário, embora saibam que após o perdão dos pecados dado pelo confessor, irão comungar, mas logo à frente continuarão praticando os mesmos pecados que diziam ao padre no confessionário de que estavam arrependidos de tê-los feito. A corrupção é, pois, um mal-estar na Cultura.
Segue-se um efeito em dominó, em que todas as palavras perdem o lastro que a instituição viva e o símbolo forte garantiam. Há um esvaziamento semântico. As palavras que eram determinadas por aquele sistema se esvaziam de significação. A toga e a beca, por exemplo, tornam-se engraçadas, fantasia de carnaval, em lugar de inspirar um temor respeitoso.
SEM SIGNIFICADO – As palavras: “réu”, “culpa”, “transgressão”, “punição”, “lei”, “justiça”, ainda existem, mas já não significam. Não são mais significações operantes — uma significação é operante quando tem o poder de produzir subjetividade. As subjetividades aí constituídas — o modo de ser, pensar, agir e sentir das pessoas — já não serão determinadas pelas significações ligadas a esse sistema simbólico.
Quando um juiz aceita suborno, coloca em andamento um processo que culmina na corrupção do sistema que ele representava.
O mais grave, porém, ainda está por vir. O laço simbólico fraturado tende a se refazer, ligando o mesmo significante a um novo significado. Por exemplo, o significante “Justiça” pode agora ligar-se ao significado “terminar em pizza”. A consequência desse novo laço é que a sensibilidade das pessoas com relação ao tema se altera. Em outras palavras, a subjetividade constituída por esse e nesse novo laço passa a achar normal a impunidade. Institui-se outra moralidade, isto é, uma nova sensibilidade diante dos mesmos fatos.
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