Para a plateia, todos
bancam os mocinhos, mas na vida real prevalecem interesses mesquinhos.
Assim é a política na terra dos Ésleys Safadões. No Blog de José Nêumanne:
Desarmado, inerme e
calado diante do tumulto, o cidadão comum, que se esforça, sua e sofre,
gostaria de saber por que Joesley Batista, de uma família de modestos
açougueiros de Anápolis, no Goiás de Íris & Íris Rezende, Carlinhos
Cachoeira, Demóstenes Torres e dos Caiados, tiraram a sorte grande desde
o começo. De marchantes dos ermos a reis do mundo da carne verde ou
seca, trilharam um caminho que deu na Quinta Avenida, com direito a
missa de domingo na Catedral de São Patrício. Enquanto isso, o tal
cidadão, que pagou a conta, está desempregado ou, se ainda não perdeu o
emprego, morre de medo de se juntar a quem mendiga seguro-desemprego ou,
no mínimo, trabalha o dobro para ganhar um terço do salário que um dia
já recebeu e, pelo visto, nunca mais será o mesmo.
Seria natural que ele
tivesse um herói a quem se agarrar, não para suplicar um lugar ao sol
de Manhattan, mas para pelo menos viver com um mínimo de dignidade, que
agora lhe é negado. Qual o quê? Apenas lhe resta ser exemplo para si
mesmo, pois nem aos próprios filhos pode vender seu modelo de
honestidade, que esse tipo de virtude no Brasil de hoje só pode dar uma
camiseta regata toda esburacada. No filme que vê diariamente nos
telejornais do dia a dia só atuam vilões da pior espécie, dos quais não
dá nem para comprar uma bicicleta usada e enferrujada recém-saída do
ferro-velho, quanto mais votar e pôr, de novo, nas mãos da gangue de
sempre toda a poupança nacional vilipendiada.
De claro mesmo só a
evidência de que os irmãos Batista e seus executivos, sócios e
empregados se saíram muito bem em sua trajetória de sanguessugas do
esforço coletivo. Na hora de delatar só pensaram no prêmio que iam
ganhar, com direito a ex-miss no tálamo e dupla sertaneja nas festas de
papai e mamãe. O patrocinador dessa farra toda é padim Lula de Caetés,
que os afilhados não hesitaram em delatar para desfrutar o bem-bom na
Big Apple e o convívio com os filhotes, matriculados em boas escolas e
com o futuro garantido por muitas gerações. Não precisaram, pelo menos
até agora, nem contar a verdadeira história do acúmulo daquilo que o
velho Marx, o barbudo a quem sempre recorrem os acólitos sabidos do
ex-sindicalista, batizou de mais-valia. Até agora ninguém ficou sabendo
como isso de fato aconteceu e esse é um relato para ser reproduzido na
história do crime no capitalismo selvagem.
Os Batistas não
caíram na armadilha de Marcelo Odebrecht, que demorou muito para delatar
e terminou pegando cana dura e brava. Nem repetiram o garoto esperto
Eike Batista, que resolveu dar uma de migué e entregar uns caraminguás
sem contar com a astúcia de Chapolim Colorado dos agentes policiais, que
não entraram em sua cantiguinha de cego. Resolveram contar tudo, sem
esconder nada, antes de algemas e tornozeleiras. Para isso, sabiam que
podiam contar com um agente da lei disposto a usar a própria expertise
em malandragem para se dar bem. E, assim, assim contrataram para ajudar a
preparar sua proposta de delação premiada justamente Marcelo Miller, o
procurador que era tido como o braço direito do procurador-geral Janot. O
ex-procurador saiu do Ministério Público Federal em março para
trabalhar no escritório Trench, Rossi & Watanabe, do Rio de Janeiro,
que, “por sorte”, não menos do que “por acaso”, presta serviços
advocatícios ao grupo delator. Quanta coincidência!
Os irmãos Esley
Safadões delataram outro procurador, que funcionava como um X 9 de dez
dedos, Angelo Goulart Vilella, pela nada módica quantia de R$ 50 mil por
mês. Mas, para a J&F, holding da JBS em que resultou o antigo
açougue de Zé Mineiro, pai dos alcaguetes mais finórios do país da
malandragem, Miller nunca teve nada que ver com a permanência dos
milhões nos saldos bancários dos marchantes bilionários.
Acredite quem quiser.
