As primeiras reações ao ler qualquer texto redigido por Olavo de Carvalho, sejam excertos de seus livros, sejam artigos por ele produzidos, não costumam variar muito de um indivíduo para outro: ficar incrédulo, por vezes indignado, pensar "mas eu nunca ouvi falar disso" (como se a ignorância constituísse contra-argumento definitivo), ou até mesmo concluir que está-se diante de alguém "muito radical" e que estaria plantando teorias conspiratórias na cabeça do brasileiro.
Não é tarefa pouco traumática, de fato, perder a "virgindade intelectual" ao deparar-se com a obra do campineiro que por décadas pregou no deserto em Terra Brasilis, não apenas devido ao forte impacto que suas análises provocam em nosso distorcido senso comum, mas também (e principalmente) em decorrência do ineditismo de muitas de suas concepções e ideias.
O terreno (a base de conhecimentos solidificados) de nosso povo indefectivelmente encontrava-se despreparado toda vez que Olavo tentava semear um novo assunto até então totalmente oculto na academia e na mídia, gerando, destarte, muita resistência à assimilação de seus profícios.
Mas o tempo, invariavelmente, é um aliado do escritor. Sempre acabam vindo à tona evidências de que aquilo que ele alegava há muitos anos tinha mesmo fundamento, posto que cabe aqui salientar ao menos cinco temas cujo pioneirismo em abordá-los no Brasil custou-lhe a pecha de maluco - até que a realidade se impôs.
Trazer à baila tais tópicos nos dias atuais pode soar como chover no molhado, claro, já que depois que Colombo equilibrou o ovo em pé na mesa, qualquer um consegue também. Mas a antecipação com que nos despertou para tais discussões impressiona - e serve de lição sobre como proceder diante de seus próximos alertas.
Vamos a eles.
Com grande frequência vejo liberais e conservadores repetindo os slogans mais estúpidos do globalismo, como por exemplo o de que certos problemas – narcotráfico, pedofilia, etc. – não podem ser enfrentados em escala local, requerendo antes a intervenção de uma autoridade global. O contrassenso dessa afirmativa é tão patente que só um estado geral de sonsice hipnótica pode explicar que ela desfrute de alguma credibilidade. Aristóteles, Descartes e Leibniz ensinavam que, quando você tem um problema grande, a melhor maneira de resolvê-lo é subdividi-lo em unidades menores. A retórica globalista nada pode contra essa regra de método. Ampliar a escala de um problema jamais pode ser um bom meio de enfrentá-lo. A experiência de certas cidades americanas, que praticamente eliminaram a criminalidade de seus territórios usando apenas seus recursos locais, é a melhor prova de que, em vez de ampliar, é preciso diminuir a escala, subdividir o poder, e enfrentar os males na dimensão do contato direto e local em vez de deixar-se embriagar pela grandeza das ambições globais.
Continua portanto válida -- não obstante erros de detalhe, concernentes por exemplo à China --, a análise feita em 1924 por René Guénon (ele próprio um muçulmano) em Orient et Occident, segundo a qual o Ocidente só teria, daquele momento em diante, três caminhos a escolher: a reconquista da tradição cristã; a queda na barbárie e em conflitos étnicos sem fim; e a islamização geral. Os que pretendem defender o Ocidente na base do laicismo ou do ateísmo só concorrem para fortalecer a segunda alternativa, ante a qual a terceira pode surgir, mais dia menos dia, até como alternativa humanitária. A “civilização laica” não é uma promessa de vida: ela é a agonia de uma humanidade declinante que, um minuto antes da morte, terminará pedindo socorro ao Islam.
