Há competência na maioria dos eleitores para escolher um presidente?, pergunta-se Luiz Felipe Pondé em sua coluna na FSP e Gazeta do Povo. Eis a resposta:
O número de títulos recentes que trazem um olhar cético sobre a
democracia cresce. No caso específico que analiso aqui, esse olhar
cético cai sobre a figura do eleitor. Não conhecemos nenhum sistema
político melhor, mas isso não deve nos impedir de refletir de forma
menos apaixonada sobre a democracia.
Existem dois modos de se fazer ciência política. Um primeiro, mais
conhecido, pensa a democracia como projeto a ser aperfeiçoado nas suas
virtudes. Modo muito necessário, que não é posto em dúvida por nenhum
autor que represente uma abordagem mais empírica e cética da ciência
política (este é o segundo modo de se fazer ciência política). As
virtudes da democracia são o voto, os limites institucionais do poder
representativo, a liberdade, a autonomia dos poderes, enfim, os pesos e
contrapesos.
Bartels e Achen, em 2016, no seu Democracy for Realists (Democracia
para Realistas), com sólida base empírica, nos chamavam a atenção para o
fato de que a democracia é carregada de expectativas míticas (“folk
theory of democracy“). Uma delas é que eleitores com maior formação
educacional fazem escolhas “melhores” ou escapam de viés ideológico
pesado na sua prática como eleitor. Pelo contrário, sabemos que muitos
intelectuais, professores acadêmicos e jornalistas (os especialistas)
votam a partir de cargas ideológicas latentes ou explícitas muito
distantes do que se poderia chamar de escolhas racionais. Insistências
em partidos e ou candidatos duvidosos são frequentemente objeto de culto
devocional por parte de especialistas. Isso é óbvio.
Pessoas não especialistas não dispõem de tempo ou interesse
prioritário dedicado a política e eleições. Na maioria das vezes estão
morrendo, enterrando mortos, casando ou separando, tendo filhos e
pagando contas demais para dar atenção ao tema. Segundo nossos dois
autores, a maioria esmagadora das pessoas, quando se envolvem e debatem
política, o fazem para reforçar suas crenças e destruir as dos outros,
como as mídias sociais deixam muito claro.
Outra obra, ainda mais cética, também de 2016, escrita por Jason
Brennan, Against Democracy (Contra a Democracia), vai mais longe em seu
ceticismo para com a competência do eleitor. Os inteligentinhos não
devem entender o título do livro ou a discussão que ele traz como uma
proposta tosca de sistemas totalitários.
A dúvida de Brennan, que apresento aqui apenas em um dos seus
aspectos, é se há competência na maioria esmagadora dos eleitores para
decidir quem deve fazer a complexa gestão das sociedades. Brennan nos
apresenta uma tipologia lúdica, mas nem por isso menos potente.
Os eleitores estariam divididos em três tipos. Os dois primeiros,
representantes da maioria esmagadora; o terceiro, uma figura
extremamente rara entre os eleitores. O primeiro são os “hobbits“,
eleitores sem nenhum conhecimento sobre política ou temas como gestão de
governo. Costumam ser desinteressados e votam de modo absolutamente
inconsistente. Estes são disputados a ferro e fogo (por conta de seu
peso numérico) pelo segundo tipo, os “hooligans“, eleitores aguerridos,
com maior conhecimento de política, mas absolutamente enviesados
ideologicamente, e cegos a qualquer crítica ao seu modo de pensar. O
Brasil está tomado por “hooligans” nas mídias sociais. Agressivos,
assertivos e impermeáveis a qualquer racionalidade cética em relação às
suas crenças.
Por último, os “vulcanos” – referência ao personagem do planeta
Vulcan, Mr. Spock, do filme “Jornada nas Estrelas”, conhecido por sua
inteligência superior, científica, sincera e racional. Um tanto blasés,
bem informados e sem viés ideológico, não têm nenhum impacto nos
resultados eleitorais, devido ao seu caráter numérico insignificante e à
sua visão complexa da política. Em tese, salvariam a democracia de sua
derrocada populista. Mas, infelizmente, são raríssimos. E a democracia é
um regime de quantidades.
Outra obra cética é People vs Democracy (Povo x Democracia), de
Yascha Mounk, essa de 2018. Para o autor, existem duas grandes ameaças à
democracia. A primeira vem do caráter populista dela e de como as
mídias sociais empoderam o indivíduo em sua tentação populista.
Democracias podem eleger líderes muito populares e muito autoritários.
Outra ameaça são agências como o Banco Central Europeu esvaziar o voto
por considerá-lo irrelevante e incompetente em assuntos econômicos.
Alguém discordaria que o cidadão comum não entende nada de economia
complexa?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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