terça-feira, 31 de maio de 2016

DIGITADURA, ALIÁS DICTATORCHIP






         Minha crônica Atrofia mental com digitadura recebeu a aprovação calorosa de alguns leitores. Um deles já havia notado como é supérfluo o GPS em circunstâncias normais, porém não imaginava que uma consequência do seu uso, e de muitos outros aparelhos, pudesse ser a atrofia mental que apontei. Lembrando que a revolução informática é gerada na língua inglesa, hegemônica na comunicação digital global, sugere dictatorchip como sinônimo de digitadura. Neste jogo de palavras, a ditadura (dictatorship) se implanta pela informática, cujo principal agente é o chip.
Agradeço ao leitor os lúcidos comentários, e passo a analisar exemplos por ele apontados como fatores da atrofia mental, instrumento para a ditadura digital global.
         Um caso muito elucidativo é o Twitter, com suas mensagens limitadas a 140 caracteres, pouco mais que um grunhido. Entende-se que um animal possa externar seus instintos de sobrevivência com grunhidos significando estou com fome, por exemplo. Quantas ideias humanas cabem em 140 letras? Talvez ninguém tenha feito ainda esse cálculo, mas acredito que não cheguem muito além das mensagens que os instintos animais conseguem expressar. No entanto, presidentes da república têm sido eleitos pela manipulação de grunhidos coletivos assim.
Se uma multidão repete em uníssono yes, we can, do ponto de vista intelectual isso não passa de um grunhido, por maior que seja a multidão. Se um capataz manda, e os escravos repetem yes, we can, a situação é exatamente a mesma. Pense em um ditador eleito com base em grunhidos coletivos, e verá como são válidos e coerentes meus comentários sobre multidões mentalmente atrofiadas, que se tornam joguetes de manipuladores. Não pensam, apenas manifestam seus instintos por meio de grunhidos.
         Vêm de longa data os artifícios para reduzir, bitolar, dominar os meios de expressão do pensamento humano. No tempo em que a avaliação estudantil se fazia através de textos descritivos, os alunos demonstravam neles sua inteligência, seu aprendizado. Disseminaram-se os testes de múltipla escolha, mas será que eles fazem avaliação equivalente? Longe disso, pois o aluno atilado pode acertar grande número de respostas sem saber o que foi ensinado. Um salto qualitativo nos testes de múltipla escolha são os ícones do computador e dos brinquedinhos dele derivados. Ninguém escreve uma ordem, basta acionar um botão. E cada comando digital que não exige pensamento gera atrofia mental, reduz a capacidade de raciocínio.
         Quando as crianças aprendem na escola que 3x5=15, adquirem também uma noção espacial, tridimensional, de tamanhos, quantidades, proporções. Limitando o aprendizado às calculadoras, essas noções passam longe, tornando as crianças ineptas para cálculos mentais. Nos relógios e hodômetros digitais, perde-se a noção visual de quantidades, distâncias, comparações. Por exemplo, se o relógio marca 3:35, não se tem a noção visual de quanto falta para 5:58, coisa facílima nos relógios com ponteiros. Faça você mesmo esta comparação do analógico com o digital.
         Quando vejo um jovem ou um grupo deles cutucando ícones em um tablet, smartphone ou qualquer brinquedinho desses, lembro-me de macacos pulando de galho em galho. Nenhum pensamento, nenhum objetivo sério na vida, apenas a sensação do momento. Estão prontos a obedecer as ordens de quem comanda os chips e os ícones. Veja como é acertada a sugestão do meu leitor: dictatorchip = chip ditatorial. Evidentemente não se trata apenas do chip, aquela pecinha do computador. O que importa é a ditadura dos capatazes ou seus patrões, que enviam aos chips as ordens adequadas para comandar multidões, já contaminadas pela atrofia mental.
         Os chips e seus comandantes exercem papel fundamental na mídia, dominam obstinadamente a ampla rede moderna de informações, comunicações e notícias. Normas de vida e conduta, costumes tradicionais, verdades reconhecidas como tais, tudo se desmancha no ar e é substituído, quando algum desses ditadores informáticos decide que já não valem mais. Assim se destroem famílias, culturas, costumes, leis sagradas. Nada permanece de pé quando mentes atrofiadas, comandadas pelos dictatorchips, não conseguem elaborar raciocínios saudáveis, assumir atitudes firmes, manter coerência dentro de convicções mentais bem estruturadas.
         Você pode pensar que estou exagerando, ao mostrar o quadro aterrorizante de uma digitadura ou dictatorchip. Seriam preconceitos contra a internet, a informática, a robótica, as redes sociais, que facilitam a vida e as comunicações. Pode até parecer exagerado, mas são muito claras as três etapas do processo rumo à dictatorchip: 1) primeiro reduzem a necessidade de raciocinar; 2) não raciocinando, os cérebros se atrofiam; 3) sem o pleno funcionamento do cérebro, ditadores conduzem as multidões como carneiros, para onde quiserem. Mantendo-se o atual ritmo frenético de imbecilização coletiva, uma ditadura se torna natural, sem parecer ditadura.
Estas considerações teóricas poderiam dar a impressão de meras possibilidades, por isso advirto que os chips humanos, ou biochips, já estão em fase avançada de testes. A ideia por trás disso é implantar um chip em cada ser humano imbecilizado (muito sugestivamente, já se prende algo assim no gado). Por esse meio as pessoas estarão em contato com centrais digitais, podendo receber ordens e ser controladas minuciosamente. Qual a diferença disso para ditadura? Muito claro, não é?
         Parece a você uma boa ideia ser dominado à distância por uma central, que lhe ordene o que fazer ou não fazer? Por favor, inclua-me fora dessa.
(*) Jacinto Flecha é médico e colaborador da Abim
 

 
 
 
Fonte: Agência Boa Imprensa – (ABIM)

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