Em artigo publicado no
Estadão, o jurista Miguel Reale Jr. trata da "confissão de Lula", que
tem reconhecido, pelo menos para si mesmo, a prática de crimes:
O mensalão constituiu comprovadamente a forma espúria pela qual o PT, partido de 50 deputados, sem partilhar o poder com os demais partidos, veio a formar uma maioria parlamentar.
A
concentração de poder nas mãos do partido era sagrada. Podia-se
contemplar outro partido com cargo de ministro, mas não com ministério,
cujo controle a partir do secretário executivo era detido por
apaniguados do PT. O aparelhamento do Estado foi absoluto. A
administração, direta e indireta, agências reguladoras, fundos de pensão
foram entregues a sequazes do PT.
Com essa
forma de governar se descontentavam os demais partidos e seus
parlamentares, que passaram a ser cooptados por meio de envelopes com
dinheiro entregues em hotéis de Brasília. José Dirceu, chefe desse
esquema de propina, que destrói a democracia por dentro, tesoureiros do
PT e líderes do PP e do PTB arquitetaram inteligente manobra financeira
para alimentar a compra de deputados.
Denunciada
a trama urdida com Marcos Valério & Cia., passou-se a recorrer a
outra fonte pagadora: os sobrepreços em contratos da Petrobrás, visando
exatamente ao mesmo fim: a governabilidade num presidencialismo de
coalizão, desvirtuado, pela sede de poder, em presidencialismo de
corrupção. Instalou-se nova ditadura da propina, envolvendo gravemente
dois ministros da Fazenda, pessoas de alta confiança de Lula.
Diretores
da Petrobrás foram indicados por partidos políticos para angariar
fundos em contratos superfaturados. Empreiteiras amigas, partidos e
alguns próceres políticos foram aquinhoados com fortunas. E assim se
satisfazia a “base parlamentar”. A nomeação desses diretores sempre
contou com a anuência de Lula e de Dilma, esta seja no Conselho de
Administração, seja, depois na presidência, como atestou em delação
Nestor Cerveró.
Consolidava-se
a paz suja na democracia petista, com os ânimos serenados dos
parlamentares de diversos partidos graças à divisão do butim. O PT era,
sem dúvida, o mais beneficiado, com formação de um caixa fabuloso
visando à perpetuação no poder.
Esse o
pano de fundo que os procuradores da República desejaram desenhar, com
exagero na forma, mas não no conteúdo. Desvelou-se um procedimento
criminoso que nasceu para garantir a governabilidade, passou a visar à
continuidade no poder, e – por que não? – ao proveito pessoal.
Mas o
fator desencadeador e principal do mensalão e, logo em seguida, do
petrolão foi a busca de governabilidade sem partilha de poder, sendo o
PT minoria no Congresso Nacional.
À
denúncia e à explanação dos procuradores Lula respondeu no dia seguinte
em reunião do PT, na qual pretendeu acusar os seus acusadores. Sempre
verborrágico e dramatizador, Lula não se ateve ao fulcro do fato
delituoso que lhe é imputado, qual seja, a propriedade dissimulada do
triplex com cozinha gourmet e elevador privativo patrocinado pela OAS,
após visita ao apartamento em companhia do presidente da empreiteira.
No meio
de choros e lamentos como perseguido por ser protetor dos pobres,
declarou-se vítima de algozes tal como foram Jesus e Tiradentes.
Lembrou-se de sua infância miserável e, ao defender sua família, chorou.
Todavia,
no meio dessa algaravia de lamentações mal encenadas, havia um núcleo
racional, no qual se tem a impressão de que Lula falava consigo mesmo,
como para justificar por que os fatos assim se deram e não poderia ter
sido diferente. Subliminarmente, ao atacar os concursados como
analfabetos políticos, Lula confessou a prática dos malfeitos como forma
inevitável da real política, ignorada pelos frequentadores de
gabinetes.
Cabe
relembrar as frases de Lula, extremamente reveladoras. Disse ele: “Eu,
de vez em quando, falo que as pessoas achincalham muito a política. Mas a
profissão mais honesta é a do político. Sabe por quê? Porque todo ano,
por mais ladrão que ele seja, ele tem que ir para a rua encarar o povo, e
pedir voto. O concursado, não. Se forma na universidade, faz um
concurso e está com emprego garantido o resto da vida. O político, não.
Ele é chamado de ladrão, é chamado de filho da mãe, é chamado de filho
do pai, é chamado de tudo, mas ele tá lá, encarando, pedindo outra vez o
seu emprego”.
“Ontem
eu vi eles falarem dos partidos políticos, dos governos de coalizão,
vocês sabem que muita gente que tem diploma universitário, que fez
concurso, é analfabeto político. O cara não entende do mundo da
política. Não tem noção do que é um governo de coalizão. Ele não tem
noção do que é um partido ser eleito com 50 deputados de 513 e que tem
que montar maioria.”
Lula
tentou explicar ou se explicar falando do mundo da política, onde um
partido com 50 deputados numa Câmara de 513 deve buscar ter maioria.
Deixou subentendido que só os analfabetos políticos, ingênuos, não
percebem que a cooptação a todo custo de deputados era uma via
obrigatória, pois só assim se obteria a governabilidade.
E o
político, nesse mundo de realidade nada ética, em busca da coalizão,
pode ser ladrão que sempre será o profissional mais honesto, pois
anualmente (sic) “tem que ir para a rua encarar o povo e pedir voto”.
Assim, a caça ao voto purga os males, pois encarar o povo santifica e
faz do político o mais honesto, por mais ladrão que tenha sido, enquanto
o empertigado concursado descansa no seu mérito sem depender da
aprovação popular a cada pouco.
São na
visão de Lula dois mundos inconciliáveis: o da política, próprio da
esperteza de a cada eleição ir ao povo buscar votos, numa catarse
purificadora; e o mundo do esforço contínuo daqueles que pretendem
vencer pelo merecimento.
Lula não
é um analfabeto político; é, segundo o seu critério, um homem honesto,
por mais acusado que seja de corrupção. Lula, que confessou sua
“honestidade”, tem um futuro desolador pela frente.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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