quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Afinal, porque a dívida pública é uma questão mantida sob tanto sigilo?


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Charge do Paixão (Gazeta do Povo)
Maria Lúcia Fattorelli
Em 2016, o pagamento de juros da dívida consumiu quase 44% dos recursos do orçamento federal. Apesar de todas as pessoas arcarem com o seu pagamento, sequer se sabe exatamente que dívida é essa, pois além da ausência de transparência, nunca foi feita a auditoria prevista na Constituição Federal. Sequer sabemos para quem estamos pagando os elevados juros, pois os credores são sigilosos, apesar de a Constituição determinar a publicidade de todo ato público. A Auditoria Cidadã da Dívida tem denunciado os graves indícios de ilegalidade, ilegitimidade e até fraudes descobertas pela CPI da Dívida Pública concluída em 2010, mas tudo isso é deixado de lado.
O estoque da dívida interna alcançou R$ 4,509 trilhões em dezembro de 2016 e seu crescimento brutal nos últimos anos (R$ 732 bilhões em 2015 e R$ 636 bilhões em 2016), deveu-se à destinação de recursos para cobrir operações ilegais:
  • pagamento de juros extorsivos, mediante artifício de contabilização de grande parte dos juros como se fosse amortização ou rolagem, burlando-se o Art. 167, III, da Constituição Federal, o qual impede a emissão de títulos da dívida para pagar despesas correntes, tais como salários e juros;
  • remuneração da sobra de caixa dos bancos, por meio das chamadas Operações Compromissadas realizadas pelo Banco Central, que superam R$ 1,1 trilhão, ou seja, cerca de 17% do PIB, e são remuneradas diariamente;
  • prejuízos do Banco Central com operações de swap cambial, consideradas ilegais, conforme representação de auditor do Tribunal de Contas da União (TC-012.015/2003-0).
A dívida pública tem crescido para servir a esses mecanismos, sem contrapartida alguma para a sociedade que arca com o seu pagamento, repetindo-se o padrão que vem ocorrendo desde 1822.
NOVOS ESQUEMAS – Recentemente, mecanismos ainda mais sofisticados de geração de dívida pública estão sendo criados. Trata-se de esquema semelhante ao que operou na Grécia e quebrou aquele país. Funciona mediante a utilização de empresa estatal não dependente que emite debêntures com garantia pública, a exemplo da PBH Ativos S/A em Belo Horizonte e a CPSEC S/A no estado de São Paulo. Já existem mais de cinquenta empresas desse tipo operando no País.
As debêntures dessas empresas são vendidas a investidores privilegiados que receberão juros estratosféricos. O ente público (estado ou município) oferece garantia real a esses papéis, de forma mascarada (debêntures subordinadas).
O rombo será enorme e, por tratar-se de empresas estatais, os entes federados serão chamados a honrar a garantia dada, gerando grandes volumes de obrigações onerosas que configuram dívida pública sem contrapartida alguma.
CONSULTORIAS – Esse negócio entrou no País por meio de consultorias especializadas, como a ABBA Consultoria e Treinamento, cujo responsável, Edson Ronaldo Nascimento, atuou também como assistente consultor do FMI, presidente da PBH Ativos S/A, superintendente executivo da Secretaria de Fazenda de Goiás, secretário de Fazenda de Tocantins, entre outros cargos estratégicos ocupados no Distrito Federal e no Tesouro Nacional. Assim o esquema se alastra.
A ex-presidente do parlamento grego, a advogada Zoe Konstantopoulou, participou de audiência pública no Senado Federal sobre o PLS 204/2016, um dos projetos que visa “legalizar” esse esquema no Brasil (na Câmara tramitam o PLP 181/2015 e o PL 3337/2015). Em seu histórico depoimento sobre os imensos danos causados por esse esquema, Zoe declarou que o Estado não deve existir para fazer negócios, mas, sim, garantir direitos humanos à população.
No Brasil, a dívida pública não tem funcionado como instrumento de financiamento do Estado, mas como um perverso mecanismo financeiro de subtração de recursos e submissão às imposições de organismos internacionais.
PRIVATIZAÇÕES – Além de sangrar os orçamentos públicos e exigir sucessivas privatizações de patrimônio público para seu pagamento, a dívida pública tem sido a justificativa para contínuas reformas que cortam direitos sociais (como a da Previdência) e modificações legais que garantem ainda mais privilégios para o setor financeiro, como as recentes Emendas Constitucionais 95 (que engessa o Estado por vinte anos para que sobrem mais recursos para os juros) e 93 (que aumenta para 30% a desvinculação de recursos da Saúde, Assistência e Previdência Social para destiná-los aos gastos com a dívida), entre outros, como o PLP 343/2017 que afeta profundamente os entes federados.
Os impactos sociais do Sistema da Dívida são evidenciados no recente relatório sobre o Índice de Desenvolvimento Humano divulgado pela ONU. O Brasil perdeu várias posições e está em 79o lugar, empatado com a ilha Granada.
OS BANCOS LUCRAM – Enquanto o País fica travado devido a essa sangria de recursos, os bancos lucram de maneira escandalosa. Estatísticas do próprio Banco Central demonstram que em 2015, apesar da desindustrialização, da queda no comércio, do desemprego e da retração do PIB em quase 4%, o lucro dos bancos foi 20% superior ao de 2014, tendo atingido R$ 96 bilhões, e teria sido 300% maior não fossem as exageradas provisões de R$ 183,7 bilhões que reduziram seus lucros tributáveis.
É inaceitável que um País tão rico como o Brasil seja jogado nessa crise financeira e econômica totalmente desnecessária, e amargue índices sociais tão humilhantes.
Já está mais que na hora de enfrentar esse Sistema da Dívida por meio de ampla auditoria, com participação cidadã, e redirecionar o modelo econômico para sairmos do cenário de escassez incompatível com o nosso gigante Brasil, marcado pela riqueza e abundância.
♦ Artigo enviado por Luis Hipólito Borges. A autora, Maria Lucia Fatorelli, é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida.
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