Em entrevista ao Observador,
Moro não se arrepende das críticas a Sócrates, diz que foi insultado
pelo ex-primeiro-ministro e defende que a eficácia da Justiça é
essencial para cumprir a democracia. O blog teve acesso à entrevista,
aqui reproduzida:
É a terceira vez que
visita Lisboa em menos de dois anos. A primeira vez foi precisamente
para discursar nas Conferências do Estoril, organizadas pela Câmara de
Cascais. Era então o famoso Sérgio Moro, o juiz de primeira instância de
Curitiba que acompanhava e julgava todos os processos do maior caso de
corrupção do Brasil: a Operação Lava Jato. Na altura, ao lado do seu
colega português Carlos Alexandre e dos ex-magistrados Baltazar Garzon e
António Di Pietro, impressionou pela eloquência com que falava da
necessidade exercer um combate global contra a corrupção.
Hoje, ministro da
Justiça do Governo de Jair Bolsonaro, Sérgio Moro não abandonou o
discurso direto e franco com que aborda a temática da criminalidade
económico-financeira. Não se arrepende das declarações polémicas
que fez sobre José Sócrates e a Operação Marquês na sua última visita a
Portugal e admite, por exemplo, a criação de uma equipa de cooperação
judiciária especial entre Portugal, Brasil e um futuro governo
democrático da Venezuela para investigar as ligações de alegada
corrupção entre a dupla Lula da Silva/José Dirceu e José Sócrates e Hugo
Chavéz que foram detetadas na Operação Marquês e no Universo Espírito
Santo, assim como na Operação Lava Jato.
As afirmações que o
senhor ministro fez em abril sobre o caso José Sócrates provocaram
muita polémica em Portugal. Por serem proferidas por um membro de um
governo estrangeiro e por não respeitaram o princípio da presunção da
inocência. O Governo do Brasil ou o senhor ministro receberam algum
protesto formal ou informal do Governo de Portugal?
Não, não. Na verdade,
fiz uma declaração em geral sobre a dificuldade que os sistemas
jurídicos têm de investigar e acusar suspeitos com poder social e
financeiro, como os políticos. E fiz uma referência às dificuldades do
processo que envolve esse ex-primeiro-ministro [José Sócrates] aqui em
Portugal. Apenas para ilustrar as dificuldades processuais — que são
gerais e também existem no Brasil. Não vejo aí um nenhum problema.
Depois, entretanto, o ex-primeiro-ministro [José Sócrates] fez
declarações ofensivas contra a minha pessoa. Fui confrontado com as
mesmas e disse que não ia responder a pessoas que respondiam a processos
criminais. Basicamente foi isso. Não vejo nada demais no episódio.
Ficou surpreendido
com a polémica que as suas declarações provocaram? Ao fim e ao cabo,
era a sua primeira visita a Portugal como ministro da Justiça da
República Brasileira.
Não, não fiquei
surpreendido. Na verdade, acho que foi um pouco superdimensionado aqui,
mas não vejo nada demais naquilo que falei.
A comunidade
jurídica portuguesa é muito sensível à ideia da presunção da inocência —
que orienta todo o nosso sistema jurídico-penal. Muito devido à memória
dos mais de 40 anos de Ditadura. O Brasil também teve um período longo
de Ditadura Militar mas o seu sistema jurídico tem instrumentos muito
mais flexíveis para o Ministério Público e os tribunais atuarem no
combate à corrupção. Consegue explicar essa diferença na forma de lidar
com a memória da Ditadura?
A presunção da
inocência é um princípio universal, não é nenhuma propriedade de
Portugal nem do Brasil. Na verdade, foi uma construção histórica que
teve várias nuances. Agora, a presunção da inocência não é o véu que
também impede que as pessoas conheçam a realidade das coisas, certo? A
presunção da inocência significa que nos tribunais existe um julgamento e
que a decisão final vai depender dos factos que forem dados como
provados. Isso não impede, contudo, que os cidadãos fora dos tribunais
evitem juízos de valor sobre situações que observam. Isso não tem uma
relação com a questão da presunção da inocência.
O Brasil também teve
uma Ditadura Militar mas esse facto gerou uma proteção mais forte dos
direitos fundamentais dos cidadãos e isso é positivo. Agora, existe uma
outra noção fundamental dentro de um regime democrático que é o
princípio do Estado de Direito: ninguém está acima da lei. Então o
sistema processual penal tem que funcionar mesmo contra os poderosos que
eventualmente cometam crimes. Os direitos, liberdades e garantias do
Estado de Direito não podem proteger os poderosos face à ação de lei.
