O Papa com o megalonanico lulista Amorim e o candidato peronista à presidência da Argentina. |
O
lado A de Francisco tem uma força enorme, de fé e comprometimento. O
lado B ainda acredita, tristemente, no “rouba mas faz”. Texto de Vilma Gryzinski:
Será que o papa Francisco não sabe o que essas pessoas fizeram num passado recente?
Claro
que sim. Jorge Bergoglio, seu nome como bispo, tem 82 anos é da geração
que viveu todas as fases da história recente na Argentina e na América
Latina.
Os
ciclos de populistas dos anos cinquenta e sessenta, a ascensão de
movimentos de esquerda que sonhavam imitar Cuba, os golpes militares
desfechados como reação, com brutalidade feroz na Argentina e no Chile.
Depois, a
transição democrática e governos de centro-direita, superados pelo novo
populismo de esquerda. Kirchner, Lula, Evo, Hugo, Corrêa e mais
Kirchner.
Em nome
do combate às desigualdades sociais, associaram-se aos mais poderosos
produtores e banqueiros para tirar dos pobres e dar aos muito ricos.
Para compensar, a massa era acalmada, com bolsas-tudo, acesso ao consumo
através da armadilha do crédito barato e empregos fugazes.
Em toda
parte, o modelo brasileiro de corrupção foi exportado, somando-se às já
conhecidas práticas locais. A maior diferença era de escala e de
concentração: nunca ninguém conseguiu roubar tanto com tão poucos
envolvidos.
Jorge Bergoglio acompanhou isso tudo passo a passo e foi um dos mais conhecidos críticos a Néstor Kirchner.
Ganhou
fama de direitista na Argentina, agravada pelo episódio dos jesuítas
colaboradores de grupos armados de esquerda que foram sequestrados e
torturados durante o regime militar.
A pecha
de delator foi recuperada por ex-montoneros antes que Cristina Kirchner
mandasse o pessoal parar com a loucura de falar mal de um argentino
eleito papa. Nessa ordem de importância, claro.
“Conservamos
sobre Néstor e eu disse: sabe o que acho que aconteceu com vocês,
Jorge? (Porque eu o chamo de Jorge quando conversamos e não Sua
Santidade e ele, obviamente, me chama de Cristina). No fundo acho que a
Argentina era um país pequeno demais para vocês juntos”, escreveu a
ex-presidente do livro Sinceramente, usando dos recursos de narcisismo
terminal, falsa intimidade, manipulação grotesca ou pura invenção de
fatos.
Por que o papa recebeu uma política com esse tipo de caráter e boicotou o quanto pode seu substituto, Mauricio Macri?
De forma
geral, podemos dizer que está no sangue. Bergoglio não consegue se
desvincular da ideia do “rouba mas faz”. Influenciado pela opção
preferencial pelos pobres, cujas dificuldades acompanhou intensamente
como arcebispo, acaba colocando no pacote a preferência opcional pelos
corruptos ou seus representantes.
Francisco
podia ter se esquivado de um encontro como o registrado no ano passado
pela foto acima. Escolheu deliberadamente receber os três personagens e
falar com eles durante uma hora.
O
ex-ministro Celso Amorim foi um dos participantes. Saiu de lá com um
bilhete escrito a mão pelo papa em agradecimento ao livro enviado por
Lula. As cortesias se multiplicaram na recente carta.
Se
Francisco achasse justas as sentenças por corrupção ao apenado de
Curitiba, certamente não usaria os termos escolhidos. E um católico
criminoso que implorasse uma palavra de conforto ao papa, primeiro teria
que pedir perdão pelos pecados cometidos.
Os
outros participantes do encontro do ano passado foram o ex-senador
chileno Carlos Omamani e Alberto Fernández, ex-ministro da Casa Civil de
Néstor Kirchner.
Como num
clássico tango argentino, a fila rodou rápido. Ironicamente, Fernández é
agora o candidato a presidente ungido por Cristina Kirchner.
Numa
manobra maquiavélica ou mefistofélica, ainda falta algum tempo para
saber, Cristina resolveu convocar o homem de confiança do falecido
marido, reservando para si um modesto papel de candidata a
vice-presidente.
Todo
mundo sabe o que Néstor Kirchner fez. E quem tiver alguma dúvida pode
consultar os Cadernos das Propinas escritos pelo motorista que
transportava os infindáveis sacos e malas cheios de milhões de dólares
enviados por empresários bonzinhos que só queriam ajudar o presidente a
pensar no bem do povo e na felicidade da nação.
