terça-feira, 28 de maio de 2019

Moro ao Observador: "É uma possibilidade criar equipe para investigar as relações entre Lula, Sócrates e Chávez".


Em entrevista ao Observador, Moro não se arrepende das críticas a Sócrates, diz que foi insultado pelo ex-primeiro-ministro e defende que a eficácia da Justiça é essencial para cumprir a democracia. O blog teve acesso à entrevista, aqui reproduzida:

É a terceira vez que visita Lisboa em menos de dois anos. A primeira vez foi precisamente para discursar nas Conferências do Estoril, organizadas pela Câmara de Cascais. Era então o famoso Sérgio Moro, o juiz de primeira instância de Curitiba que acompanhava e julgava todos os processos do maior caso de corrupção do Brasil: a Operação Lava Jato. Na altura, ao lado do seu colega português Carlos Alexandre e dos ex-magistrados Baltazar Garzon e António Di Pietro, impressionou pela eloquência com que falava da necessidade exercer um combate global contra a corrupção.

Hoje, ministro da Justiça do Governo de Jair Bolsonaro, Sérgio Moro não abandonou o discurso direto e franco com que aborda a temática da criminalidade económico-financeira. Não se arrepende das declarações polémicas que fez sobre José Sócrates e a Operação Marquês na sua última visita a Portugal e admite, por exemplo, a criação de uma equipa de cooperação judiciária especial entre Portugal, Brasil e um futuro governo democrático da Venezuela para investigar as ligações de alegada corrupção entre a dupla Lula da Silva/José Dirceu e José Sócrates e Hugo Chavéz que foram detetadas na Operação Marquês e no Universo Espírito Santo, assim como na Operação Lava Jato.
As afirmações que o senhor ministro fez em abril sobre o caso José Sócrates provocaram muita polémica em Portugal. Por serem proferidas por um membro de um governo estrangeiro e por não respeitaram o princípio da presunção da inocência. O Governo do Brasil ou o senhor ministro receberam algum protesto formal ou informal do Governo de Portugal?

Não, não. Na verdade, fiz uma declaração em geral sobre a dificuldade que os sistemas jurídicos têm de investigar e acusar suspeitos com poder social e financeiro, como os políticos. E fiz uma referência às dificuldades do processo que envolve esse ex-primeiro-ministro [José Sócrates] aqui em Portugal. Apenas para ilustrar as dificuldades processuais — que são gerais e também existem no Brasil. Não vejo aí um nenhum problema. Depois, entretanto, o ex-primeiro-ministro [José Sócrates] fez declarações ofensivas contra a minha pessoa. Fui confrontado com as mesmas e disse que não ia responder a pessoas que respondiam a processos criminais. Basicamente foi isso. Não vejo nada demais no episódio.
Ficou surpreendido com a polémica que as suas declarações provocaram? Ao fim e ao cabo, era a sua primeira visita a Portugal como ministro da Justiça da República Brasileira.

Não, não fiquei surpreendido. Na verdade, acho que foi um pouco superdimensionado aqui, mas não vejo nada demais naquilo que falei.

A comunidade jurídica portuguesa é muito sensível à ideia da presunção da inocência — que orienta todo o nosso sistema jurídico-penal. Muito devido à memória dos mais de 40 anos de Ditadura. O Brasil também teve um período longo de Ditadura Militar mas o seu sistema jurídico tem instrumentos muito mais flexíveis para o Ministério Público e os tribunais atuarem no combate à corrupção. Consegue explicar essa diferença na forma de lidar com a memória da Ditadura?

A presunção da inocência é um princípio universal, não é nenhuma propriedade de Portugal nem do Brasil. Na verdade, foi uma construção histórica que teve várias nuances. Agora, a presunção da inocência não é o véu que também impede que as pessoas conheçam a realidade das coisas, certo? A presunção da inocência significa que nos tribunais existe um julgamento e que a decisão final vai depender dos factos que forem dados como provados. Isso não impede, contudo, que os cidadãos fora dos tribunais evitem juízos de valor sobre situações que observam. Isso não tem uma relação com a questão da presunção da inocência.

O Brasil também teve uma Ditadura Militar mas esse facto gerou uma proteção mais forte dos direitos fundamentais dos cidadãos e isso é positivo. Agora, existe uma outra noção fundamental dentro de um regime democrático que é o princípio do Estado de Direito: ninguém está acima da lei. Então o sistema processual penal tem que funcionar mesmo contra os poderosos que eventualmente cometam crimes. Os direitos, liberdades e garantias do Estado de Direito não podem proteger os poderosos face à ação de lei.

