A violenta
ocupação de escolas, país afora, não se dá em nome da educação, como
pretendem seus organizadores. O movimento é meramente ideológico,
impulsionado por petistas e comunistas, que fizeram dos sindicatos e
organizações estudantis seu último baluarte. "Como organizações
comunistas ainda mantêm sua influência no meio estudantil?", pergunta
Bolívar Lamounier, em artigo publicado hoje no Estadão:
O sangue
do adolescente esfaqueado em Curitiba na última segunda-feira já seria
motivo mais que suficiente para tentarmos entender melhor o movimento de
ocupação de escolas deflagrado por estudantes secundaristas, apoiados,
em alguns casos, por docentes e universitários. Mas a amplitude do
movimento suscita questões importantes sobre a presente situação
brasileira.
O
objetivo declarado, bem o sabemos, é protestar contra a reforma do
ensino médio proposta pelo governo Temer. A reforma é uma tentativa de
modernizar o currículo, tornando-o mais flexível. Pretende reduzir o
número de matérias obrigatórias a fim de aumentar a concentração em
Português, Inglês e Matemática. Isso é bom ou ruim? É óbvio que essa
pergunta interessa a todos os cidadãos brasileiros, a todas as
comunidades de que se compõe a nossa sociedade, não apenas às
comunidades diretamente envolvidas no processo educacional.
A
primeira questão a considerar é, pois, por que dezenas de milhares de
estudantes e professores optaram por uma tática violenta (ocupação é
violência), descartando liminarmente o diálogo com as autoridades do
governo, com os especialistas que trabalharam no projeto da reforma e
com outras comunidades potencialmente interessadas. Por que uma tática
que os isola, quando só teriam a ganhar ampliando o alcance de sua
manifestação? Por que não uma série bem organizada de debates, pacífica e
ordeira, tecnologia que nossa sociedade, felizmente, domina há tanto
tempo?
Sabemos
que o comportamento de um grupo social numeroso nunca se deve a uma
causa única. Há sempre uma conjunção de motivos. Na reflexão a seguir,
abordarei três hipóteses, em grau crescente de plausibilidade,
designadas como civismo educacional, ativismo romântico e politização de
esquerda.
A
hipótese do civismo educacional já foi parcialmente suscitada. Debater a
reforma do ensino é um direito de todo cidadão. Entre os docentes e
discentes, ou seja, na comunidade mais diretamente envolvida no processo
educacional, é razoável admitir que esse direito seja vivenciado de
modo mais intenso, como um dever cívico. É difícil crer que essa
motivação tenha sido suficiente para levar centenas de milhares de
secundaristas a se integrar ao movimento, invadindo escolas e nelas
permanecendo por vários dias. Presumivelmente, uma atitude cívica de tal
intensidade teria mais chance de se desenvolver entre adultos,
principalmente entre os mais bem informados sobre as questões em jogo.
Admitamos, porém, que a hipótese do civismo ajude a compreender por que
uma parcela dos participantes vê sentido na tática de ocupar escolas.
Minha
segunda hipótese é a do ativismo romântico. Para o jovem inclinado ao
romantismo, a “normalidade burguesa” é um tédio insuportável. Ele deseja
ardorosamente mudar a sociedade, mas não sabe como. Não conseguindo
identificar-se com a sociedade existente e não atinando com os
fundamentos da ordem política democrática, ele não atura as convenções e
instituições que lhe servem de base, vendo-as como um mundo de
aparências e hipocrisia. Durante o século 20 o romantismo alimentou todo
tipo de fantasia revolucionária; e, ainda hoje, por toda parte e todas
as classes e grupos etários há estudantes, intelectuais, artistas e
clérigos imbuídos da crença de que só através dessa fonte fáustica
chegarão à plena posse de sua alma e ao sentido de sua vida. Num país
como o Brasil, socialmente dilacerado e dilacerante, essa forma de
romantismo compreensivelmente se alastra com facilidade, se não como uma
motivação destrutiva consciente, ao menos como uma tentativa de
experimentar situações “contraculturais”, à margem da sociedade.
Mais
robusta, entretanto, parece-me ser a hipótese ideológica, ou seja, a da
politização de esquerda. Ninguém ignora que o PT e os pequenos partidos
comunistas disputam acirradamente o controle do movimento estudantil,
geralmente apoiados por uma parcela do corpo docente. Um leitor
desavisado poderá surpreender-se com essa afirmação. Esses partidos e
suas facções agem orientados pelo que chamam de socialismo. Mas como, se
a URSS desmoronou há um quarto de século? Se a China, desde Deng
Xiaoping, abandonou suas antigas crenças a respeito da cor do gato,
interessando-se apenas em saber se ele come ratos? Sem esquecer que
Cuba, com a bancarrota soviética, virou carta fora do baralho. O que
resta é a Coreia do Norte brincando de bomba atômica e a Venezuela a um
passo de sua tragédia anunciada. Lembremos, como arremate, que a recente
eleição municipal e a Operação Lava Jato reduziram o PT a pó de traque.
Contra
esse pano de fundo de tantos fiascos, como compreender que as
organizações comunistas conservem sua influência e até consigam se
expandir no meio estudantil? Dado o espaço disponível, limitar-me-ei a
duas observações sucintas. Primeiro, as crenças antiliberais, entre as
quais o comunismo se destaca, correspondem com exatidão à noção de
ideologia como o oposto do conhecimento racional. Caracterizam-se por
uma incapacidade profunda de assimilar e processar informações novas,
contrárias ao sentido que lhes é inerente.
Nas
condições atuais, justamente por terem perdido seus referenciais
internacionais, as esquerdas ditas socialistas regridem a um mero
“movimentismo” sustentado em elaborações intelectuais quase totalmente
vazias de conteúdo. O leitor interessado em apreciar este ponto pode
esquecer seu Marx, vá direto às Reflexões sobre a Violência de George
Sorel, o inventor do anarco-sindicalismo. O conteúdo das ideias – Sorel
ensinou – é uma questão secundária. Os “oprimidos” aprendem é pelo
movimento, por uma luta incessante. Para tanto basta um mito. Pode ser a
figura de um populista corrupto ou uma narrativa maniqueísta do tipo
“nós contra a elite”. Qualquer mito serve e quanto mais simples, melhor.
Os “oprimidos” não precisam queimar pestanas em cima dos cartapácios de
Marx.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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