sexta-feira, 27 de maio de 2016

Dicas para a CPI do Ministério da Cultura

 Vasculhar orçamentos do PRONAC (Lei Rouanet)

Insistimos com os gastos do ministério da Cultura (MinC). Entendemos que o trabalho da CPI a ser aberta para investigar os recursos liberados pela Lei Rouanet é enorme e recuperará muito dinheiro desviado. Para esta nova etapa de análise de gastos do ministério, precisamos explicar alguns termos. O primeiro deles é o “Pronac”, apresentado no site do ministério como “Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) foi implementado pela Lei Rouanet (Lei 8.313/1991), com a finalidade de estimular a produção, a distribuição e o acesso aos produtos culturais, proteger e conservar o patrimônio histórico e artístico e promover a difusão da cultura brasileira e a diversidade regional, entre outras funções.
Quando um projeto é aprovado pela comissão avaliadora do MinC para ser beneficiado pelo PRONAC, é feito um orçamento detalhado de onde serão gastos os recursos. Estes dados vão para um sistema, público, onde então aguardam o parecer de um técnico, que consulta os preços dos itens em tabelas públicas como o Sistema Nacional de Pesquisa de Custos da Construção Civil (SINAPI) , o  informativo SBC  (aqui) ou a tabela PINI. O técnico também pode fazer pesquisas de mercado para confirmar os valores. Encontrando discrepância, ele aponta os valores corretos e faz, ao final, uma soma geral. Este novo orçamento do técnico é então “respondido” por aqueles que enviaram a proposta inicial. Se o m2 de determinado tipo de argamassa está com preço acima do mercado no orçamento original, e o técnico aponta a diferença, os proponentes do orçamento podem responder dizendo que o valor mais alto se justifica pela localidade da loja que fará a entrega, dizendo que o frete foi considerado ou que somente aquela loja tinha aquela argamassa. O proponente do orçamento pode fazer este tipo de revisão e pedir nova avaliação indefinidamente, até onde for sua habilidade e criatividade para apresentar justificativas. Mais abaixo mostraremos um exemplo deste tipo de justificativa
Quando o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) aprova, não há mais volta e mesmo o que está com preço acima do mercado é realizado. Há casos de Pronacs de altíssimo valor que só chegam a ser analisados pelo TCU 4,6 e 10 anos após a aprovação dos recursos  em função da burocracia e dos pobres recursos que são investidos em fiscalização destes projetos e das obras. .
Embora tenha milhares de cargos comissionados e uma estrutura gigantesca, justamente na fiscalização da aplicação de recursos liberados pela Lei Rouanet faltam profissionais especializados, que seriam os engenheiros orçamentistas – para fiscalizar essas planilhas de orçamento aprovados pelo MinC. Vale lembrar que esses projetos fazem uso diretamente de recursos públicos mas não seguem os mesmos passos que uma obra pública. O proponente de um projeto aprovado pelo MinC, mesmo gerindo milhões, não é obrigado a abrir licitações. Ao contrário das licitações, apenas as planilhas dos Pronacs passam por  fiscalização, não há fiscalização das obras realizadas para verificar se tudo o que foi para a planilha de orçamento foi realmente utilizado.
Para que entendam as possibilidades, trazemos abaixo um orçamento aprovado pelo MinC para aplicação de recursos públicos oriundos de renúncia fiscal.

Um projeto como exemplo

PRONAC_InstitutoPedra
O projeto da imagem acima foi orçado em R$ 26 milhões que seriam utilizados para “Restauração e Adaptação do Pavilhão das Culturas, Parque Ibiraquera”. Após revisão por técnicos, o projeto foi aprovado com R$ 24 milhões.  Qualquer um pode conferir o projeto clicando aqui.
Vejamos primeiro um exemplo de item recusado por parecer técnico, um caso já bastante simbólico: o Instituto Pedra  (guardem esse nome para o futuro) queria ter, durante a obra, o direito a um motorista particular para seus diretores. Cliquem na imagem para ampliá-la:
PRONAC_cabecalhoitens
PRONAC_Motorista
Agora, vamos a um caso em que o valor do item é altíssimo se comparado ao preço de item na tabela SINAPI:
PRONAC_Argamassa
O tipo mais caro de argamassa na tabela SINAPI tem preço unitário de R$ 46,26 (1), bem menos que esses R$ 70,05  e que, apenas neste item, geraria uma economia de R$ 360 mil.
Outro caso  escolhido aleatoriamente e analisado diz respeito ao item “Brise Hunter Douglas – Termobrise” abaixo:
PRONAC_cabecalhoBrisePRONAC_BRISE
Entramos em contato com uma revendedora dos produtos HunterDouglas e fizemos uma cotação do mesmo tipo de Brise. Se no orçamento enviado ao MinC o m2 custava R$ 635, na nossa simulação de orçamento ele saiu por R$ 445,40 (2), uma diferença que no preço final geraria economia de R$ 159 mil reais.
Só nesses rápidos exemplos estamos falando de economia potencial de quase R$ 600 mil.
Agora vejam um caso, neste mesmo projeto, em que o técnico do IPHAN questionou uma despesa orçada e teve, em resposta, justificativas de proponente que foram aceitas. O projeto teve aprovado R$ 5 mil para criação do site “a preço de mercado” e mais R$ 10 mil de manutenção do site por um web designer por dois meses:
Pronac_Justificativa2
Justificativa para despesa de manutenção do site: “Contratação de serviços de um web designer por aproximadamente dois meses.”
PRONAC_Justificativa
Justificativa para o gasto de criação de site: “um site oficial do Seminário pelo valor de R$ 5.000,00 e uma página no facebook pelo valor de R$ 1.000,00”

O QUE A CPI DEVE FAZER

Nossa análise foi rápida. Não fazemos nenhuma acusação pois não somos especialistas em orçamento. De qualquer forma, o que mostramos aqui é como são frágeis os sistemas de controle de recursos públicos usados por quem é beneficiado pela Lei Rouanet.
Uma CPI séria sobre os gastos do ministério da Cultura deve reservar uma equipe para revisar projetos de alto valor, questionar as empresas responsáveis pelas obras e ter gente capacitada para passar um pente fino em cada um desses itens. Técnicos do IPHAN também poderiam ser consultados para ajudar nas análises.
Após os trabalhos da CPI, os deputados devem revisar a  legislação que regula os Pronacs de obras (leis, decretos, portarias envolvidos no programa) para eliminar a “zona cinzenta” apresentada aqui.
O que não podemos é ter para uma lei que já é restritiva e elitista, tais privilégios
(1) Tabela SINAPI, trecho com valores de argamassa
SINAPI_Argamassa
(2) Orçamento para Brise Douglas Hunter:
Orcamento_BRISE

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