Boris Johnson apresentou uma ideia para o seu país. Um projeto, uma
visão. E a democracia é isso: a apresentação, discussão e escolha de
diferentes opções. Não é escondendo o jogo que os políticos a enaltecem,
mas quando dizem antecipadamente ao que vão. Artigo de André Abrantes
Amaral para o Observador:
Antes de mais nada, e da precipitação acalorada de um leitor que não
queira ler esta crónica até ao fim, que fique claro que a defesa de
Boris Johnson não significa uma adesão sem limites e condições à
estratégia que o novo primeiro-ministro do Reino Unido apresentou no seu
primeiro discurso no Parlamento britânico. Primeiro, não sou cidadão
daquele país e, dessa forma, não me encontro naquele barco. Segundo, a
visão que Boris Johnson tem para o Reino Unido, além de brilhante e
aliciante pode também ser apenas romântica. Por fim, e mais importante
que tudo o resto, Boris Johnson não precisa de minha defesa para nada.
Se há qualidade que o caracteriza é o não se ir abaixo com o mal que
dizem dele. Para a política (como, aliás, para tudo na vida) é preciso
ter estofo. E isso o PM britânico tem para dar e vender.
Mas Boris Johnson tem outras qualidades. Uma, a sua excelente forma
de comunicar. O que não é despiciendo, nunca foi desde os tempos
imemoriais do início da demoracia. Os discursos estão bem escritos e ele
discursa ainda melhor. Um misto de oratória com displicência de quem
despacha aquilo porque assim tem de ser, como se só não é melhor porque
não está para isso. Saber comunicar é muito importante e Boris vai
utilizar esta sua mais-valia para empolgar o eleitorado do Partido
Conservador para vencer as eleições caso estas se venham a proporcionar.
Ou, pelo menos, para intimidar qualquer adversário político que prefira
não arriscar um jogo no qual pode perder o pouco que tem.
Outra qualidade de Boris Johnson é o pragmatismo de quem leu a
situação política no Reino Unido. Em 2016, a maioria do povo Britânico
votou pela saída da União Europeia. Não está agora em causa se aquele
tipo de referendos se devem ou não fazer (pessoalmente, considero que não),
mas que o que está feito, feito está. E se três anos após o referendo o
Reino Unido não sair da UE tal significa que a democracia perdeu a
capacidade de concretizar o que o povo, na sua maioria, escolheu. Sair
da UE torna-se, pois, crucial. Indispensável, não só porque Boris
Johnson considere melhor para o RU no seu todo, mas porque o prestígio, a
confiança da democracia depende disso mesmo.
A terceira qualidade de Boris Johnson (que aqui é mesmo uma lufada de
ar fresco, concorde-se ou não com ela) é a visão que o
primeiro-ministro tem para o seu país. Não é só o querer torná-lo no
melhor lugar na Terra. Tal é apenas a consequência daquilo em que o
Reino Unido se pode transformar caso saia da UE, celebre acordos
comerciais com o mundo inteiro e, à semelhança do Japão, se torne numa
economia vibrante e competitiva. Dir-me-ão que o Japão tem uma população
de mais de 126 milhões de habitantes e que o Reino Unido, de apenas 67
milhões. Mas, ao contrário do Japão, o Reino Unido tem a Commonwealth,
uma língua falada no mundo inteiro, a que se soma uma política de
imigração diferente da japonesa. Por alguma razão e por muito que Tóquio
seja a maior metrópole do mundo esta não tem o cosmopolitismo de
Londres.
Há muitas nuvens no horizonte. Mas como referi no início deste artigo
não é uma defesa acalorada de Boris Johnson, apenas uma oportunidade
para que se analisem os prós e os contras, se pense um pouco antes de
julgarmos sem mais nada e qualquer consideração a política de um homem
como Boris Johnson. A humildade também passa por isto: por pensarmos
antes de julgarmos. Abrir os horizontes e não dispararmos o que outros
dizem aos gritos apenas porque o dizem aos gritos. Num tempo de escolhas
como o que vivemos não nos podemos deixar intimidar e para decidirmos
em consciência é necessário que se ponderarem todos os cenários.
Há muitas nuvens no horizonte. E a maior não é o Brexit. Não é o
acordo ou não acordo para o Brexit pois, o RU sai da UE se e quando o
desejar. Além do mais, o não acordo dificilmente será definitivo. O
maior desafio que o governo britânico tem pela frente é a Escócia. Sem a
Escócia não haverá Irlanda do Norte. Sem a Escócia não há Reino Unido.
Não esqueçamos que o Reino Unido se formou em 1707 porque, entre outras
razões, a Escócia queria ter acesso às colónias que não conseguiu
adquirir sozinha. Se foi para ter acesso aos mercados internacionais que
a Escócia se juntou à Inglaterra, a saída da UE terá como consequência
que os Escoseses equacionem a sua permanência no RU. Mas isto são outros
quinhentos. Conseguirá Boris Johnson convencer a Escócia a ficar com os
acordos comerciais que vai negociar? Não sabemos. Ninguém sabe, nem o
próprio primeiro-ministro britânico. Nem os próprios escoceses.
Uma coisa é certa: perante o marasmo da classe política britânica e
europeia (portuguesa, incluída), do navegar à vista e sem rumo
assistimos todos os dias, Boris Johnson apresentou uma ideia para o seu
país. Um projecto, uma visão. E a democracia é isso: a apresentação,
discussão e escolha de diferentes opções. Não é escondendo o jogo que os
políticos a enaltecem, mas quando dizem antecipadamente ao que vão.
Quando arriscam porque acreditam, porque consideram que o seu programa é
melhor que o dos adversários. E neste ponto, o sucesso de Boris Johnson
não se trata apenas de conseguir ou não levar o Brexit por diante;
conseguir ou não fazer do Reino Unido o melhor lugar na Terra mas
mostrar que a política quando exercida como luta democrática por causas
vale a pena.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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