Já escreveu certa vez o saudoso Carlos Drummond de Andrade (1902-1987): “o que não é poesia não tem fala”. Em busca de voz mais ampliada, muitos poetas não se contentam com o registro de seus textos apenas no papel. Imprimem sua marca literária também em espaços públicos. Assim como o mestre itabirano – principal homenageado da data –, merecem ser lembrados no Dia Nacional da Poesia, celebrado em 31 de outubro desde que foi sancionado no ano passado.
 
Felipe Arco, de 25 anos, faz parte do grupo de poetas que aposta na força da divulgação da poesia de todas as formas. Há cerca de um ano e meio, o escritor fez uma viagem pelo Brasil com dois amigos. Como forma de arrecadar fundos para a empreitada, vendeu todas as paçocas que a clientela se dispôs a comprar. Com o dinheiro, lançou o livro “200 mil Paçocas e Infinitas Poesias”. Com a venda a primeira publicação, rodou por 15 estados. 
 
Todas as 50 cidades visitadas ganharam, “de presente”, versos do autor. “Levei tinta para fazer grafite e, dessa forma, acabei deixando poesias em diversos locais”, conta. 
 
Ao retornar a Belo Horizonte, Felipe lançou a segunda obra, “12 Mil Km e Infinitas Poesias”, fruto da incursão. Também decidiu dar continuidade à ideia do grafite, com um detalhe peculiar: o uso de latas de lixo como “papel”. 
 
“O lixo é simbólico para mim. O mochilão foi legal, mas passamos necessidades por, às vezes, não ter o que comer e onde dormir”, recorda. 
Felipe Arco
 ÍDOLO E FÃ - “As frases do Felipe sempre me motiva, me deixa alegre. É como o colorido em meio ao preto e branco”, diz a estudante de Serviço Social Vitória Rocha
 
O lugar da poesia
“Sempre foi o meu sonho escrever livro”, conta o poeta. Sonho que brotou quando ele era ainda menino. Como gostava de romance policial, Felipe Arco pensava que iria se enveredar por esse caminho. Mas não. Logo também se interessou pelo hip hop e o grafite entrou, naturalmente, na vida do jovem escritor. “Hoje o que faço é um somatório desses meus dois amores: a literatura e o grafite”. 
 
Apesar do amor antigo, ele confessa não ter lido grandes poetas quando mais novo. Talvez justamente por isso tenha construído um olhar diferente sobre o universo. “Sempre ouvi dizer que o lugar da poesia era no livro, mas, para mim, é também na música, na parede, no terreno baldio, na lixeira. Quanto mais poesia, melhor. A vida com poesia nos transforma, nos deixa mais leve”. 
 
Mais leve não só para Arco. “Recebo relatos de pessoas com depressão, que terminaram um relacionamento, perderam o emprego. Com os versos, dizem que entenderam que a vida tem valor, que precisam caminhar. Vejo que o meu objetivo de ajudar a outros tem se cumprido”, afirma. 
 
Painéis com 77 horas de poesia em avenidas movimentadas 
 
O poeta, músico e cientista político Wesley Matheus, de 25 anos, a publicitária e poetisa Alessandra Giovanna, de 23 e o ator Rossini Luz, de 29, também escolheram a poesia para impactar a cidade. Por meio do projeto “Poesias no Muro”, idealizado pelo trio, até amanhã painéis de LED localizados nas avenidas Vilarinho, Cristiano Machado, Raja Gabaglia, Mário Werneck, Antônio Carlos e na rua José Ferreira da Cruz estarão ocupados com versos selecionados pelo trio. Numa parceria com o grupo de comunicação digital PAD serão executadas, ao todo, 77 horas de poesia em BH. 
 
Essa foi a primeira vez que a iniciativa, nascida no Facebook, foi para as ruas. “A proposta é utilizar espaços que seriam destinados para incentivar o consumo e dizer: ‘não quero vender nada, só passar uma mensagem’”, explica Wesley. Não por acaso, foi critério da curadoria que os versos falassem sobre a capacidade de cooperação e abnegação dos seres humanos. 
 
Textos de poetas consagrados, como Drummond e Fernando Pessoa, serão exibidos, mas há espaço para todos. “Acredito que todos nós estamos sujeitos a ter momentos poéticos”, diz o músico.
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Satisfeito com o resultado, Wesley conta que o próximo passo do projeto “Poesias no Muro” é atravessar continentes. “Estou fazendo mapas de grandes metrópoles, como Nova York e Tóquio, para colocar a poesia no LED. A ideia é fazer isso para o Dia Mundial da Poesia (21 de março)”, adianta.
 
POESIAS NO MURO - O projeto abarca versos curtos adequados ao tempo de exibição
POESIAS NO MURO - O projeto abarca versos curtos adequados ao tempo de exibição
 
‘Palco de inovação’
Assim como Felipe Arco, Wesley acredita que não há regra para a poesia. E ressalta ainda a capacidade de comunicação do gênero. 
 
“A palavra ‘suave’ numa revista feminina tem um efeito completamente diferente se for escrita na mureta do rio Arrudas. Quando você muda o local, muda a voz e o discurso”, exemplifica. “A poesia é um palco de inovação da linguagem, no qual podemos encontrar novos fluxos para a língua e para a nossa própria existência”, acrescenta.
 
Os saraus também contribuem para uma maior popularização da poesia. Na capital mineira há várias versões: o Sarau Vira-lata, Sarau Comum, Sarau das Cachorras e Coletivoz, além do Palco Biblioteca, do Sesc Palladium. Já, na Região Metropolitana, o Apoema Sarau Livre é um dos projetos que tem se destacado em Contagem.
 
"Leve um Livro"
Outra iniciativa que vem mexendo com a rotina da cidade é o “Leve um Livro”. Há aproximadamente dois anos, Ana Elisa Ribeiro e Bruno Brum vêm disponibilizando gratuitamente livretos em 20 pontos de Belo Horizonte. A ação surgiu do desejo da dulpa em fazer a poesia brasileira produzida hoje chegar a mais pessoas de uma forma dinâmica. Cada título, tem tiragem de 2500 cópias e contém dez textos. Ao todo, serão publicados, até 2017, 24 microantologias de poetas contemporâneos.
“O retorno é sempre muito alegre. Muitas pessoas passaram a colecionar os livretos e até reclamam quando uma edição atrasa”, celebra Ana Elisa. Para ela, o país vive um momento especialmente produtivo em relação à poesia, devido aos novos moldes. “Está mais fácil publicar. As próprias redes sociais se tornaram veículos”, diz.

Apesar disso, Ana Elisa, que é autora dos livros “Poesinha” (1997), “Perversa” (2002) e “Fresta Por Onde Olhar” (2008) e “Anzol de Pescar Infernos” (2013), afirma preferir o tradicional livro. “Às vezes, solto alguma coisa na web, para ver a reação das pessoas. Mas acho que tenho um certo ciúmes do meu trabalho, gosto de colocá-lo no papel”, afirma a poeta.
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