Na verdade, esses direitos, liberdades e garantias protegem a todos, tanto o vulnerável como o poderoso. Agora, essas garantias de defesa não podem ser manipuladas ao ponto de impedir que as pessoas sejam responsabilizadas pelos seus crimes. A manipulação desses direitos e garantias muitas vezes geram um sistema penal hipócrita no qual as pessoas não são nunca punidas, independentemente das provas e dos crimes que cometeram. E, claro, quem utiliza e manipula esses instrumentos normalmente são as pessoas com mais poder e influência política, económica e social — que se servem do sistema para buscar a impunidade.

“É uma possibilidade criar equipa para investigar as relações entre Sócrates, Lula e Chavéz”

José Sócrates sempre foi muito próximo politicamente dos líderes socialistas da América Latina, como Lula da Silva e Hugo Chávez. Isso gerou oportunidades de negócio para as empresas portuguesas mas também gerou fortes suspeitas de corrupção internacional que têm sido detetadas nas investigações da Operação Marquês e do caso BES. O Brasil, Portugal e um futuro governo democrático na Venezuela deviam investigar essas ligações a fundo com uma equipa de cooperação judiciária especial?

É uma possibilidade, há essa possibilidade de se eventualmente fazer algo nessa linha, mas não tem nada, no momento, em perspetiva. No Brasil, por outras linhas, tivemos várias dessas personagens mencionados foram investigados no âmbito da Operação Lava Jato. Vários deles foram condenados nos tribunais e respondem até já presos, a cumprir pena. Sempre se ouviu sobre essas relações — especialmente as relações do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu com esse primeiro-ministro de Portugal [José Sócrates]. Agora, esses crimes são muito difíceis de serem investigados porque aí tem um detalhe adicional porque depende de uma intensa cooperação jurídica internacional.

Aqui na Europa, por exemplo, devido às características próprias da União Europeia (UE), a cooperação judiciária entre os países europeus é muito ativa. Até a a Suíça, que há 10 anos era um refúgio do dinheiro sujo, deixou de o ser porque, apesar de não pertencer à UE, passou a cooperar intensamente com os restantes países europeus. Isso é uma referência para Portugal e Brasil?

No caso da Operação Lava Jato no Brasil, a cooperação foi intensa com diversos países, em especial com a Suíça. Vários diretores da Petrobrás, a maior empresa pública brasileira, e alguns dos agentes políticos também envolvidos em crimes, tinham contas secretas na Suíça. A cooperação judicial internacional foi evidentemente fundamental para identificar esses circuitos financeiros. Identificar, por exemplo, uma conta com saldos milionários na Suíça de um agente político ou público, normalmente não declarada, é uma prova fatal contra os suspeitos.

Sem a cooperação dos suíços provavelmente a Operação Lava Jato não teria atingido a importância que atingiu.

Claro. Sobre aquela questão da presunção da inocência [acima referida]. Por exemplo, no decurso de uma investigação dessa espécie descobrem-se contas secretas na Suíça. O que é a presunção da inocência nessa questão? Não quer dizer que a pessoa é culpada. Mas quer dizer que, por exemplo, os jornais não podem falar sobre isso? A imprensa não pode fazer o seu escrutínio?

Aqui em Portugal, por exemplo, há uma norma criada pelo Governo de José Sócrates que proíbe o jornalista de citar escutas telefónicas de um processo sem autorização dos visados pelas escutas, mesmo que os autos não estejam em segredo de justiça.

Um dos valores fundamentais em qualquer regime democrático, em qualquer democracia liberal, é a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Claro que essas liberdades nem sempre favorecem os governantes. Incomodam, às vezes acho que a imprensa se excede e comete também os seus equívocos, mas eu sou daqueles que parte do pressuposto que é uma liberdade fundamental. Então, qualquer restrição a essa liberdade tem que ser muito bem fundamentada. Em particular, esse tipo de norma não me parece que seja justificável.

