Lula e Dilma com a ralé ideológica continental. |
O lulopetismo não se limitou ao que poderíamos chamar de versão “suave”
do socialismo, a do Estado provedor e intervencionista, mas também
aplicou uma versão “dura” desse ideário, ressalta o editorial da Gazeta do Povo desta noite:
No instante seguinte ao momento em que o presidente Jair Bolsonaro,
no parlatório do Palácio do Planalto, afirmou colocar-se “diante de toda
a nação, neste dia, como o dia em que o povo começou a se libertar do
socialismo”, vários de seus críticos lançaram a pergunta: que socialismo
era esse de que os brasileiros, por meio da eleição de Bolsonaro,
estariam se livrando? O tom de ironia era aquele mesmo que, durante a
campanha eleitoral, transformou em piada a “União das Repúblicas
Socialistas da América Latina” que o candidato Cabo Daciolo citou em
pergunta a Ciro Gomes no primeiro debate entre os postulantes à
Presidência. Mas, ao contrário da “Ursal”, que já nasceu como deboche, o
socialismo que Bolsonaro descrevia em seu discurso não tinha nada de
imaginário – a começar pelo fato de o país ter sido governado, durante
três mandatos e meio, por um partido que, no primeiro artigo de seu
estatuto, se propõe a construir o “socialismo democrático” (o que quer
que isso signifique).
A mentalidade do Estado provedor, aquele que toma para si a tarefa de
resolver os problemas da sociedade, não chegou ao Brasil com o petismo –
é bem anterior a ele. Em um país marcado pela pobreza como o nosso, era
quase inevitável que a Constituição de 1988 fosse profundamente marcada
pela ideia do protagonismo do poder público na garantia de padrões
mínimos de dignidade humana e na oferta de serviços essenciais,
considerados como “dever do Estado”. Décadas antes disso, no pós-Segunda
Guerra, diversas nações europeias já haviam adotado o Estado de
bem-estar social (ou Welfare State) baseado na social-democracia.
E não é difícil entender por que esse ideário é palatável a muitos
que têm ojeriza ao socialismo, já que o Welfare State pretende, em tese,
combinar o respeito ao livre mercado com uma forte preocupação social.
Além disso, mesmo programas de caráter mais social, como o Bolsa
Família, não deixam de seguir a lógica dos vouchers defendidos por
muitos teóricos do liberalismo econômico. É inegável que o combate à
pobreza efetivamente exige certa distribuição de renda, especialmente no
caso dos mais miseráveis, e aceitar a ação estatal nesta área ainda
está longe de configurar uma adesão ao socialismo.
Mas, quando o Estado se assume como a fonte primária da assistência
social ou de serviços como saúde e educação, ele cobra um preço muitas
vezes invisível, mas sempre alto. A sociedade é lentamente atrofiada,
acomodando-se sob o argumento de que paga seus impostos para receber de
volta esses serviços, enquanto espera e exige cada vez mais Estado. Se
de fato é preciso haver um retorno digno dos tributos pagos, isso não
significa que o protagonismo na área social deva ser do Estado; essa
tarefa é da sociedade, que o Estado socorre de forma subsidiária, quando
percebe que as instâncias inferiores têm dificuldade em cumprir
determinadas tarefas.
Além disso, o poder público, na condição de provedor, frequentemente
se coloca na posição de exigir em troca a anuência da sociedade em
outros temas, nos quais o intervencionismo assume ares dignos dos
regimes ostensivamente socialistas. É assim que, por exemplo, o Canadá e
nações escandinavas têm avançado cada vez mais no sentido de limitar o
poder das famílias sobre a educação moral das crianças – em um caso
extremo, uma família perdeu (e depois recuperou) a guarda dos cinco
filhos na Noruega, após a denúncia de um diretor de escola que
discordava das convicções religiosas da família.
Não são poucos os que argumentam que o PT no poder foi mais
social-democrata que propriamente socialista. Mas o petismo não se
limitou ao que poderíamos chamar de versão “suave” do socialismo, a do
Estado provedor e intervencionista. Uma versão “dura” dos ideais
socialistas também foi aplicada no Brasil durante o petismo. O
empresário não é mais o “burguês” da terminologia marxista clássica, mas
continuou a ser demonizado na figura do “patrão” sempre inescrupuloso,
que precisava ter suas asas cortadas pela hiper-regulamentação e pela
vigilância constante – consequentemente, o protagonismo na atividade
econômica jamais poderia ser da iniciativa privada, mas do Estado, onde
isso fosse possível. As políticas identitárias e um necessário combate à
discriminação sofreram uma distorção que levou à divisão da sociedade
em vários compartimentos tratados como antagônicos, fomentando
rivalidades. E, por fim, o petismo não hesitou em direcionar recursos do
país no apoio a outros regimes socialistas, ditatoriais ou não, em
atitude de camaradagem ideológica, e não de atenção ao interesse
nacional.
Tudo isso, claro, sem que um único tiro precisasse ser disparado.
Afinal, já há mais de meio século o arcabouço teórico socialista
dispensou os meios violentos para se impor o socialismo em uma nação. O
italiano Antonio Gramsci traçou o roteiro pelo qual os socialistas
conseguiriam fazer prevalecer o seu ideal, começando pela tomada de
espaços em instituições como a escola, a imprensa e as igrejas, para
assim criar o ambiente intelectual que permitiria a ascensão dos
socialistas ao poder usando as ferramentas da democracia. E, uma vez ali
instalados, levariam a ocupação de espaços à máquina pública, até que
todo cargo relevante estivesse nas mãos dos socialistas, estrangulando
lentamente o que pudesse apresentar algum tipo de resistência. Esse
programa foi levado a cabo pelo lulopetismo e só falhou, segundo o
próprio PT, porque o partido não conseguiu colocar o cabresto na
imprensa, no Ministério Público, na Polícia Federal e nas Forças Armadas
– a constatação está em resolução do partido aprovada em maio de 2016,
com Dilma Rousseff já afastada provisoriamente da Presidência.
Portanto, podemos concluir que ainda há muito “socialismo” do qual o
Brasil realmente precisa se libertar. Não será tarefa fácil, pois a
estratégia gramsciana continuará a ser aplicada país afora, e não
faltarão tentativas de trazer de volta esse ideário ao poder. É ótimo
que o governo esteja disposto a combater uma ideologia que atrofia a
sociedade, desrespeita direitos básicos das famílias e chega a produzir
miséria e tirania. Mas o aparato estatal não pode chegar a todo lugar – e
nem é desejável que isso ocorra. Bolsonaro, em seu discurso, não disse
que seria ele a libertar o Brasil do socialismo, mas “o povo”. A
sociedade é que tem de perceber os males dessa ideologia e assumir seu
papel na construção da democracia, no estímulo à livre iniciativa e ao
associativismo, no repúdio à divisão da sociedade, na defesa das
liberdades e convicções dos indivíduos e das famílias. Sem isso, os
esforços de qualquer governo naufragarão.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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