Na verdade, esses
direitos, liberdades e garantias protegem a todos, tanto o vulnerável
como o poderoso. Agora, essas garantias de defesa não podem ser
manipuladas ao ponto de impedir que as pessoas sejam responsabilizadas
pelos seus crimes. A manipulação desses direitos e garantias muitas
vezes geram um sistema penal hipócrita no qual as pessoas não são nunca
punidas, independentemente das provas e dos crimes que cometeram. E,
claro, quem utiliza e manipula esses instrumentos normalmente são as
pessoas com mais poder e influência política, económica e social — que
se servem do sistema para buscar a impunidade.
“É uma possibilidade criar equipa para investigar as relações entre Sócrates, Lula e Chavéz”
José Sócrates
sempre foi muito próximo politicamente dos líderes socialistas da
América Latina, como Lula da Silva e Hugo Chávez. Isso gerou
oportunidades de negócio para as empresas portuguesas mas também gerou
fortes suspeitas de corrupção internacional que têm sido detetadas nas
investigações da Operação Marquês e do caso BES.
O Brasil, Portugal e um futuro governo democrático na Venezuela deviam
investigar essas ligações a fundo com uma equipa de cooperação
judiciária especial?
É uma possibilidade,
há essa possibilidade de se eventualmente fazer algo nessa linha, mas
não tem nada, no momento, em perspetiva. No Brasil, por outras linhas,
tivemos várias dessas personagens mencionados foram investigados no
âmbito da Operação Lava Jato. Vários deles foram condenados nos
tribunais e respondem até já presos, a cumprir pena. Sempre se ouviu
sobre essas relações — especialmente as relações do ex-ministro da Casa
Civil José Dirceu com esse primeiro-ministro de Portugal [José
Sócrates]. Agora, esses crimes são muito difíceis de serem investigados
porque aí tem um detalhe adicional porque depende de uma intensa
cooperação jurídica internacional.
Aqui na Europa,
por exemplo, devido às características próprias da União Europeia (UE), a
cooperação judiciária entre os países europeus é muito ativa. Até a a
Suíça, que há 10 anos era um refúgio do dinheiro sujo, deixou de o ser
porque, apesar de não pertencer à UE, passou a cooperar intensamente com
os restantes países europeus. Isso é uma referência para Portugal e
Brasil?
No caso da Operação
Lava Jato no Brasil, a cooperação foi intensa com diversos países, em
especial com a Suíça. Vários diretores da Petrobrás, a maior empresa
pública brasileira, e alguns dos agentes políticos também envolvidos em
crimes, tinham contas secretas na Suíça. A cooperação judicial
internacional foi evidentemente fundamental para identificar esses
circuitos financeiros. Identificar, por exemplo, uma conta com saldos
milionários na Suíça de um agente político ou público, normalmente não
declarada, é uma prova fatal contra os suspeitos.
Sem a cooperação dos suíços provavelmente a Operação Lava Jato não teria atingido a importância que atingiu.
Claro. Sobre aquela
questão da presunção da inocência [acima referida]. Por exemplo, no
decurso de uma investigação dessa espécie descobrem-se contas secretas
na Suíça. O que é a presunção da inocência nessa questão? Não quer dizer
que a pessoa é culpada. Mas quer dizer que, por exemplo, os jornais não
podem falar sobre isso? A imprensa não pode fazer o seu escrutínio?
Aqui em Portugal,
por exemplo, há uma norma criada pelo Governo de José Sócrates que
proíbe o jornalista de citar escutas telefónicas de um processo sem
autorização dos visados pelas escutas, mesmo que os autos não estejam em
segredo de justiça.
Um dos valores
fundamentais em qualquer regime democrático, em qualquer democracia
liberal, é a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Claro que
essas liberdades nem sempre favorecem os governantes. Incomodam, às
vezes acho que a imprensa se excede e comete também os seus equívocos,
mas eu sou daqueles que parte do pressuposto que é uma liberdade
fundamental. Então, qualquer restrição a essa liberdade tem que ser
muito bem fundamentada. Em particular, esse tipo de norma não me parece
que seja justificável.
“A execução da pena a partir da segunda instância é pertinente” devido ao “excesso de recursos”
Para tentarmos
melhorar o nosso sistema penal, é importante percebermos como funcionam
outros sistemas que têm apresentado resultados, como o brasileiro. Quais
são as vantagens de executar uma pena de prisão após uma decisão de
segunda instância — e independentemente de se verificarem novos
recursos? Isso não coloca em causa a presunção da inocência?
