quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Ideólogos austríacos do liberalismo defendiam a intervenção-proteção estatal


Resultado de imagem para karl popper frasesChristian Cardoso
No recente artigo a propósito da passagem referente à “defesa intransigente do liberalismo econômico” pelos acadêmicos nascidos no Império Austro-Húngaro entre o final do século 19 e o início do 20, entre eles Ludwig von Mises (1881-1973), Friedrich Hayek (1899-1992) e Karl Popper (1902-1994), é importante registrar que as dimensões da liberdade na teoria popperiana não excluem (ao contrário, pressupõem) a intervenção-proteção estatal, conforme registro a seguir, em caráter meramente exemplificativo e não-exaustivo.
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O PROTECIONISMO DO ESTADO
Karl Popper

[…] A concepção do Estado que aqui delineei pode ser chamada “protecionismo”. O termo “protecionismo” tem sido muitas vezes utilizado para descrever tendências opostas à liberdade. Assim, o economista entende por protecionismo a política de proteger os interesses de certas indústrias contra a competição; e o moralista entende por ele o pedido de que os funcionários do estado estabeleçam uma tutela moral sobre a população.
Embora a teoria política que chamo protecionismo não se ligue a qualquer dessas tendências, embora seja ela fundamentalmente uma teoria liberal, creio que o nome pode ser empregado para indicar que, liberal embora, nada tem ela a ver com a política da estrita não-intervenção (muitas vezes, mas não de todo corretamente, denominada “laissez faire”).
Liberalismo e interferência do estado não se opõem mutuamente. Ao contrário, qualquer espécie de liberdade será claramente impossível se não for assegurada pelo Estado. Certo grau de controle do estado é necessário, por exemplo, na educação, para que os jovens sejam protegidos de uma negligência que os tornaria incapazes de defender sua liberdade,  o Estado deve cuidar de que todas as facilidades educacionais estejam ao alcance de todos. Demasiado controle do estado em qüestões educacionais, porém, é um perigo fatal para a liberdade, pois deve levar à doutrinação.
Como já antes indicamos, a importante e difícil questão das limitações da liberdade não se pode resolver mediante uma fórmula seca e cortante. E o fato de sempre haver casos fronteiriços, longe de assustar-nos, deve converter-se em mais uma coluna de nossa posição, visto como, sem o estímulo dos problemas políticos e das lutas desse tipo, a presteza dos cidadãos em lutarem por sua liberdade logo desapareceria e, com ela, a própria liberdade.
(Encarado a esta luz, o suposto choque entre liberdade e segurança, isto é, uma segurança garantida pelo Estado, surge como uma quimera. De fato, não há liberdade se não for assegurada pelo Estado; e inversamente só um Estado controlado por cidadãos livres pode oferecer alguma segurança razoável.)
Assim exposta, a teoria protecionista do Estado acha-se liberta de quaisquer elementos de historicismo ou essencialismo. Não diz que o Estado se originou como uma associação de indivíduos com uma finalidade protecionista, ou que qualquer Estado existente na história tenha sido conscientemente governado com esse alvo em vista. E nada diz a respeito da natureza essencial do Estado, ou acerca de um direito natural à liberdade. Nada também diz sobre o modo pelo qual o Estado efetivamente funciona. Formula uma exigência política, ou, mais precisamente, uma proposição para a adoção de determinada política.
Suspeito, porém, de que muitos convencionalistas que descreveram o Estado como originando-se de uma associação para a proteção de seus membros pretenderam expressar essa própria exigência, embora o fizessem em linguagem desajeitada e confusa — a linguagem do historicismo. Maneira similar e confusa de exprimir essa exigência é asseverar que, essencialmente, a função do Estado é proteger os seus membros, ou afirmar que o Estado se define como uma associação de proteção mútua. Todas essas teorias devem ser traduzidas, por assim dizer, para a linguagem de exigências e proposições de ações políticas, antes de poderem ser discutidas seriamente. De outro modo, serão inevitáveis discussões infindáveis, de caráter meramente verbal.
(POPPER, Karl Raimund. A sociedade aberta e seus inimigos: o fascínio de Platão. v. 1. Coleção Espírito do nosso tempo. Trad. Milton Amado. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1974. p. 126-127) [destaques em itálico no original; destacamos em negrito].

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