Cada baralho tem 36 cartas. Trinta e cinco descrevem vontades frequentes de pessoas que estão muito doentes ou morrendo
Se planejar a vida é difícil ou mesmo estranho para
muita gente, que dirá pensar em como viver os momentos finais. Quando a
velhice chega, no entanto, nem sempre é possível ficar no controle e
escolher os próprios caminhos. Provocar essa reflexão “antes que seja
tarde”, colocando, literalmente, as cartas na mesa, é a regra de um jogo
recomendado pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia
(SBGG).
No consultório médico, com suporte profissional, o baralho facilita a conversa sobre os desejos que a pessoa gostaria de ver atendidos. Dentre eles, ter a companhia de parentes, amigos e até de animais de estimação na hora do adeus e contar – ou abrir mão – de rituais religiosos. O bate-papo também pode acontecer no âmbito familiar.
Originalmente concebido pela organização norte-americana Coda Alliance, o Cartas na Mesa (GoWish, em inglês) é composto por duas caixas, azul e laranja, contendo a mesma quantidade de cartas. A ideia é a de que ele possa ser jogado em duas modalidades: individualmente, como se fosse o “paciência”, ou em duplas, com um médico ou alguém da família.
Em seguida, é preciso separá-las em montes. No primeiro, ficam os desejos muito importantes; no segundo, os que são mais ou menos relevantes; e no terceiro, os de menor grau de importância. Há ainda a carta “Vontade especial”, caso exista uma demanda não relacionada ao jogo.
Além de ajudar a refletir sobre as escolhas a serem feitas, as cartas selecionadas devem ser compartilhadas com as pessoas mais próximas.
Sob demanda
“É importante que haja um vínculo entre o paciente e o médico e que o tema não seja abordado numa primeira consulta, a menos que se trate de uma demanda do próprio paciente”, detalha o geriatra Daniel Azevedo, secretário-geral da SBGG. “Fundamental é que a pessoa esteja com a autonomia preservada e que tenha a capacidade de tomar decisões”, emenda, reforçando o requisito principal para que o baralho seja jogado.
Recurso
Segundo o especialista, as cartas devem ser encaradas não como uma imposição ou obrigatoriedade, mas como uma diretriz, recurso facilitador para que o tema, esteja ele vinculado a uma doença terminal ou à idade avançada do paciente, possa ser debatido de maneira mais amorosa e consciente.
A proposta é a de que a pessoa selecione dentre as 36 cartas disponíveis as dez mais importantes, ordenando-as por prioridade.
“Diria que não há um limite para onde se deseja chegar com a conversa. O objetivo não é fechar o assunto, colocar um ponto final nas preferências, mas manter a pessoa, doente ou não, como protagonista da própria história até o fim da vida”, reforça o geriatra.
Os baralhos são vendidos no site da SBGG.
Geriatra formada em cuidados paliativos, Ana Cláudia Quintana Arantes diz que não há regras quando o assunto são os desejos mais particulares de quem está prestes a se despedir da vida.
Segundo ela, porém, as experiências mais recorrentes são quase sempre permeadas por amor. “Conexão talvez seja a palavra fundamental. Conexão com o outro ser humano, mesmo que seja com o profissional de saúde pelo qual está sendo cuidado”, detalha a médica, sócia-fundadora da ONG Casa do Cuidar, em São Paulo.
À frente da instituição onde, há quatro anos, também se utiliza um baralho semelhante ao empregado pela SBGG, o Cartas das Escolhas Sagradas, a geriatra chama a atenção para a necessidade de se humanizar o tratamento dado à morte e, acima de tudo, ao paciente terminal.
“Principalmente para nós, brasileiros, o assunto ainda envolve uma série de tabus, tanto para o profissional de saúde quanto para o próprio paciente. O jogo proporciona uma chance de tratar o tema de forma mais estruturada, sem que o caminho seguido seja tão doloroso ou até perigoso”, afirma.