“A execução da pena a partir da segunda instância é pertinente” devido ao “excesso de recursos”

Para tentarmos melhorar o nosso sistema penal, é importante percebermos como funcionam outros sistemas que têm apresentado resultados, como o brasileiro. Quais são as vantagens de executar uma pena de prisão após uma decisão de segunda instância — e independentemente de se verificarem novos recursos? Isso não coloca em causa a presunção da inocência?

Cada país tem as suas regras. A presunção da inocência significa que as provas que sustentam uma condenação têm de estar acima de qualquer dúvida razoável e a prisão [preventiva] antes do julgamento é excecional. Imagino que também tenham aqui em Portugal.

Sim, a prisão preventiva é possível durante a fase de inquérito e tem a duração máxima de um ano.

Após o julgamento — ainda que seja um primeiro julgamento — as regras variam nos mais variados países. Nos Estados Unidos, a prática é a prisão logo após o julgamento de primeira instância. Na França, a execução da pena verifica-se na segunda instância ou, se for um julgamento pela chamada Cour d’Assises [Tribuna de Justiça], a pena é executada a partir a partir da primeira instância. São sistemas diferenciados.

No Brasil, a execução da pena a partir da segunda instância é especialmente pertinente porque nós temos uma prodigalidade recursal [excesso de recursos] para os tribunais superiores. Por exemplo, o nosso Superior Penal de Justiça [a segunda instância] no Brasil…

O que é equivalente ao Tribunal da Relação em Portugal.

Esse tribunal [de segunda instância] recebe no Brasil quase 300 mil processos por ano — que é um número provavelmente muito maior lá do que o de Portugal, mesmo falando em termos relativos. O próprio Supremo Tribunal Federal brasileiro, o nosso órgão de instância máxima, recebe cerca de 50 mil processos por ano.

A ideia de esperar a decisão definitiva é interessante — previne o erro judiciário — mas, na prática, o que acontecia é que isso levava à impunidade daqueles que conseguiam sustentar e manipular um processo durante décadas nos tribunais. Era um sistema — ainda é, mas houve uma melhoria — profundamente desigual. Isso não é justiça e não é consistente com os padrões democráticos.

Só funcionaria numa sociedade utópica na qual o sistema de Justiça conseguiria responder a tudo e a todos e em tempo útil.

Isso. Na verdade, a lei estabeleceu executar [a pena] a partir da segunda instância, após o julgamento do tribunal de recurso. Excecionalmente, se se verificar que um recurso apresentado tem uma chance de êxito, tem uma plausibilidade, então a condenação pode, excecionalmente, ser suspensa.

A colaboração premiada não é um negócio — no sentido de ser um acordo que pressupõe uma troca que não é espontânea mas sim negociada — entre a acusação e um dos suspeitos?

Uma pergunta: ouvi que era admitida em Portugal a colaboração premiada no caso de crime organizado. Isso é verdade?

Sim, há formas de direito premial no combate ao crime organizado ligado a tráfico de estupefacientes e ao terrorismo.

É extremamente interessante ver como a colaboração premiada pode ser boa para um determinado tipo de crime e, por outro lado, perceber que a avaliação já é negativa no caso de crimes de corrupção. Isso também é uma dualidade bastante questionável. Claro que são opções de cada país e isso está dentro de qualquer âmbito do regime democrático. A avaliação feita no Brasil não foi essa. Nós não criamos esse instrumento. Na verdade, estamos a utilizar um instrumento que vários outros países utilizam, pois muitas vezes precisa-se de auxílio de um criminoso contra os seus pares. Isso é um juízo válido tanto para crimes de drogas, crime organizado, crimes de tráfico de armas, crimes de tráfico de pessoa, mas igualmente em crimes como a corrupção — que são crimes praticados normalmente em sigilo, nos quais é muito difícil ter testemunhas sobre esses factos que não sejam os próprios criminosos.

O senhor costuma citar um velho ditado de Deng Xiao Ping: “Não importa a cor do gato, desde que ele pegue o rato”. Quais são os limites que a Justiça deve ter no combate à corrupção?

O limite é simples: é a lei, a Constituição, os direitos dos acusados, dos investigados. Não existe qualquer possibilidade de, por exemplo, o advogado defender um sistema fora da lei. No fundo, tem que seguir estritamente as regras. A polícia está aí para servir e proteger, a justiça está para fazer justiça na forma da lei. Não existem atalhos nessa linha. Agora, o que nós temos que compreender é que a eficiência do sistema de justiça é um ingrediente importante do Estado de Direito, da lei acima de todos e da aplicação imparcial e igual da lei.

