Em artigo publicado no Observador, João Marques de
Almeida traça um perfil devastador de José Sócrates, ex-premier de
Portugal (hoje investigado por prática de crimes, como seu amigo
brasileiro), que tenta fugir do âmbito policial e retornar à política:
Sócrates é
simultaneamente a maior fraude e o homem mais perigoso da política
portuguesa. E ninguém julgue que abandonou a política. Nunca o fará.
Nunca fez outra coisa e não sabe fazer mais nada. Comecemos pela fraude.
Nas recentes aparições, Sócrates anunciou que iria publicar um novo
livro. Chama-se, aparentemente, Carisma. Sócrates e os livros
remetem-nos para uma das maiores fraudes da vida literária nacional
durante os últimos anos, o seu primeiro livro, A Confiança no Mundo.
Segundo relatos públicos, nunca desmentidos, não terá sido escrito por
Sócrates. Aliás, gostaria que um jornalista investigasse se Sócrates
chegou a acabar o mestrado. Terá Sócrates o grau de mestre? Ou será um
mestre como era engenheiro?
Mas pior do que as
dúvidas sobre a autoria do livro, foi o episódio bizarro e vergonhoso de
distribuir dinheiro por colaboradores para comprarem centenas de cópias
de uma só vez para colocar o livro nos tops das vendas. Um homem que
pensa e executa uma fraude destas é capaz de quase tudo. Quando o novo
livro for publicado, como poderemos estar certos que o autor é mesmo
Sócrates? E se não for Sócrates, quem será o verdadeiro autor? E se é um
livro de colaboração entre dois autores, inteiramente legítimo, por que
não assinam os dois? Parece que Sócrates tem necessidade de viver
permanentemente na mentira, de construir uma personagem que não existe
na realidade. Quis parecer mais rico do que é, vivendo com luxos
claramente acima do que os rendimentos declarados permitiriam. Ele
próprio admitiu que durante anos viveu com ajudas financeiras de um
amigo, o que não é habitual nem, na minha opinião, digno no caso de um
homem adulto com responsabilidades públicas. Agora parece ter
necessidade de passar uma imagem de intelectual e de académico,
igualmente falsa. Na vida de Sócrates, tudo parece estranho e postiço.
Depois dos envelopes do amigo, vieram os livros de outro amigo. Tudo
isto é fraudulento. E não estamos a falar de uma cidadão comum, mas de
um antigo ministro e primeiro-ministro.
Passemos agora ao
perigo. Ao contrário de muitos, li o livro de José António Saraiva. Para
mim, a revelação mais significativa do livro, e sobre a qual não vi
ainda qualquer referência, é o facto de Proença de Carvalho e de Pinto
Monteiro almoçarem frequentemente a dois. Numa altura em que Sócrates
estava a ser investigado, o facto do seu advogado e do Procurador-Geral
da República encontrarem-se com regularidade parece-me grave. De duas
uma, é mentira e os visados já deveriam ter desmentido Saraiva. Se não
desmentem, assumo que será verdade. Se for verdade, é mais um elemento
para confirmar a teia de poder que Sócrates construiu durante os seus
anos de São Bento.
Mas também li o livro
de Fernando Lima, Na Sombra da Presidência. Lendo o livro e recordando o
período entre 2005 e 2011, a estratégia de poder de Sócrates foi
impressionante. Para ele, não havia limites. Tudo valia. A sua
estratégia de poder consistia em controlar o sistema de informações, a
justiça, a banca e a comunicação social. O controlo dos quatro pilares
centrais da sociedade moderna dar-lhe-ia um poder quase absoluto.
Sócrates criou um
sistema de informações a partir do seu gabinete, sem qualquer controlo
democrático. Usava, sem escrúpulos, o seu poder de nomeação para
controlar a justiça. A imagem de Pinto Monteiro e de Noronha Nascimento
no lançamento do seu primeiro livro constitui um dos momentos mais
embaraçosos da vida pública nacional. Até nas faces dos próprios se via o
embaraço. Na banca, controlava a Caixa Geral de Depósitos – e hoje os
portugueses ainda estão a pagar por isso –, aliou-se a Ricardo Salgado e
conquistou o BCP; ou seja, os três maiores bancos portugueses. Na
comunicação social, usou uma empresa controlada pelo Estado, a PT (a
qual ajudou a destruir mais tarde com o negócio ruinoso da fusão com a
Oi), para tentar comprar o canal de televisão que mais o criticava, a
TVI.
Tudo isto revela um
homem sem escrúpulos que não hesita em usar os meios ao seu dispor para
aumentar o seu poder de um modo ilimitado. Mostra um político que não
sabe lidar com as críticas e com o pluralismo. Evidencia um tipo
paranoico para o qual a vida pública se reduz a uma luta sem quartel
contra os seus inimigos. Sócrates olha para a política como Hobbes e
Carl Schmidt. Uma pessoa destas no poder constitui um perigo para a
liberdade e para a democracia portuguesa.
Ora, este é o homem
que tem um plano para regressar ao poder politico. A tentativa de
transformar o caso judicial num ataque politico mostra que Sócrates
nunca deixou a política. Se não for condenado, voltará em força e será
de novo perigoso. O seu objectivo é Belém e a presidencialização do
regime. Por isso, os seus grandes adversários são Marcelo Rebelo de
Sousa e António Costa. Não foi por acaso que atacou os dois nas suas
intervenções públicas recentes. Sei que muita gente está convencida que
Sócrates jamais regressará ao primeiro plano da vida política. Mas o
tempo de crise e de populismo em que vivemos é perfeito para alguém como
Sócrates. Há pouco mais de um ano, todos diziam que Trump nunca seria o
candidato republicano. Não só é, como pode ser Presidente. Os tempos
estão perigosos e, por isso, bons para os homens perigosos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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