Ela explica que o ideal, nesse momento, é abordar assuntos como a presença da família, os cuidados com o paciente e as percepções pessoais de sofrimento físico e dor, traduzindo o viés simplesmente técnico do tratamento médico para um lado mais humanizado.
Além das cartas dos desejos, o jogo da ONG paulista apresenta cartas do tempo, que dão ao paciente a chance de tomar decisões com base em mais um ano de vida, mais um mês, mais uma semana ou mais um dia. “Todas as escolhas feitas dependem da clareza do tempo, daquilo que se acredita ter pela frente”, diz a profissional, que atua há 20 anos com cuidados paliativos.
Além Disso
Em agosto de 2012, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou resolução sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes: “conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”.
O documento prevê que o médico leve em conta as instruções antecipadas pelo paciente ou por um designado por ele quando o mesmo for incapaz de se comunicar ou de se expressar de maneira livre e independente.
Diretivas antecipadas só não são consideradas quanto estiverem em desacordo com o Código de Ética Médica, diz a publicação. O médico recorrerá a um Comitê de Bioética ou aos conselhos Regional e Federal de Medicina caso o paciente não tenha documentado desejos nem escolhido representante legal para isso.
Ponto a Ponto
- As diretivas antecipadas de vontade são um gênero de documentos de manifestação de vontade para cuidados e tratamentos médicos criados na década de 1960, nos Estados Unidos, e divididos em Testamento Vital (redigido por uma pessoa no pleno gozo das faculdades mentais) e Mandato Duradouro (nomeação de uma pessoa de confiança que deverá ser consultada pelos médicos quando for preciso tomar decisões que envolvam a saúde do paciente).
- Criado pela advogada Luciana Dadalto, doutora em Ciências da Saúde pela UFMG e mestre em Direito Privado pela PUC Minas, o portal testamentovital.com.br tem o propósito de centralizar informações sobre o assunto. O site é referência nacional no tema, tendo sido o primeiro do país a criar um Registro Nacional de Testamentos Vitais (Rentev), onde os documentos são armazenados.
No consultório médico, com suporte profissional, o baralho facilita a conversa sobre os desejos que a pessoa gostaria de ver atendidos. Dentre eles, ter a companhia de parentes, amigos e até de animais de estimação na hora do adeus e contar – ou abrir mão – de rituais religiosos. O bate-papo também pode acontecer no âmbito familiar.
Originalmente concebido pela organização norte-americana Coda Alliance, o Cartas na Mesa (GoWish, em inglês) é composto por duas caixas, azul e laranja, contendo a mesma quantidade de cartas. A ideia é a de que ele possa ser jogado em duas modalidades: individualmente, como se fosse o “paciência”, ou em duplas, com um médico ou alguém da família.
Para que os resultados sejam alcançados é necessário que o paciente ainda esteja apto a tomar decisõesNa partida individual, o primeiro passo é ler as 36 cartas que expressam desejos como “Quero um ambiente calmo e agradável”, “Quero ser visto apenas pelas pessoas que escolher” e “Não quero ser mantido vivo por máquinas, se for mesmo morrer”.
Em seguida, é preciso separá-las em montes. No primeiro, ficam os desejos muito importantes; no segundo, os que são mais ou menos relevantes; e no terceiro, os de menor grau de importância. Há ainda a carta “Vontade especial”, caso exista uma demanda não relacionada ao jogo.
Além de ajudar a refletir sobre as escolhas a serem feitas, as cartas selecionadas devem ser compartilhadas com as pessoas mais próximas.
Sob demanda
“É importante que haja um vínculo entre o paciente e o médico e que o tema não seja abordado numa primeira consulta, a menos que se trate de uma demanda do próprio paciente”, detalha o geriatra Daniel Azevedo, secretário-geral da SBGG. “Fundamental é que a pessoa esteja com a autonomia preservada e que tenha a capacidade de tomar decisões”, emenda, reforçando o requisito principal para que o baralho seja jogado.
Recurso
Segundo o especialista, as cartas devem ser encaradas não como uma imposição ou obrigatoriedade, mas como uma diretriz, recurso facilitador para que o tema, esteja ele vinculado a uma doença terminal ou à idade avançada do paciente, possa ser debatido de maneira mais amorosa e consciente.
