Perto do que
os petistas querem impingir ao país, a revolução cultural de Mao, na
China, parece coisa de principiante. A desgraça que é a "Base Nacional
Comum Curricular" - uma autêntica "revolução cultural", principalmente
em relação à História - mereceu também as críticas do historiador Marco
Villa, em artigo publicado no jornal O Globo:
O
Ministério da Educação está preparando uma Revolução Cultural que
transformará Mao Tsé-Tung em um moderado pedagogo, quase um “reacionário
burguês.” Sob o disfarce de “consulta pública”, pretende até junho
“aprovar” uma radical mudança nos currículos dos ensinos fundamental e
médio — antigos primeiro e segundo graus. Nem a União Soviética teve
coragem de fazer uma mudança tão drástica como a “Base Nacional Comum
Curricular.”
No caso
do ensino de História, é um duro golpe. Mais ainda: é um crime de
lesa-pátria. Vou comentar somente o currículo de História do ensino
médio. Foi simplesmente suprimida a História Antiga. Seguindo a vontade
dos comissários-educadores do PT, não teremos mais nenhuma aula que
trata da Mesopotâmia ou do Egito. Da herança greco-latina os nossos
alunos nada saberão. A filosofia grega para que serve? E a democracia
ateniense? E a cultura grega? E a herança romana? E o nascimento do
cristianismo? E o Império Romano? Isto só para lembrar temas que são
essenciais à nossa cultura, à nossa história, à nossa tradição.
Mas os
comissários-educadores — e sua sanha anticivilizatória — odeiam também a
História Medieval. Afinal, são dez séculos inúteis, presumo. Toda a
expansão do cristianismo e seus reflexos na cultura ocidental, o mundo
islâmico, as Cruzadas, as transformações econômico-políticas,
especialmente a partir do século XI, são desprezadas. O Renascimento —
em todas as suas variações — foi simplesmente ignorado. Parece mentira,
mas, infelizmente, não é. Mas tem mais: a Revolução Industrial não é
citada uma vez sequer, assim como a Revolução Francesa ou as revoluções
inglesas do século XVII.
O
apagamento da História, ao estilo Ministério da Verdade de “1984,” não
perdoou a história dos Estados Unidos — neste caso, abriu exceção
somente para a região onde esteve presente a escravidão. Do século XIX
europeu, tudo foi jogado na lata de lixo: as unificações alemã e
italiana, as revoluções — como a de 1848 —, os dilemas
político-ideológicos, as mudanças econômicas, entre outros temas
clássicos e indispensáveis à nossa História.
Os
policiais da verdade não perdoaram também a História do Brasil. Os
movimentos pré-independentistas — como as Conjurações Mineira e Baiana —
não existiram, ao menos no novo currículo. As transformações do século
XIX, a economia cafeeira, a transição para a industrialização foram
desconsideradas, assim como a relação entre as diversas constituições e o
momento histórico do país, isto só para ficar em alguns exemplos.
Mas,
afinal, o que os alunos vão estudar? No primeiro ano, “mundos ameríndio,
africanos e afro-brasileiros.” Qual objetivo? “Analisar a pluralidade
de concepções históricas e cosmológicas de povos africanos, europeus e
indígenas relacionados a memórias, mitologias, tradições orais e a
outras formas de conhecimento e de transmissão de conhecimento.” E
também: “interpretar os movimentos sociais negros e quilombolas no
Brasil contemporâneo, estabelecendo relações entre esses movimentos e as
trajetórias históricas dessas populações, do século XIX ao século XXI.”
Sem esquecer de “valorizar e promover o respeito às culturas africanas,
afro-americanas (povos negros das Américas Central e do Sul) e
afro-brasileiras, percebendo os diferentes sentidos, significados e
representações de ser africano e ser afrobrasileiro.”
No
segundo ano — quase uma repetição do primeiro — o estudo é sobre os
“mundos americanos.” Objetivo: “analisar a pluralidade de concepções
históricas e cosmológicas das sociedades ameríndias a memórias,
mitologias, tradições e outras formas de construção e transmissão de
conhecimento, tais como as cosmogonias inca, maia, tupi e jê.” Ao
imperialismo americano, claro, é dado um destaque especial. Como
contraponto, devem ser estudadas as Revoluções Boliviana e Cubana; sim,
são exemplos de democracia. E, no caso das ditaduras, a sugestão é
analisar o Chile de Pinochet — de Cuba, nem tchum.
No
terceiro ano, chegamos aos “mundos europeus e asiáticos.” Se a Guerra
Fria foi ignorada, não foi deixado de lado o estudo da migração japonesa
para o Paraguai na primeira metade do século XX (?). O panfletarismo
fica escancarado quando pretende “problematizar as juventudes,
discutindo massificação cultural, consumo e pertencimentos em diversos
espaços no Brasil e nos mundos europeus e asiáticos nos séculos XX e
XXI.” Ou quando propõe “relacionar as sociedades civis e os movimentos
sociais aos processos de participação política nos mundos europeus e
asiáticos, nos séculos XX e XXI, comparando-os com o Brasil
contemporâneo.”
Quem
assina o documento é o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro, um
especialista brasileiro em Thomas Hobbes. Porém, Hobbes ou o momento em
que viveu (o século XVII inglês) são absolutamente ignorados pelos
comissários-educadores. Para eles, de nada vale conhecer Hobbes, Locke,
Platão, Montesquieu, Tocqueville, Maquiavel, Rousseau ou Sócrates. São
pensadores do mundo europeu. O que importa são as histórias ameríndias,
africanas e afro-brasileiras.
O
documento está recheado de equívocos, exemplos estapafúrdios, de
panfletarismo barato, de desconhecimento da História. Os programas dos
cursos universitários de História foram jogados na lata de lixo e há um
evidente descompasso com a nossa produção historiográfica. A proposta é
um culto à ignorância. Nenhuma democracia no mundo ocidental tem um
currículo como esse. Qual foi a inspiração? A Bolívia de Morales? A
Venezuela de Chávez? A Cuba de Castro? Ou Lula, aquele que dissertou
sobre a passagem de Napoleão Bonaparte pela China?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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