domingo, 26 de fevereiro de 2017

A privatização das empresas públicas deve ser evitada?


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Charge do Jottas, reproduzida do Arquivo Google
Francisco de Assis Chagas de Mello e Silva
O Estado intervém na economia do país com o único propósito de “assegurar a existência digna de todos, conforme os ditames da justiça social”. Além disso, a intervenção direta do Estado, através das empresas públicas ou das sociedades de economia mista, só será admitida “quando necessária aos imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”. São pressupostos severos e substantivos, mas o Estado não pode deixar de usar a mão forte para a sua própria segurança e para restabelecer o equilíbrio social. Neste último caso, ele deve ficar, principalmente, atento à função social da propriedade, à defesa do consumidor, à redução das desigualdades regionais e sociais e à busca do pleno emprego.
Todos esses princípios surgiram na Constituição de 1934, por influência da Constituição de Weimar de 1919. Eis aí a nova ordem econômica; regime capitalista, sim, mas, sob a vigilância e intervenção do Estado.
EMPRESA-CIDADÃ – Portanto, não por mero acaso, Betinho cunhou a feliz expressão “empresa cidadã”. Assim, as empresas públicas não existem para ganhar dinheiro, ou para distribuir dividendos aos seus acionistas, todavia, precisam, sim, do lucro e de pujança, mas para dar sentido à sua existência e capacidade para cumprir suas obrigações sociais.
O Estado intervém na ordem econômica para restabelecer o equilíbrio da dignidade plural. Infelizmente, no Brasil, as empresas públicas e as sociedades de economia mista se transformaram em espaços destinados à barganha política. As estatais são usadas pelo governo de ocasião para obter apoio político e para vencer eleições. Os cargos da administração, quase sempre, são ocupados por indicações dos partidos aliados do governo da hora e que reivindicam o compartilhamento do poder. Nada demais. Essa prática é usada em todas as partes do mundo, mas sem a absoluta falta de comprometimento social dos indicados, além da indigência técnica.
AGRADECIMENTOS – No Brasil, o administrador deve, acima de tudo, ser agradecido a seu padrinho político e buscar meios para sempre favorecê-lo depois de abençoado. Isso, quando não se lança, com grande galhardia, na mais explosiva patifaria em benefício próprio e de muitos outros.
Mas a Lei das Estatais e a operação Lava Jato abriram as portas e as janelas das empresas, e a luz do sol mostrou uma silhueta possível de esperança. Na verdade, a Lei das Estatais colocou freios, amarras e tantas algemas nos eventuais candidatos a administradores dessas empresas que será difícil encontrá-los dando sopa no mercado.
Desde logo, necessitam ser cidadãos de reputação ilibada e de notório conhecimento, com experiência profissional mínima de dez anos na área de atuação da empresa pública ou da sociedade de economia mista ou em área conexa àquela para a qual foram indicados em função de direção superior. Mais. Precisam ter ocupado, pelo período de pelo menos quatro anos, cargo de direção ou de chefia superior em empresa de porte semelhante, ou outros cargos ainda de maior complexidade intelectual, ter formação acadêmica compatível, e não se enquadrar nas inúmeras hipóteses de inelegibilidade etc.
DIZ A LEI – Não é só. Falta mencionar as vedações, mas é preciso poupar o leitor. Toda a possível suspeita (basta o cheiro) de conflito de interesses, de qualquer natureza, é motivo para barrar o indicado a exercer o cargo de administrador. Quem estiver, realmente, interessado, sugere-se a leitura dos artigos 17 e incisos do parágrafo 1º do artigo 22 da Lei 13.303, de 30 de junho de 2016, como também os artigos pertinentes da Lei 6404, de 15 de dezembro de 1976.
O ministro Luís Roberto Barroso afirmou que o “Mensalão” era um ponto fora da curva na história do Supremo Tribunal Federal. De fato, a operação Lava Jato é um ponto fora da curva na história do Brasil.
Hoje em dia, muitos empresários, políticos, funcionários públicos, cidadãos em geral não ousam sequer fazer o que de direito lhes cabe. O medo se encarregou de lhes corrigir a postura. É pena, essa correção é trabalho recorrente de uma vida, não pelo vislumbre das grades e, sim, pela construção cotidiana do caráter virtuoso.
FICOU PERIGOSO – Paciência, por bem ou por mal, as pessoas hoje se obrigam a refletir, muito bem, antes de praticar o muito mal. Por outro lado, a Lei das Estatais cumpre outro papel saneador; a adoção, sem surpresas, do rumo das empresas no decurso do tempo.
O artigo 8º impõe “a elaboração de uma carta anual, subscrita pelos membros do Conselho de Administração, com a explicitação dos compromissos de consecução de objetivos de políticas públicas pela empresa pública , pela sociedade de economia a mista  e por suas subsidiárias, em atendimento ao interesse coletivo ou ao imperativo de segurança nacional que justificou a autorização para suas respectivas criações, com definição clara dos recursos a serem empregados para esse fim, bem como dos impactos econômico-financeiros da consecução desses objetivos , mensuráveis por meio de indicadores objetivos”.
O artigo tem amplitude mastodôntica, mas tem o mérito de cercar por todos os lados os propósitos da empresa e os meios para alcançá-los.
EM BUSCA DO OÁSIS – Por mais distante que esteja o oásis, é obrigação da empresa persegui-lo, mas deixando claro a mais não poder os recursos de que dispõe para a travessia do deserto, de tal forma que não vá à garra no meio do caminho. Nada pode ser mais danoso e triste do que a morte da empresa pública próspera por mera falta de planejamento elementar e análise de riscos. Os acionistas perdem, os empregados viram fantasmas de si mesmos e a sociedade fica ainda mais desigual e miserável.
Talvez, por isso, a preocupação do legislador tenha sido tão enfática a ponto de determinar que a diretoria da empresa pública se veja compelida a traçar uma “estratégia de longo prazo atualizada com análise de riscos e oportunidades para, no mínimo, os próximos cinco anos”.a legislação atual criou exigências, impôs condições, reivindicou cuidados para as empresas públicas que só contingências imprevisíveis poderão impedi-las de cumprir os seus objetivos com o alinhamento das políticas sociais. Como será possível o malogro da estatal que cumpre todos preceitos legais? (eficiência, idoneidade, profissionalismo dos administradores, o meticuloso planejamento para o alcance de metas responsáveis, previsão de recursos etc).
UM RISCO SOMBRIO – Parece que apenas um risco sombrio paira sobre a cabeça das empresas públicas: o voluntarismo do acionista controlador, a sua eventual onipotência ou, mesmo, o deliberado desejo de usar a companhia para atender a propósitos pessoais, às vezes, inconfessáveis.
A operação Lava Jato e a lei das estatais apontam um caminho estreito e seguro para a geração de riqueza da dignidade humana brasileira, insculpida na Constituição. Agora, para a empresa pública permanecer cumprindo seus deveres sociais, ter êxito na gestão e preservar a grandeza, apesar dos seus desafios, será suficiente o acionista controlador afastar de si o viés do populismo, ou o do mercado.
                                  (artigo enviado por Mário Assis Causanilhas)
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