A proposta é a de que a pessoa selecione dentre as 36 cartas disponíveis as dez mais importantes, ordenando-as por prioridade.
“Diria que não há um limite para onde se deseja chegar com a conversa. O objetivo não é fechar o assunto, colocar um ponto final nas preferências, mas manter a pessoa, doente ou não, como protagonista da própria história até o fim da vida”, reforça o geriatra.
Os baralhos são vendidos no site da SBGG.
“A dimensão de cuidados que o fim da vida exige é muito maior do que definir exclusivamente os procedimentos técnicos a serem tomados”Humanizar o tratamento dado à morte é fundamental, diz especialista
Ana Cláudia Quintana Arantes
Geriatra formada em cuidados paliativos
Geriatra formada em cuidados paliativos, Ana Cláudia Quintana Arantes diz que não há regras quando o assunto são os desejos mais particulares de quem está prestes a se despedir da vida.
Segundo ela, porém, as experiências mais recorrentes são quase sempre permeadas por amor. “Conexão talvez seja a palavra fundamental. Conexão com o outro ser humano, mesmo que seja com o profissional de saúde pelo qual está sendo cuidado”, detalha a médica, sócia-fundadora da ONG Casa do Cuidar, em São Paulo.
À frente da instituição onde, há quatro anos, também se utiliza um baralho semelhante ao empregado pela SBGG, o Cartas das Escolhas Sagradas, a geriatra chama a atenção para a necessidade de se humanizar o tratamento dado à morte e, acima de tudo, ao paciente terminal.
“Principalmente para nós, brasileiros, o assunto ainda envolve uma série de tabus, tanto para o profissional de saúde quanto para o próprio paciente. O jogo proporciona uma chance de tratar o tema de forma mais estruturada, sem que o caminho seguido seja tão doloroso ou até perigoso”, afirma.
Ela explica que o ideal, nesse momento, é abordar assuntos como a presença da família, os cuidados com o paciente e as percepções pessoais de sofrimento físico e dor, traduzindo o viés simplesmente técnico do tratamento médico para um lado mais humanizado.
Além das cartas dos desejos, o jogo da ONG paulista apresenta cartas do tempo, que dão ao paciente a chance de tomar decisões com base em mais um ano de vida, mais um mês, mais uma semana ou mais um dia. “Todas as escolhas feitas dependem da clareza do tempo, daquilo que se acredita ter pela frente”, diz a profissional, que atua há 20 anos com cuidados paliativos.
Além Disso
Em agosto de 2012, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou resolução sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes: “conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”.
O documento prevê que o médico leve em conta as instruções antecipadas pelo paciente ou por um designado por ele quando o mesmo for incapaz de se comunicar ou de se expressar de maneira livre e independente.
Diretivas antecipadas só não são consideradas quanto estiverem em desacordo com o Código de Ética Médica, diz a publicação. O médico recorrerá a um Comitê de Bioética ou aos conselhos Regional e Federal de Medicina caso o paciente não tenha documentado desejos nem escolhido representante legal para isso.
Ponto a Ponto
- As diretivas antecipadas de vontade são um gênero de documentos de manifestação de vontade para cuidados e tratamentos médicos criados na década de 1960, nos Estados Unidos, e divididos em Testamento Vital (redigido por uma pessoa no pleno gozo das faculdades mentais) e Mandato Duradouro (nomeação de uma pessoa de confiança que deverá ser consultada pelos médicos quando for preciso tomar decisões que envolvam a saúde do paciente).
- Criado pela advogada Luciana Dadalto, doutora em Ciências da Saúde pela UFMG e mestre em Direito Privado pela PUC Minas, o portal testamentovital.com.br tem o propósito de centralizar informações sobre o assunto. O site é referência nacional no tema, tendo sido o primeiro do país a criar um Registro Nacional de Testamentos Vitais (Rentev), onde os documentos são armazenados.
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