Cada país tem as suas
regras. A presunção da inocência significa que as provas que sustentam
uma condenação têm de estar acima de qualquer dúvida razoável e a prisão
[preventiva] antes do julgamento é excecional. Imagino que também
tenham aqui em Portugal.
Sim, a prisão preventiva é possível durante a fase de inquérito e tem a duração máxima de um ano.
Após o julgamento —
ainda que seja um primeiro julgamento — as regras variam nos mais
variados países. Nos Estados Unidos, a prática é a prisão logo após o
julgamento de primeira instância. Na França, a execução da pena
verifica-se na segunda instância ou, se for um julgamento pela chamada
Cour d’Assises [Tribuna de Justiça], a pena é executada a partir a
partir da primeira instância. São sistemas diferenciados.
No Brasil, a execução
da pena a partir da segunda instância é especialmente pertinente porque
nós temos uma prodigalidade recursal [excesso de recursos] para os
tribunais superiores. Por exemplo, o nosso Superior Penal de Justiça [a
segunda instância] no Brasil…
O que é equivalente ao Tribunal da Relação em Portugal.
Esse tribunal [de
segunda instância] recebe no Brasil quase 300 mil processos por ano —
que é um número provavelmente muito maior lá do que o de Portugal, mesmo
falando em termos relativos. O próprio Supremo Tribunal Federal
brasileiro, o nosso órgão de instância máxima, recebe cerca de 50 mil
processos por ano.
A ideia de esperar a
decisão definitiva é interessante — previne o erro judiciário — mas, na
prática, o que acontecia é que isso levava à impunidade daqueles que
conseguiam sustentar e manipular um processo durante décadas nos
tribunais. Era um sistema — ainda é, mas houve uma melhoria —
profundamente desigual. Isso não é justiça e não é consistente com os
padrões democráticos.
Só funcionaria numa sociedade utópica na qual o sistema de Justiça conseguiria responder a tudo e a todos e em tempo útil.
Isso. Na verdade, a
lei estabeleceu executar [a pena] a partir da segunda instância, após o
julgamento do tribunal de recurso. Excecionalmente, se se verificar que
um recurso apresentado tem uma chance de êxito, tem uma plausibilidade,
então a condenação pode, excecionalmente, ser suspensa.
A colaboração
premiada não é um negócio — no sentido de ser um acordo que pressupõe
uma troca que não é espontânea mas sim negociada — entre a acusação e um
dos suspeitos?
Uma pergunta: ouvi que era admitida em Portugal a colaboração premiada no caso de crime organizado. Isso é verdade?
Sim, há formas de direito premial no combate ao crime organizado ligado a tráfico de estupefacientes e ao terrorismo.
É extremamente
interessante ver como a colaboração premiada pode ser boa para um
determinado tipo de crime e, por outro lado, perceber que a avaliação já
é negativa no caso de crimes de corrupção. Isso também é uma dualidade
bastante questionável. Claro que são opções de cada país e isso está
dentro de qualquer âmbito do regime democrático. A avaliação feita no
Brasil não foi essa. Nós não criamos esse instrumento. Na verdade,
estamos a utilizar um instrumento que vários outros países utilizam,
pois muitas vezes precisa-se de auxílio de um criminoso contra os seus
pares. Isso é um juízo válido tanto para crimes de drogas, crime
organizado, crimes de tráfico de armas, crimes de tráfico de pessoa, mas
igualmente em crimes como a corrupção — que são crimes praticados
normalmente em sigilo, nos quais é muito difícil ter testemunhas sobre
esses factos que não sejam os próprios criminosos.
O senhor costuma
citar um velho ditado de Deng Xiao Ping: “Não importa a cor do gato,
desde que ele pegue o rato”. Quais são os limites que a Justiça deve ter
no combate à corrupção?
O limite é simples: é
a lei, a Constituição, os direitos dos acusados, dos investigados. Não
existe qualquer possibilidade de, por exemplo, o advogado defender um
sistema fora da lei. No fundo, tem que seguir estritamente as regras. A
polícia está aí para servir e proteger, a justiça está para fazer
justiça na forma da lei. Não existem atalhos nessa linha. Agora, o que
nós temos que compreender é que a eficiência do sistema de justiça é um
ingrediente importante do Estado de Direito, da lei acima de todos e da
aplicação imparcial e igual da lei.