Mas o espetáculo precisa continuar. Sem faltarem oportunistas nesse
conto de carochinha de horror. O Ministério Público Federal (MPF) foi
tão camarada dos próprios colaboradores que nem se deu ao trabalho de
periciar a gravação que o generoso informante lhes deu com a prova dos
crimes do chefão do governo federal. O procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, endereçou ao relator da Operação Lava Jato no Supremo
Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Edson Fachin, o pedido de
investigação do presidente Michel Temer, sem titubear. E Fachin pôs seu
jamegão no papel, pois, afinal, o juiz, advertiu, só verifica a
legalidade da delação, sem discutir o prêmio a ser dado ao delator. No
meio da confusão, Jorge Bastos Moreno registrou no “Cantinho do Moreno”,
do Globo, que o relator passeou pelo Senado na companhia de Ricardo
Saud, um dos delatores da JBS, para conquistar a simpatia dos “varões de
Plutarco” amigos dos barões da proteína. Jura que não sabia que a
empresa era dada à delinquência. Talvez em 2015 só ele não soubesse, tão
inocente, diria o Compadre Washington. Mas, já avisou Marco Antônio
perante o cadáver de César, doutor Fachin “é um homem honrado”.
Não falta quem
discuta essa desculpa entre seus pares. Marco Aurélio Mello, interessado
em melar delações premiadas em geral e as da Lava Jato em particular,
logo avisou que quem sentencia é juiz, e procurador é parte. Na cola
dele veio o loquaz Gilmar Mendes que, apesar de presidir o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), tem tempo para dar diariamente seus showzinhos
de arrogância (“o Supremo somos nós”, à Luís XIV). Este engatou seu
vagão retórico na locomotiva do do primo de Collor e já aproveitou para
deixar claro que quer pegar carona no deslize de Fachin para
desautorizar a maioria do plenário, da qual até ele fez parte, para
presentear os advogados de grã-finos do Brasil com a volta atrás na
decisão da prisão de condenados após a segunda instância.
O colega Luís Roberto
Barroso chiou. E com razão. Quem negará a razão de seus pronunciamentos
ao UOL? O Judiciário não pode servir como “um instrumento para
perseguir inimigos e proteger amigos”, disse Barroso, agora que a Lava
Jato chegou a Michel Temer (PMDB) e Aécio Neves (PSDB). “A
jurisprudência não pode ir mudando de acordo com o réu. (…) Você só muda
a jurisprudência quando existe mudança na realidade ou na percepção
social do direito. Não aconteceu nem uma coisa nem outra.” De fato, a
realidade não se limita às opiniões dos líderes do mimo aos reis da
segunda instância, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio
Mello. “É preciso mostrar às novas gerações que o crime não compensa e
que o mal não vence no final. Será uma pena se o Brasil retroceder
nisso.” Aí é que mora o busílis. Quem é cavalgado sabe que ele está
certo e quer que sua opinião vença. Mas quem cavalga…
Não tenha ilusões de
que exista alguém nessa briga que esteja realmente empenhado em defender
a cidadania. O ministro Gilmar Mendes pretende somente facilitar a vida
de dois amigos em dificuldades: Michel Temer, presidente da República, e
Aécio Neves, ex-presidente nacional do PSDB. Nada tem que ver com
inocentes que eventualmente percam seu direito de defesa prolongado às
calendas pela eventual permissão de prisão apenas para condenados em
terceira instância, como propugna Dias Toffoli. Assim, o presidente do
TSE segue, confirmando uma parceria iniciada na Segunda Turma no plano
comum de liberar acusados do PSDB, de cujo governo (Fernando Henrique)
ele foi advogado-geral, e do PT, de cujo governo (Lula) Toffoli foi
advogado-gerao e a cujos filiados serviu de forma servil já como
ministro do Supremo, no julgamento do mensalão.
Contra a delação de
Joesley não são seus inimigos, mas os amigos de Temer, Aécio, Lula,
Dilma e outras vítimas de sua bocarra. A favor dela é quem quer ver
esses figurões pagar pelos delitos de que são acusados, seja em que
instância for. Quem conhece bem o Brasil sabe que não sai punição no
andar de cima da Justiça. Só na primeira instância. De resto, de boas
intenções, dizia minha avó, o inferno está cheio. No Brasil de hoje,
reprodução bastante próxima do inferno visitado por Virgílio, o poeta
romano e protagonista da Divina Comédia de Dante, só há agentes do
Estado com as intenções mais personalistas que existem. São todas
ótimas, mas só interessam a seus amigos, parentes, afilhados e
apaniguados. O resto é mera lorota. Sob qualquer pálio ideológico.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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