quarta-feira, 1 de novembro de 2017

A desmoralização da Justiça


"Gilmar Mendes faz o que bem entende. Seus colegas do Supremo fazem o que bem entendem. Desmoralizam todos os dias a Justiça. Continuarão assim". Texto de J. R. Guzzo, publicado em Veja.com:
O ministro Gilmar Mendes é uma aberração. Trata-se de fato público, exposto aos olhos e ao conhecimento de todos – é algo que pode ser verificado a qualquer momento do dia ou da noite, através de simples consulta ao seu currículo e às suas decisões como juiz no STF. Está tudo lá. Gilmar é proprietário de uma faculdade particular de direito, que cobra anuidades dos alunos, cobra “patrocínio” de empresas (incluindo a fabulosa Friboi) para fazer eventos, cobra repasses de verbas do governo, cobra da Caixa Econômica Federal para colocar propaganda no seu site. Julga causas do escritório de advocacia em que trabalha a sua mulher. Viaja em dias de expediente. Fala sobre causas e questões que estão ou podem estar em julgamento no Supremo. E quase sempre, para ir ficando por aqui, dá decisões que são uma bênção para ladrões de colarinho branco e bolsos cheios de dinheiro.

Seu último feito, em mais um insulto direto a juízes e promotores que tomam medidas contra réus de primeira linha, foi anular a decisão de um juiz do Rio de Janeiro que determinou a transferência do ex-governador Sérgio Cabral para uma prisão em Mato Grosso. Cabral, que já está condenado a 72 anos de prisão por roubo serial, ameaçou o juiz numa audiência, goza de privilégios no sistema penitenciário do Rio (no qual mandava até outro dia) e sente-se à vontade para desafiar a justiça na hora em que bem entende – como se tivesse certeza de que nada pode lhe acontecer. Gilmar ficou do lado dele.

Ninguém pode dizer que é surpresa. O que chama a atenção é a insistência do ministro em manter a sua conduta. Porque ele faz tanta questão de agir como tem agido? Um dia, mais cedo ou mais tarde se saberá. Por enquanto, o que se sabe com certeza é que Gilmar é hoje o grande herói dos políticos brasileiros, de Lula ao extremo anti-Lula; com ele todos têm direito a uma esperança.

O ministro, por sua vez, pode contar com todos eles. Seus atos comprovam, além de qualquer dúvida, o absurdo ofensivo da lei que garante o cargo vitalício para ministros do STF – ou seja, essa gente (e outros tantos) fica lá pelo resto da vida, e não responde a absolutamente ninguém pelos seus atos. Porque não têm um prazo delimitado para exercerem suas funções? No Exército não existem generais vitalícios. No Itamaraty não existem embaixadores vitalícios. Lá, bem como em outros lugares da máquina pública, o tempo cura tudo. No STF não. Suas Excelências podem fazer o que bem lhes der na telha, e ninguém pode reagir. Estão todos tranquilos, ali, pois só uma nova lei poderia acabar com o cargo eterno – e são os políticos, justamente, os únicos que podem aprovar essa lei. Congresso e Supremo Tribunal Federal: tudo a ver.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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