3) Importância dos valores culturais para o desenvolvimento econômico (artigo de 2001):
O que distinguiu o capitalismo moderno, surgido nos Países Baixos na época da Reforma, foi um conjunto de condições culturais, morais e políticas que, na ausência de forças políticas reguladoras da vida social, permitiram que o próprio mercado assumisse o papel de regulador. Mas não de regulador autocrático. Os principais fatores daquele conjunto eram a homogeneidade dos valores morais vigentes (cristãos e judaicos) e a inexistência de um poder central coercitivo: o acordo interior, na ausência de coerção externa. Tais foram as bases éticas que, como bem viu Adam Smith, fundamentavam a economia de mercado sem que esta, por si, pudesse criá-las. Foi a presença dessas condições que favoreceu o desenvolvimento do capitalismo nos países protestantes e o inibiu nos países católicos, de forte autoridade central.
4) Foro de São Paulo (artigo de 2002, mas há textos seus correlatos datados de 1996):
O Lula que os brasileiros elegeram não é o mesmo que fundou e há doze anos lidera o Foro de São Paulo, entidade criada para coordenar as ações legais e ilegais do movimento comunista no continente, que tem entre suas fontes de sustentação financeira o narcotráfico das Farc e os sequestros do MIR chileno.
5) A disputa PT x PSDB é uma briga interna da esquerda (artigo de 2006):
Não havendo partidos ou políticos de direita no Brasil, toda a confrontação direita-esquerda que se vê atualmente é uma obra de engenharia social criada pela própria esquerda com três objetivos: (1) ocultar sua hegemonia e seu poder monopolístico sob uma aparência de disputa democrática normal; (2) neutralizar quaisquer tendências direitistas, canalizando-as para uma direita pré-fabricada, a “direita da esquerda”, o que se observou muito claramente nas duas campanhas eleitorais de Fernando Henrique Cardoso, um marxista gramsciano que foi alegremente aceito como depositário (infiel, é óbvio) da confiança do eleitorado direitista; (3) dominar todo o espaço político por meio do jogo de duas correntes partidárias fiéis ao mesmo esquema ideológico, só separadas pela disputa de cargos, como aliás o reconheceram explicitamente o próprio Fernando Henrique e o prof. Christovam Buarque, então um dos mentores do PT. Essas três linhas de ação definem exatamente o que Lênin chamava “estratégia das tesouras”, termo inspirado na idéia de cortar com duas lâminas.
Eu não sei vocês, mas para a maioria dos brasileiros estas constatações todas, em grande parte, novidades reveladas pelo recente movimento liberal/conservador que emergiu graças à internet - quando não são ainda totalmente desconhecidas. O quão surpreendente, pois, é perceber que uma pessoa falava sobre tudo isso (e muito mais) há tanto tempo e seus escritos não ganhavam a reverberação necessária? Muito, com certeza. Teríamos chegado a este ponto de governo agigantado e interventor caso a este cidadão tivéssemos destinado mais atenção? Pouco provável.
Em relação ao famoso bordão "Olavo tem razão", que se deixe claro que ninguém precisa concordar sempre com ele quanto às resoluções que devam ser adotadas frente a conflitos concretos diversos. No episódio recente do impeachment de Dilma Rousseff, por exemplo, não me foi possível compartilhar do ponto de vista do professor (que acreditava, basicamente, que retirar apenas a "presidenta" do Planalto poderia acobertar investidas mais pesadas da esquerda), o que não impede, em absoluto, que reconheça a profundidade de seus argumentos e os acolha na mente.
Em grande parte dos casos, contudo, o fenômeno do reconhecimento tardio é a regra: após um considerável lapso para digestão é que logramos internalizar seus ensinamentos e passar a compreender sua relevância.
Que fique a lição: da próxima vez que lhe vier a cabeça "mas eu nunca ouvi falar disso" quando estiver lendo ou assistindo algo, não relegue o texto ou o vídeo à lixeira virtual apenas por este motivo. Pode ser que grandes oportunidades de amadurecermos como nação e como indivíduos estejam sendo desperdiçadas. Aliás, aproveite e assista hoje (30/05) sua entrevista ao apresentador Danilo Gentili no programa
The Noite. Quem sabe não lhe sirva como pontapé inicial para aprender "
O mínimo"...