Diferentemente
dos protestos da esquerda, asmanifestações de rua da direita – a
exemplo dos atos em prol das reformas no último domingo, 26 de maio –
têm sido sempre pacíficas, ordeiras e com pautas democráticas, escreve
Flávio Gordon em artigo publicado pela Gazeta do Povo:
Nada
mudou de 2013 para cá. As manifestações de rua da esquerda continuam
repletas de gente mascarada e vestida de preto, armada de paus e pedras,
com bandeiras radicais e símbolos antidemocráticos. Invariavelmente, o
evento se encerra com depredação de patrimônio público e privado. O mais
recente episódio deu-se em 15 de maio, por ocasião da campanha “Lula
Livre” travestida de defesa da educação, quando, depois de confronto
entre lulalivristas e policiais (alvos de rojões), um ônibus foi
incendiado no Rio de Janeiro.
Ao longo
desse período, em contraste, as manifestações de rua da direita – a
exemplo dos atos em prol das reformas no último domingo, 26 de maio –
têm sido sempre pacíficas, ordeiras e com pautas democráticas. Não há aí
confronto com a polícia, vidraças quebradas ou ônibus incendiados.
Nelas, a presença de famílias, crianças e idosos é um fato digno de
nota, algo raro de se ver nos protestos organizados pela esquerda,
usualmente conduzidos por militantes profissionais e protagonizados por
black blocs.
Todavia,
a imprensa insiste em tratar as primeiras manifestações com
benevolência, e as segundas com hostilidade. Em relação às da esquerda,
nossos jornalistas fazem questão de isolar os manifestantes mais
radicais, descritos sempre como minoritários e contrários ao espírito
dos protestos, mesmo que raramente o sejam. Em relação às da direita, ao
contrário, os grupos realmente minoritários de radicais, desprezados
pela maioria, são escolhidos a dedo para estampar as manchetes, como se
representantes do todo. Com raras exceções, esse tem sido um padrão
recorrente do jornalismo brasileiro ao longo dos últimos anos.
Tudo
mudou de 2013 para cá. Uns aparentemente fartos de terem sido
injustamente tachados de antidemocráticos por uma imprensa empenada para
a esquerda, outros por pura húbris, muitos dos que estiveram nas ruas
pelo impeachment decidiram se juntar a essa imprensa, descarregando
sobre terceiros, num exótico rito de autopurificação, os mesmos estigmas
de que foram vítimas no passado. Daí que, primeiro, tenham qualificado
de antidemocráticas as manifestações que se anunciavam para o dia 26,
com base em posicionamentos minoritários e irrelevantes de radicais nas
redes sociais; e, segundo, com base nesse diagnóstico preconcebido,
tentado boicotar e esvaziar as manifestações, de modo a magnificar a
importância de sua própria presença, cabotinamente entendida como
indispensável para o sucesso de toda e qualquer mobilização de massa.
Apostaram, pois, todas as fichas no fracasso dos atos, que, sem a
presença desses autoproclamados faróis da democracia, haveriam
fatalmente de naufragar num oceano de trevas e obscurantismo.
Mas,
naquele domingo, 26 de maio, fez sol na maior parte do país. E as
manifestações foram um sucesso, não apenas pelo número expressivo de
pessoas nas ruas (em especial no Rio e em São Paulo) e pela forma
absolutamente pacífica e ordeira com que se comportaram, mas sobretudo
pelo ineditismo das pautas, favoráveis a reformas usualmente impopulares
como a da Previdência, entusiastas do pacote anticrime do ministro
Sergio Moro, e comprometidas com a defesa do projeto de país
eleitoralmente vitorioso no ano passado, mas que, aos cinco meses de
vigência, já se vê ameaçado por conchavos políticos e midiáticos de teor
abertamente golpista, com conversas sobre “parlamentarismo branco” e
impeachment. Foi o que percebeu com nitidez o eleitorado conservador,
que saiu às ruas também para expressar o seu repúdio à campanha política
permanente movida pela imprensa (outrora dividida entre petistas e
antipetistas, mas hoje unificada sob a bandeira do antibolsonarismo)
contra o presidente eleito.
Diante
do sucesso inegável das manifestações – inegável, menos para a
extrema-imprensa, é claro –, o que fizeram os pretensos donos das ruas?
Uns, é verdade, terminaram por reconhecer a contragosto a legitimidade e
o caráter cívico dos atos. Outros, todavia, preferiram mergulhar fundo
num estado de negação, ora recusando o que seus olhos mostravam (a
grande quantidade de pessoas na rua), ora insistindo obstinadamente na
tese fraudulenta sobre uma essência autoritária das manifestações. Como
esse contorcionismo intelectual hercúleo não pudesse deixar de os abalar
emocionalmente, resolveram buscar algum conforto psíquico na crítica,
não mais ao fato consumado das manifestações bem-sucedidas, mas agora
aos supostos efeitos negativos que viriam a ter sobre a agenda de
reformas.
Mas,
também nessa seara, os “corneteiros do fracasso” e “liberais gourmet”
(como os denomina Guilherme Fiúza, colunista desta Gazeta do Povo) não
se saíram melhor. Antes mesmo da ocorrência das manifestações, a pressão
virtual das ruas se fez sentir sobre os parlamentares. Como informa
matéria do site Congresso em Foco, a pressa com que Rodrigo Maia
costurou um acordo para aprovar a medida provisória da reforma
administrativa (MP 870) – uma das pautas dos manifestantes, aprovada
pelo Senado na noite de ontem, dia 28 – visava ao esvaziamento dos atos
do dia 26.
No dia
seguinte às manifestações, o analista político Fernando Schüller,
insuspeito de qualquer simpatia por Bolsonaro, declarou em entrevista à
BBC News Brasil: “As manifestações melhoram as condições de negociação
do governo no tabuleiro político do Congresso. Isto é evidente. Não é
possível chegar à conclusão inversa, que li de alguns analistas, segundo
a qual o sucesso dos movimentos faria mal ao governo. Não faz”. Dito e
feito: em resposta aos atos, no dia 28 os líderes da Câmara, do Senado e
do STF, junto ao presidente e ao chefe da Casa Civil, anunciaram um
pacto pela aprovação da reforma previdenciária arquitetada por Paulo
Guedes (outro que, aliás, ficou satisfeitíssimo com as manifestações).
Também demonstrando otimismo após o sucesso das manifestações, a bolsa
fechou o dia em alta. Nada disso foi capaz de convencer os enamorados da
própria interpretação, entretanto. Contemplando o ser amado
esvanecer-se em face da realidade, os românticos crisparam-se em
dolorida introspecção, voltando-se para o aconchego de seu mundo
interior, e para a cálida comunidade dos parceiros no faz-de-conta. Em
queda livre no abismo de sua narrativa delirante, com as perninhas
balançando contra o vazio, os bracinhos agitando por um colo,
entregaram-se de corpo e alma à prática do autoelogio, sinal claro de
que acusaram o golpe. Estavam certos de que, com terrível dor de
cotovelo, as ruas chorosas cantariam a falta de seu apoio. Descobriram
que, se canto houve, só pode ter sido aquele refrão de um grupo de
pagode muito popular nos anos 1990, e que dizia assim: “Sabe quem
perguntou por você? Sabe quem perguntou por você? Sabe quem perguntou
por você? Ninguém”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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