Talvez pelo nosso passado autoritário, tanto com o Brasil como Portugal, se teve uma avaliação um tanto negativa quando a lei foi utilizada para fins de perseguição política e não exatamente a lei como um instrumento em favor do direito, mas sim um instrumento a favor da opressão. Mas hoje o contexto é absolutamente diferente. Hoje tanto o Brasil como Portugal vivem contextos democráticos, em que há eleições livres, em que se tem ampla liberdade de imprensa, ampla liberdade de expressão.

Vê vantagens em que exista um tribunal especial de julgamento só para julgar os grandes casos da criminalidade económico-financeira — que são aqueles que exigem um conhecimento muito especializado –, como a Operação Lava Jato ou a Operação Marquês?

Essa é uma avaliação muito difícil que tem de ser feita com base nas circunstâncias de cada país, então seria muito difícil para mim fazer uma sugestão aqui para Portugal. O que posso dizer, num contexto geral, é que existem crimes que são extremamente complexos e existem crimes que são mais simples. Caso não se tome cuidado, há eventualmente uma tendência das instituições da justiça criminal — Tribunais, Ministério Público e polícias –, de lidar com os casos mais fáceis porque estes geram resultados, enquanto que os crimes complexos são mais difíceis, mais custosos, às vezes têm um peso muito maior para o agente envolvido, tanto no que se refere a riscos como também questões que envolvem a própria reputação quando se trata de crimes de corrupção. Então a vantagem de ter uma estrutura especializada — tanto na polícia, como no Ministério Público, como na Justiça — é ter uma estrutura focada naquele tipo de crime. Resultado: não se tem a desculpa de que não se pode cuidar daqueles crimes porque está ocupado com outros.
Às vezes parece que é um diálogo de surdos porque o Ministério Público e a Polícia estão especializados, mas os tribunais são genéricos, ou seja, são abrangentes.

Não tenho condições de avaliar aqui o sistema português quanto à pertinência ou não de criação de estruturas especializadas no âmbito do Poder Judicial. Alguns países criaram. A França tem mesmo no âmbito judiciário estruturas especializadas. No Brasil o que foi feito, e isso foi algo já em 2003, foi a criação de várias dessas estruturas especializadas em primeira instância no processo de julgamento de crime organizado e crime de lavagem de dinheiro e isso ajudou bastante a reduzir a anomalia de processos que duravam uma eternidade ainda na primeira instância.

Há diferenças entre a forma com a Esquerda e a Direita vêm a corrupção? Na Europa — e Portugal é um bom exemplo — existe a ideia de que a corrupção existe tendencialmente à Direita, devido ao liberalismo económico e à defesa do mercado. E que a Esquerda, ao defender uma maior intervenção e regulação do mercado pelo Estado, está mais protegida. Os casos de Lula e de Sócrates provam o contrário?

Não se pode pensar na corrupção governamental numa perspetiva político-partidária ou ideológica. Acho que se corrompem tanto políticos da direita como políticos da esquerda, como políticos de qualquer outro espectro. Não acho que exista qualquer correlação necessária ou maior incidência de práticas de corrupção num espectro político ou outro. Simplesmente temos que ter presente o reconhecimento de que nós temos as nossas virtudes, mas nós também temos os nossos vícios e as pessoas são suscetíveis à corrupção, especialmente as pessoas que ocupam posições de poder. Existe aquela famosa frase: “o poder corrompe”. Isso é um tanto quanto verdadeiro.

No caso do ex-presidente [Lula da Silva], o que tem que ser entendido é que ele foi condenado em várias instâncias do Brasil num caso em particular e depois ele já foi condenado noutros casos. Ele [Lula da Silva] foi presidente do Brasil num período em que a empresa pública Petrobrás foi literalmente saqueada por agentes políticos escrupulosos e isso tinha também com objetivos políticos. Claro que se lamenta que uma figura que fez coisas meritórias na política tenha esse destino, mas muito do que se vê, às vezes até fora do Brasil, parte também de um pressuposto ideológico como se fosse alguma espécie de enfrentamento entre direita e esquerda quando isso é absolutamente falso. Isso foi decidido por tribunais, com base em provas e tribunais independentes e imparciais, inclusive tribunais que tiveram a sua composição formada por indicações do próprio ex-presidente.