Talvez pelo nosso
passado autoritário, tanto com o Brasil como Portugal, se teve uma
avaliação um tanto negativa quando a lei foi utilizada para fins de
perseguição política e não exatamente a lei como um instrumento em favor
do direito, mas sim um instrumento a favor da opressão. Mas hoje o
contexto é absolutamente diferente. Hoje tanto o Brasil como Portugal
vivem contextos democráticos, em que há eleições livres, em que se tem
ampla liberdade de imprensa, ampla liberdade de expressão.
Vê vantagens em
que exista um tribunal especial de julgamento só para julgar os grandes
casos da criminalidade económico-financeira — que são aqueles que exigem
um conhecimento muito especializado –, como a Operação Lava Jato ou a
Operação Marquês?
Essa é uma avaliação
muito difícil que tem de ser feita com base nas circunstâncias de cada
país, então seria muito difícil para mim fazer uma sugestão aqui para
Portugal. O que posso dizer, num contexto geral, é que existem crimes
que são extremamente complexos e existem crimes que são mais simples.
Caso não se tome cuidado, há eventualmente uma tendência das
instituições da justiça criminal — Tribunais, Ministério Público e
polícias –, de lidar com os casos mais fáceis porque estes geram
resultados, enquanto que os crimes complexos são mais difíceis, mais
custosos, às vezes têm um peso muito maior para o agente envolvido,
tanto no que se refere a riscos como também questões que envolvem a
própria reputação quando se trata de crimes de corrupção. Então a
vantagem de ter uma estrutura especializada — tanto na polícia, como no
Ministério Público, como na Justiça — é ter uma estrutura focada naquele
tipo de crime. Resultado: não se tem a desculpa de que não se pode
cuidar daqueles crimes porque está ocupado com outros.
Às vezes parece
que é um diálogo de surdos porque o Ministério Público e a Polícia estão
especializados, mas os tribunais são genéricos, ou seja, são
abrangentes.
Não tenho condições
de avaliar aqui o sistema português quanto à pertinência ou não de
criação de estruturas especializadas no âmbito do Poder Judicial. Alguns
países criaram. A França tem mesmo no âmbito judiciário estruturas
especializadas. No Brasil o que foi feito, e isso foi algo já em 2003,
foi a criação de várias dessas estruturas especializadas em primeira
instância no processo de julgamento de crime organizado e crime de
lavagem de dinheiro e isso ajudou bastante a reduzir a anomalia de
processos que duravam uma eternidade ainda na primeira instância.
Há diferenças
entre a forma com a Esquerda e a Direita vêm a corrupção? Na Europa — e
Portugal é um bom exemplo — existe a ideia de que a corrupção existe
tendencialmente à Direita, devido ao liberalismo económico e à defesa do
mercado. E que a Esquerda, ao defender uma maior intervenção e
regulação do mercado pelo Estado, está mais protegida. Os casos de Lula e
de Sócrates provam o contrário?
Não se pode pensar na
corrupção governamental numa perspetiva político-partidária ou
ideológica. Acho que se corrompem tanto políticos da direita como
políticos da esquerda, como políticos de qualquer outro espectro. Não
acho que exista qualquer correlação necessária ou maior incidência de
práticas de corrupção num espectro político ou outro. Simplesmente temos
que ter presente o reconhecimento de que nós temos as nossas virtudes,
mas nós também temos os nossos vícios e as pessoas são suscetíveis à
corrupção, especialmente as pessoas que ocupam posições de poder. Existe
aquela famosa frase: “o poder corrompe”. Isso é um tanto quanto
verdadeiro.
No caso do
ex-presidente [Lula da Silva], o que tem que ser entendido é que ele foi
condenado em várias instâncias do Brasil num caso em particular e
depois ele já foi condenado noutros casos. Ele [Lula da Silva] foi
presidente do Brasil num período em que a empresa pública Petrobrás foi
literalmente saqueada por agentes políticos escrupulosos e isso tinha
também com objetivos políticos. Claro que se lamenta que uma figura que
fez coisas meritórias na política tenha esse destino, mas muito do que
se vê, às vezes até fora do Brasil, parte também de um pressuposto
ideológico como se fosse alguma espécie de enfrentamento entre direita e
esquerda quando isso é absolutamente falso. Isso foi decidido por
tribunais, com base em provas e tribunais independentes e imparciais,
inclusive tribunais que tiveram a sua composição formada por indicações
do próprio ex-presidente.
