Somos todos iguais perante o Estado Islâmico, escreve Fernando Gabeira no Estadão. E, não adianta pensar ou dizer que Deus é brasileiro:
Quando
menino, lembro-me de que a chegada de sinais do progresso era saudada
com orgulho. Quando o teatro de revista chegou à cidade, o título do
espetáculo era: Juiz de Fora Civiliza-se.
Com o
tempo, a gente aprende a gostar do que vem de fora, mas descobre que de
fora podem vir também as tendências mais sanguinárias e destrutivas.
Sou
favorável a uma lei antiterrorismo no Brasil, independentemente da
Olimpíada. Discordo da tese de que foi necessária apenas para atender a
pressões externas. Ela foi imposta pelo mundo real.
Não somos
um país prioritário para o terrorismo. Mas será que o Isis (Estado
Islâmico) sempre se moverá de acordo com a lógica que prevemos?
Depois do
11 de Setembro, os americanos levantaram suspeitas sobre a presença de
terroristas na Tríplice Fronteira. Não há notícias de que tenham sido
confirmadas.
Visitei a
região e senti que a grande colônia muçulmana estava incomodada com as
notícias sobre Foz do Iguaçu. Pelo que vi, pelo menos, não havia uma
juventude sem perspectivas de trabalho. Ao contrário, sentia-se
prosperidade e gente chegando para empreender, construir sua própria
casa.
Os
critérios que uso para classificar o perigo do terrorismo do Isis, assim
como o da Al-Qaeda, começam por diferenciá-lo do terrorismo do século
20. Na peça Os Justos, de Camus, o atentado ao arquiduque é adiado
porque havia crianças na carruagem. Hoje, os terroristas não se importam
com crianças. Quanto mais mortes produzirem, mais satisfeitos.
Um outro
critério é lembrar que aquele tipo de simpatia (Brasil, carnaval, Pelé)
com que nos tratam com carinho não existe para esses terroristas. Vamos
olhar pelo caminho mais amplo, despojados de todo sentimentalismo.
Eles
degolaram um padre de 86 anos perto de Rouen, na França. Somos o maior
país católico do mundo. Respondem com bombas a um estilo de vida que tem
na liberdade – a de expressão, inclusive – o seu máximo valor. Como o
nosso.
O Brasil
fez sua primeira experiência no combate aos grupos terroristas ligados
ao Isis. Foi uma operação bem-sucedida, que contou com indicações do
FBI. Mas faltou o que eu chamaria de um protocolo nacional para
comunicar o tema à sociedade. Não pretendo redigi-lo. Mas, como leigo,
parece-me que divulgar nomes e imagens de pessoas que acabam de ser
presas não é a melhor tática. Se tiverem vínculos criminosos, o mais
desavisado de seus cúmplices fugirá ou limpará o terreno. Se forem
inocentes, terão sido, na verdade, sujeitos a uma exposição que marcará
sua vida.
Outra
tendência do governo que me deixou um pouco perplexo está no fato de ele
analisar o grupo preso e classificá-lo de amador. Não cabe ao governo
definir o profissionalismo de um grupo capturado. Ele prende, investiga
e, no final, apresenta os dados.
Imagino
que a opção de classificá-los como amadores tenha sido uma tentativa de
acalmar a sociedade. Mas é muito discutível a ideia de que o amadorismo
nos conforta.
Quase no
mesmo momento, um jovem afegão atacava a machadadas passageiros de um
trem na Alemanha. O Exército Islâmico assumiu o atentado. Machado é arma
rudimentar e amadora. Mas como dói.
O governo
brasileiro terá de formar pessoas para comunicar seus passos na
repressão ao terrorismo. Os ministros deveriam abster-se.
Durante
algum tempo, no jogo de pequenas revelações à imprensa, o ministro da
Justiça deixou no ar a possibilidade de as informações terem sido
capturadas no WhatsApp. Um desgaste inútil.
Não acredito que tenham obtido dados do WhatsApp. Mas com as indicações do FBI monitoraram todos os suspeitos.
O jogo de
informações aos pedaços é muito confuso. Se as pessoas do governo não
forem especificamente treinadas para tratar de um tema tão sério, elas
podem até favorecer o inimigo.
Um dos
argumentos para divulgar toda a ação foi o de que a mulher de um dos
presos revelara a prisão dele no Facebook. Mas, e os outros? Por ela
ninguém saberia o nome dos outros, pois só mencionou o que viu: a prisão
do marido.
É
compreensível e necessário que a polícia apresente os resultados de seu
trabalho. Isso nos dá mais elementos para navegar no perigo. Uma
operação bem-sucedida sempre fortalece a imagem. É até compreensível que
o Brasil tenha querido passar uma mensagem de segurança, para lá fora
dizerem: “Estão trabalhando”.
Mas a luta contra o terrorismo não é o melhor espaço para isso, porque suas regras transcendem o desejo de um reforço de imagem.
Naturalmente,
vamos conhecer mais sobre o perigo do terrorismo no Brasil depois que
for divulgado um relatório. Mas o que está acontecendo lá fora também
nos aproxima do real.
Um dos
criminosos na Normandia usava tornozeleira eletrônica. No momento, esse
acessório está bombando no Brasil, chega a faltar no mercado. Dizem que é
segura, mas aqui é usada por idosos empreiteiros, lobistas.
O universo do terrorismo é diferente. Agora que existe uma lei será necessário amadurecer na sua execução.
Houve
resistência a uma lei antiterrorista com medo de que criminalizasse
movimentos sociais. Os fatos mostram atentados a manifestações de
minorias religiosas, eventos culturais, celebrações como o 14 de Julho.
Uma lei desse tipo, aplicada com uma visão clara do terrorismo, na
verdade protege os movimentos sociais.
Os
horrores do mundo estão chegando e é hora de encará-los sem os
preconceitos do século passado. Esquerda e direita, elite de olhos azuis
e proletariado, coxinhas e mortadelas, somos todos iguais para o
Exército Islâmico. Duas brasileiras morreram no ataque em Nice. E somos
atacados quase todas as noites pelas notícias da morte de tantos
inocentes pelo mundo. O Exército Islâmico tem sido o nosso horror
cotidiano.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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