O Presidente Bolsonaro disse há umas semanas que tinha um compromisso para o dr. Moro ir para o Supremo Tribunal Federal. Uma pergunta hipotética: o dr. Moro considera que cumpre a condição da independência para julgar casos da Lava Jato ou outros casos relacionados com políticos depois do sr. ter sido membro do Poder Executivo? Não há aqui uma promiscuidade entre o Judiciário e o Executivo?

Já falei publicamente: não houve nenhuma espécie de condição nesse sentido. O presidente [Bolsonaro] fez uma declaração num momento em que me queria fortalecer politicamente por questões internas do Brasil. Talvez o presidente [Bolsonaro] sinta-se com um compromisso, porque afinal de contas eu abandonei 22 anos da magistratura para ingressar no Executivo. Mas o meu propósito ao ingressar no Executivo foi consolidar os avanços anti-corrupção no Brasil, perenemente ameaçados, e também avançar a pauta contra crimes violentos e crime organizado, que são igualmente importantes. No que se refere à questão do Supremo, não existe uma vaga atualmente, então acho que um debate sobre a minha eventual ida ao Supremo Tribunal Federal é um debate absolutamente prematuro. Nunca houve uma condição dessa espécie [para Sérgio Moro ir para o Governo].

Agora, já teve no passado também outros ministros [nome dado a juízos conselheiros no Brasil] que vieram do Executivo e nem por isso deixaram de exercer a sua função com independência.

Visto de Portugal, parece que o Brasil vai ficar igual aos Estados Unidos em termos de lei de porte de arma. O senhor tem dito que o texto da lei da flexibilização do porte de arma foi escrito essencialmente pelo gabinete do presidente Bolsonaro. Identifica-se com essa proposta ou preferia uma versão mais conservadora?

Olha, em relação a esse tema, eventuais divergências que eu tenha em relação ao texto são mantidas dentro da discussão, antes da elaboração do texto. O O texto da lei parte do Governo e, então, é um ato do Governo.

O dr. Moro é dos ministros mais populares do Governo Bolsonaro — tem até mais popularidade do que o próprio presidente. Em termos internacionais, também é visto como uma cara da Justiça que luta contra os poderosos. Não receia que a sua imagem fique beliscada pela sua passagem pelo Governo de Bolsonaro?

Não creio. Fui para o Executivo com um objetivo bem específico: consolidar os trabalhos anti-corrupção e avançar nessas outras pautas, e parece-me que é algo que estamos a conseguir realizar passo a passo. Por exemplo, temos fortalecido a Polícia Federal, temos deixado a Polícia Federal trabalhar com absoluta autonomia e, por outro lado, tem havido uma redução na criminalidade violenta no Brasil desde o início do ano — ainda é muito cedo para ser uma avaliação definitiva, mas tem havido uma redução. A convergência com o presidente no que se refere a esse aspeto — de sermos firmes contra a corrupção, a criminalidade violenta e criminalidade organizada, observado o devido processo — é absoluta. Havendo essa convergência de pauta, me sinto absolutamente tranquilo.

Recordo-me que, quando nos conhecemos aqui no Estoril há dois anos, o sr. disse-me que não estava no seu pensamento passar para a política. Tinha ao seu lado o dr. António Di Pietro (ex-procurador que liderou a Operação Mãos Limpas no Brasil) que tinha passado por essa experiência. Acabou por ir para o Governo Bolsonaro. A minha pergunta agora é outra: candidatar-se à Presidência do Brasil está nos seus planos?

Não, não existe nenhuma perspetiva dessa espécie. Na verdade, fui para um cargo dentro do Executivo afeto à minha área de trabalho que é a Justiça e Segurança Pública. Considero-me muito mais um técnico dentro do Ministério, dentro do Governo, do que um político. Não estou filiado a nenhum partido e a minha pretensão é basicamente fazer esse trabalho. O Brasil avançou muito nesses últimos cinco anos em matéria anti-corrupção, mas sempre trabalhamos com espectro de que em algum momento a mesa seria virada. Como alguns países vivenciaram experiências em que tiveram avanços significativos e, de repente, tem uma virada de mesa. Veja lá a discussão que existe hoje na Guatemala, por exemplo. Estando no Governo terei uma posição de maior força para poder não só impedir retrocesso como também avançar essa pauta. Acho que é uma causa que vale a pena.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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