O Presidente
Bolsonaro disse há umas semanas que tinha um compromisso para o dr. Moro
ir para o Supremo Tribunal Federal. Uma pergunta hipotética: o dr. Moro
considera que cumpre a condição da independência para julgar casos da
Lava Jato ou outros casos relacionados com políticos depois do sr. ter
sido membro do Poder Executivo? Não há aqui uma promiscuidade entre o
Judiciário e o Executivo?
Já falei
publicamente: não houve nenhuma espécie de condição nesse sentido. O
presidente [Bolsonaro] fez uma declaração num momento em que me queria
fortalecer politicamente por questões internas do Brasil. Talvez o
presidente [Bolsonaro] sinta-se com um compromisso, porque afinal de
contas eu abandonei 22 anos da magistratura para ingressar no Executivo.
Mas o meu propósito ao ingressar no Executivo foi consolidar os avanços
anti-corrupção no Brasil, perenemente ameaçados, e também avançar a
pauta contra crimes violentos e crime organizado, que são igualmente
importantes. No que se refere à questão do Supremo, não existe uma vaga
atualmente, então acho que um debate sobre a minha eventual ida ao
Supremo Tribunal Federal é um debate absolutamente prematuro. Nunca
houve uma condição dessa espécie [para Sérgio Moro ir para o Governo].
Agora, já teve no
passado também outros ministros [nome dado a juízos conselheiros no
Brasil] que vieram do Executivo e nem por isso deixaram de exercer a sua
função com independência.
Visto de Portugal,
parece que o Brasil vai ficar igual aos Estados Unidos em termos de lei
de porte de arma. O senhor tem dito que o texto da lei da
flexibilização do porte de arma foi escrito essencialmente pelo gabinete
do presidente Bolsonaro. Identifica-se com essa proposta ou preferia
uma versão mais conservadora?
Olha, em relação a
esse tema, eventuais divergências que eu tenha em relação ao texto são
mantidas dentro da discussão, antes da elaboração do texto. O O texto da
lei parte do Governo e, então, é um ato do Governo.
O dr. Moro é dos
ministros mais populares do Governo Bolsonaro — tem até mais
popularidade do que o próprio presidente. Em termos internacionais,
também é visto como uma cara da Justiça que luta contra os poderosos.
Não receia que a sua imagem fique beliscada pela sua passagem pelo
Governo de Bolsonaro?
Não creio. Fui para o
Executivo com um objetivo bem específico: consolidar os trabalhos
anti-corrupção e avançar nessas outras pautas, e parece-me que é algo
que estamos a conseguir realizar passo a passo. Por exemplo, temos
fortalecido a Polícia Federal, temos deixado a Polícia Federal trabalhar
com absoluta autonomia e, por outro lado, tem havido uma redução na
criminalidade violenta no Brasil desde o início do ano — ainda é muito
cedo para ser uma avaliação definitiva, mas tem havido uma redução. A
convergência com o presidente no que se refere a esse aspeto — de sermos
firmes contra a corrupção, a criminalidade violenta e criminalidade
organizada, observado o devido processo — é absoluta. Havendo essa
convergência de pauta, me sinto absolutamente tranquilo.
Recordo-me que,
quando nos conhecemos aqui no Estoril há dois anos, o sr. disse-me que
não estava no seu pensamento passar para a política. Tinha ao seu lado o
dr. António Di Pietro (ex-procurador que liderou a Operação Mãos Limpas
no Brasil) que tinha passado por essa experiência. Acabou por ir para o
Governo Bolsonaro. A minha pergunta agora é outra: candidatar-se à
Presidência do Brasil está nos seus planos?
Não, não existe
nenhuma perspetiva dessa espécie. Na verdade, fui para um cargo dentro
do Executivo afeto à minha área de trabalho que é a Justiça e Segurança
Pública. Considero-me muito mais um técnico dentro do Ministério, dentro
do Governo, do que um político. Não estou filiado a nenhum partido e a
minha pretensão é basicamente fazer esse trabalho. O Brasil avançou
muito nesses últimos cinco anos em matéria anti-corrupção, mas sempre
trabalhamos com espectro de que em algum momento a mesa seria virada.
Como alguns países vivenciaram experiências em que tiveram avanços
significativos e, de repente, tem uma virada de mesa. Veja lá a
discussão que existe hoje na Guatemala, por exemplo. Estando no Governo
terei uma posição de maior força para poder não só impedir retrocesso
como também avançar essa pauta. Acho que é uma causa que vale a pena.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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