Vários desses empresários estão recolhidos atualmente ao sistema prisional argentino. Políticos também.
Será que o papa acredita que um presidente Aníbal Fernández é um ínclito que fará um governo responsável?
Carlos
Omamani, o ex-senador chileno, só se enrolou em doações irregulares
feitas por uma grande mineradora. Mas o delito já prescreveu e ele disse
que “vai se arrepender para o resto da vida”.
O
ex-senador foi militante na juventude do Movimento de Esquerda
Revolucionária, o MIR. O grupo armado queria fazer uma revolução à
cubana no Chile e ajudou a criar o caos que impulsionou o golpe de
estado do general Pinochet.
Em 1989,
remanescentes ideológicos do MIR sequestraram o brasileiro Abílio
Diniz, libertado na véspera do segundo turno entre Lula e Fernando
Collor.
O
ex-senador chileno adotou Marco Enríquez-Ominami Gumucio depois que se
casou, no exílio, com a mãe dele. O pai biológico é Miguel Enríquez,
criador do MIR, morto em 1974, logo depois do golpe. Marco criou um novo
partido de esquerda depois de ter 20% dos votos na eleição presidencial
de 2009.
Da mesma forma que escolhe quem vai receber e para quem vai escrever ou mandar rosários, o papa escolhe quem não vai receber.
Atualmente,
esse é um assunto importante na Itália: se e quando o papa vai se
encontrar com Matteo Salvini, o ministro do Interior que está engolindo
adversários e aliados.
Os dois,
obviamente, se detestam. Salvini saiu do campo restrito da Liga Norte,
um partido secessionista, para se tornar o político mais importante do
país unicamente com base no fechamento dos portos aos migrantes que
continuam a chegar, embora em menor número, de países africanos.
Uma das
maiores causas abraçadas pelo papa Francisco é a abertura irrestrita de
fronteiras de todos os países para todos os que queiram entrar,
independentemente de restrições econômicas ou de segurança.
O papa
também acha que os recém-chegados têm direito a bolsa-imigrante,
alojamento, celular, importação de familiares e outros benefícios.
No
último comício antes das eleições para o Parlamento Europeu, das quais
saiu fortalecido, Matteo Salvini beijou o crucifixo do terço que sempre
leva no bolso (embora se reconheça como “o último da fila dos cristãos”)
e invocou a proteção de Nossa Senhora da Imaculada Conceição para si
mesmo e para toda a Itália.
E trolou o papa, fazendo uma referência em que a simples menção do nome de Francisco provocou vaias.
Vários
representantes do Vaticano surtaram. Paolo Parolini, que é a segunda
personalidade mais importante, como secretário de Estado, denunciou o
“risco de abuso de símbolos religiosos”.
O jesuíta Bartolomeo Sorge tuitou que a Itália que vota na Liga “não é mais cristã”.
“Olhem o
que escreve este teólogo. Só falta que alguém peça minha excomunhão.
Avante, com fé, respeito e humildade”, respondeu Salvini, sem nenhum
risco de ter, pelo menos, as duas últimas virtudes.
Esta é a
situação existente no momento, resultado do envolvimento direto do papa
em questões políticas e de dúvidas religiosas que desperta: a direita
detesta o papa e a esquerda o exalta; a ala mais conservadora o
considera ambíguo ou até herético e a turma da teologia da libertação o
recebe como um profeta.
Fiéis
perdidos ou confusos ficam no meio, sem entender por que Francisco um
dia faz o discurso mais forte já vindo de um papa contra o aborto,
comparando-o a contratar um pistoleiro de aluguel, e no outro exorta os
católicos a abrir as portas a todos os que queiram morar em seus países.
Numa
longa entrevista a uma vaticanista mexicana, o papa argentino se
descreveu como “conservador”, embora concordando com a tese da
jornalista de que vem caminhando para o outro lado desde que foi eleito
para a Santa Sé.
Terminou
falando, com profundo e comovente sentimento, da crueldade do mundo
onde tantas mulheres são humilhadas, exploradas, abusadas ou
assassinadas.
O lado A de Francisco tem uma força enorme, de fé e comprometimento. O lado B ainda acredita, tristemente, no “rouba mas faz”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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