Coluna de Luiz Felipe Pondé, publicada na FSP, sobre os peladões da "arte" grotense:
O mundo
em rede mostra sua cara: uma epidemia de histeria. Não posso deixar de
achar engraçado grupos culturais à esquerda ficarem histéricos com a
também histeria de grupos "defensores" dos bons costumes, provavelmente
mais à direita, acerca de algumas manifestações artísticas nos últimos
tempos no Brasil.
Ouvir
alguém à esquerda falar em "defesa da liberdade de expressão" na arte só
pode ser má fé ou falha de memória depois da invenção do politicamente
correto. O que há de "novo" nesse debate histérico acerca de nudez,
"Jesus transexual", e "Queermuseu" é o fato de que, agora, quem se
levanta contra a liberdade de expressão são grupos à direita do espectro
político.
A
direita aprendeu a usar o Ministério Público pra suas manifestações de
autoritarismo. A esquerda tem espancado a liberdade de expressão há anos
com suas intervenções em nome de um mundo melhor. Não tem nenhuma moral
pra reclamar da "nova censura" praticada pela direita, depois dela,
esquerda, ter exercido tanto sua "velha censura" politicamente correta.
Os
eventos iluminam muitos aspectos, para além do que dominou o debate na
maior parte do tempo: a censura moralista x a arte "libertária". Para
quem olhar pra nossa época com as lentes do ridículo, vivemos num mundo
rico em fenômenos antropológicos.
Com a
história do pelado do MAM, logo passamos a debater o comportamento dos
pais: seria a mãe a "culpada" da história? Caberia a suspensão por tempo
limitado do seu poder familiar? Entregaríamos a criança ao "lindo"
Estado? O que é esse "lindo" Estado? Burocratas teóricos babando pra
exercer seu poder moral sobre os cidadãos indefesos.
Com
relação aos pais, suspeito que nunca caminharam sobre a Terra adultos
menos capazes de lidar com crianças. Ao mesmo tempo em que educam seus
filhos para um mundo irreal em que nunca haveria guerras, ódios
(bastando aprender a abraçar árvores nas escolas e a ver no "outro"
sempre gente legal disposta ao "diálogo"), entram em pânico com tudo,
filmando cada centímetro de ar respirado pelo filho.
Projetam
neste infeliz a pessoa evoluída que eles, os pais, acreditam que são no
fundo das suas almas. Consultam especialistas e a internet pra saber o
que significa cada ruído emitido pela criança.
Fôssemos nós, sapiens contemporâneos, no alto paleolítico, os neandertais teriam levado a melhor.
Não é à
toa que grande parte dos mais jovens dizem não querer ter filhos.
Estamos, passo a passo, assumindo nossa incapacidade para cuidar dos
mais jovens, apesar da histeria toda e da falação sobre crianças.
Aliás, essa falação é indício já da nossa decisão silenciosa: se as crianças nos cansam tanto, melhor não tê-las.
Outro
detalhe "colateral" desses fatos é o horror que causa a manifestação do
"povo" sempre que aparece. Os inteligentinhos, em seu mundinho feito de
pessoas bacanas como eles, detestam o moralismo barato do povo comum.
A
maioria das pessoas não entendem a razão de um cara adulto ficar pelado
em público. E, quando alguém vai tentar explicar, se enrola todo em
conceitos superabstratos que se afastam do português dos mortais.
Aliás,
ficar pelado em público é coisa ultrapassada mesmo. Só choca quem quer
fazer tipo. Erotismo não é, mesmo. Erotismo tem mais a ver com o corpo
coberto do que nu. Os idiotas ocidentais se esqueceram disso.
Toda vez
que "o povo" fala, ficamos chocados com sua moral "tacanha". O povo
acha que criança não deve ver gente pelada, que Jesus é homem mesmo, e
coisas afins.
Sobre o
"Jesus transexual", teria uma coisinha a acrescentar. Lembro-me que, na
época do massacre na Charlie Hebdo, muitos inteligentinhos, que agora
ficaram horrorizados com os cristãos que gritaram contra seu herói ser
representado por um transexual, afirmarem que devíamos respeitar os
sentimentos dos muçulmanos.
Pois
então. Que tal montarem uma peça com um Maomé transexual? Teriam eles
coragem de fazer isso? Como reagiria a comunidade islâmica brasileira e a
mundial?
Minha aposta é que não teriam coragem. O traço marcante do inteligentinho é a "coragem de salão".
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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