Se o apresentador William Bonner tivesse aceitado ler a cartilha no ar,
não precisaria mais do que alguns segundos para entender os buracos na
proposta de Ciro. As contas são toscas e partem de premissas
irrealistas. Em termos de economia, de fato, Ciro é um Dilmo. A
propósito, Guido Orgis, para a Gazeta do Povo:
Foi durante sua entrevista ao Jornal Nacional, na segunda-feira (27),
que o candidato Ciro Gomes (PDT) anunciou o lançamento de uma cartilha
explicando o que é, até agora, sua principal promessa eleitoral: retirar
o nome de milhões de pessoas do SPC ou Serasa, os serviços de proteção
ao crédito. O panfleto é uma prova de que ele não sabe como cumprir a
promessa.
Se o apresentador William Bonner tivesse aceitado ler a cartilha no
ar, não precisaria mais do que alguns segundos para entender os buracos
na proposta de Ciro. As contas são toscas e partem de premissas
irrealistas. E o projeto está ancorado em um sistema de garantias que só
funciona em pequena escala.
A proposta da renegociação de dívidas apareceu em um debate, sem
detalhes. Ciro prometeu entregar o como fazer na sequência, o que se
concretizou com a cartilha que é a estrela de seu site de campanha. Ela
traz alguns números que o candidato já vinha frisando. Há no Brasil 63
milhões de CPFs no SPC e a dívida média é de R$ 4,2 mil. Até aí, está
correto afirmar que temos no país um grupo grande de endividados. O que
fazer?
Para Ciro, a coisa é muito simples. Basta dizer aos credores que eles
precisam dar um desconto de 70% nas dívidas porque a maior parte é
composta por juros, taxas e afins. Sobram em média R$ 1,4 mil por
cabeça. Aí você pega os bancos públicos e parcela o que sobra em 36
vezes. Daria menos de R$ 40 por mês. O pagamento começaria três meses
depois da renegociação.
Vejam que a conta foi feita com juro zero. Ou seja, os bancos
públicos teriam de topar financiar até 63 milhões de empréstimos com
juro zero para receber o principal em 39 meses. E Ciro ainda diz que
eles vão ganhar dinheiro na operação. Pelo que está na cartilha, isso só
ocorreria por milagre.
Fora o fato de a conta ter sido feita sem juros, Ciro ainda propõe
que os bancos façam um novo sistema de garantias para o caso (muitíssimo
provável) de haver inadimplência, o chamado aval solidário. Ele
funciona da seguinte forma: um pequeno grupo de pessoas (de cinco a dez)
toma empréstimos garantidos um pelo outro. Se um não pagar, o resto do
grupo banca a inadimplência. Isso é usado por ONGs de microcrédito
solidário, em que pessoas de uma comunidade alavancam sua capacidade de
tomar crédito de forma coletiva.
Transformar esse sistema de pequena escala (necessariamente, porque
as pessoas do grupo precisam se conhecer para saberem a quem estão dando
garantias) em um formato para milhões de devedores parece inviável.
Imagino centenas de pessoas na fila do SPC formando grupos para chegar à
garantia proposta pelo plano de Ciro. E também imagino que a maioria
não queira assumir o risco de garantir o empréstimo dos outros.
Assim, os bancos públicos estariam expostos, pelo que está na
proposta, a empréstimos longos, feitos com juros zero e garantias
duvidosas. Em um volume extremamente perigoso para o sistema financeiro,
já que no limite estaríamos falando de mais de R$ 80 bilhões (63
milhões de CPF e dívida média de R$ 1,4 mil, na conta otimista do
candidato). Para dar uma dimensão de quanto representa, a Caixa teve um
lucro líquido de R$ 12,5 bilhões no ano passado e mesmo assim precisou
pedir um aporte ao governo de R$ 1 bilhão neste ano para cumprir as
regras de capital exigidas pelo Banco Central.
Os bancos públicos já foram bastante expostos nos anos recentes a
decisões erradas do governo. O Banco do Brasil foi usado como ferramenta
para agradar ao agronegócio e quase entrou em um perdão bilionário de
dívidas. E a Caixa encara o fardo de levar nas costas programas como o
Minha Casa Minha Vida, no qual a inadimplência é elevada.
Para colocar bilhões no programa de Ciro, os bancos só têm dois
caminhos: recorrer ao mercado e pagar juros no dinheiro que levantarem,
ou pedir para o governo. Na primeira hipótese, não há como bancar juros
zero ou mesmo abaixo do praticado pelo mercado sem em algum momento isso
se tornar um prejuízo para os bancos. O governo só entra com o dinheiro
depois, quando eles precisarem de aporte. No segundo caso, o governo só
usa os bancos como instrumento de assistência social, com dinheiro do
orçamento.
A questão que fica, no fim, é que o candidato não prova em sua
cartilha como fazer o milagre da renegociação sem o governo entrar com
dinheiro público, como disse que faria. E a sociedade tem o direito de
questionar se esse seria o melhor uso para os impostos, já que a
renegociação de dívidas ocorre no mercado sem que haja interferência do
governo. O problema de verdade é a falta de emprego da população
endividada para fazer essa negociação.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário