Maurício de Nassau instalou na cidade a primeira cervejaria das Américas.
375 anos depois, a 'La Fontaine' é referência para amantes da bebida.

(Foto: Edgar Domingues/ Arquivo Pessoal)
Tendo como base malte, levedura, lúpulo e água, as combinações são infinitas e o segmento próspero para o crescimento. Atualmente, são mais de 150 estilos de cervejas mapeadas, sendo a pilsen a mais difundida entre elas. Segundo o Market Share, nos Estados Unidos esse mercado de cervejas artesanais atinge a ordem de 11% do consumo, quando no Brasil é de apenas 1%.

(Foto: Edgar Domingues/ Arquivo Pessoal)
Cervejeiro há 28 anos, Laerte Rocha, 55, comenta que não existe classificação de cerveja boa ou ruim. Na verdade, o que há é uma opção do que agrada mais determinada pessoa. "Isso é muito relativo porque cada um tem seu paladar próprio". Mas fez questão de listar alguns pontos imprescindíveis. "O que não pode faltar é matéria prima de boa qualidade e uma pessoa que faça as coisas com carinho", concluiu.
Seguindo esse desejo de resgatar a tradição de Nassau, Thomé Calmon, Eduardo Farias e Raimundo Dantas resolveram criar a primeira cervejaria artesanal no Recife, a Debron. A expressão significa "A Fonte", em holândes, mesmo significado de "La Fontaine", em francês. "Apesar de já ter esse movimento de cerveja artesanal no país há uns 10 ou 15 anos, aqui em Recife praticamente não tem, ainda é uma cultura bem incipiente. É um desafio, mas acreditamos que, mais que um modismo, é uma tendência e cedo ou tarde esse movimento que já é forte no Sul vai aparecer aqui com a mesma força", acredita Thomé.

Atualmente, a fábrica produz 40 mil litros da bebida e só comercializa para bares e restaurantes por meio de barril, porém isto está prestes a mudar. Ainda segundo Thomé, a previsão é que até o fim deste ano a Debron venda seu produto engarrafado. "É um negocio muito contagiante. Temos espaço para crescer e pretendemos. É algo ainda embrionário, mas as pessoas estão conhecendo e o mercado está pujante".
Fábrica Capunga
Ao contrário da Debron, que se inspirou no pioneirismo do conde holandês para a identidade da marca, uma outra fábrica de cerveja artesanal terminou fazendo referência à história por acaso. A Capunga teve o nome escolhido em referência à área do Recife onde os quatro sócios – Dante Peló, 39 anos, Bruno Peló, 37, Edgar Domingues, 33 e Victor Lamenha, 31 - cresceram. Mas "Capunga" também é o nome da área do bairro das Graças onde foi instalado a primeira fábrica, em 1640. "Na verdade tudo surgiu com uma homenagem que queríamos fazer para nossa família, mas acabei achando um livro que conta a história dos bairros e, curiosamente, como já tinha escolhido o nome Capunga, procurei e descobri a história da cervejaria de Nassau", explicou Edgar.

(Foto: Thays Estarque/ G1)
Respeitados por entregar uma cerveja com a espuma bem cremosa, a cervejaria fabrica apenas a pilsen. “Cor mais avermelhada, teor alcóolico a 20% e quatro vezes mais amarga, dentro deste estilo trabalhamos com os extremos dela. Esperamos que em janeiro tenhamos sete receitas só da pilsen. A ideia da Capunga é ser uma cerveja com gostinho de feita em casa, já para ter um aspecto de algo único”, disse Edgar.
Para eles, responsabilidade de reviver esse fato vem antes de qualquer sucesso. Ainda segundo Dante, há um desejo de contar uma boa história e servir uma boa cerveja. “Estamos captando depoimentos, indo a eventos e pesquisando livros históricos na tentativa de lançar um documentário. Queremos filmar um ano de material para propagar essa relíquia quase que perdida e que é tão do pernambucano, tão dos amantes de cerveja”.
Mercado de matérias-primas
Com Manoela Constantino, 29 anos, e José Oliveira, 52, Felipe Muniz, 30, tinha uma loja de refrigeração que vendia peças para geladeira e freezer. Porém começou a perceber que o mercado das cervejas artesanais estava crescendo e percebeu uma oportunidade de juntar a paixão pela bebida com a fonte de renda. “Sou formado como cervejeiro na Alemanha, mas nunca entrei na indústria, pois tinha esse negócio para tocar. Fui aos poucos juntando o útil ao agradável e consegui ser uma distribuidora de um produto bem conhecido”, contou.
O próximo passo foi reservar parte de uma das duas lojas para a venda do material. Ele disse também que não tem como bancar um estabelecimento só para os insumos, porque o crescimento é vertiginoso, mas bastante incipiente ainda. “Hoje de cerveja conseguimos ter entre sete a dez clientes por dia, o que é pouco. Por isso precisamos manter ainda a loja de refrigeração. Entretanto, caso o mercado siga respondendo bem, o que agora se restringe apenas a um lado tomará a loja toda”.

(Foto: Thays Estarque/ G1)
Entre os insumos, várias variedades de malte, lúpulo e levedura. A loja, chamada CiBrew, também vende materiais para fabricação, como moedores. Dos itens básicos para começar o hobby está a panela de fundo falso, termômetro, densímetro, espumadeira e alguns mais específicos como de laboratório. Segundo o distribuidor, com mil reais se consegue montar uma área de trabalho inicial.
As condições climáticas do Nordeste e a dificuldade de transporte dos insumos em 1640 são bem distintas dos dias atuais. Por exemplo, hoje, um frete desses materiais vindos de Hamburgo, na Alemanha, custa o mesmo de uma carreta oriunda de Porto Alegre. “Tirando as barreiras e os trâmites, acredito que o mundo está muito próximo e não sofremos mais com o perigo da falta de insumos. Podemos encontrar materiais do mundo inteiro sem dificuldades em Pernambuco”, completou Felipe.
Comprador assíduo da loja, Francisco Almeida, agrônomo de 32 anos, aprecia a arte de fabricar a bebida. Para ele, a cerveja é tratada como um hobby a ser compartilhado entre amigos. “Comecei fazendo em janeiro. Antes era 20 litros, agora 40. Assim como o local de armazenar, que era a geladeira e já virou um freezer. A ideia é reunir os amigos e experimentar nossas invenções na cozinha”.

Food truck
Cansados da exaustiva rotina da advocacia, os irmãos Tasso resolveram abrir o próprio negócio. Apreciadores de uma boa cerveja, Fernando, 34 anos, e Eduardo, 28, compraram uma Kombi azul de 1975 e acoplaram um trailer especialmente montado para virar um food truck. Assim nascia a Recbeer, um bar de cervejas artesanais móvel. “Saia de casa às 7h e só voltada às 23h, não tinha vida e nem perspectiva de crescimento profissional”, conta o irmão mais velho.
Tudo surgiu com a ideia de Fernando abrir um bar que vendesse hambuguer e cerveja com algum diferencial. "Foi quando começaram os food trucks em São Paulo. Aproveitei uma viagem de férias para pesquisar por lá. Voltei pensando em montar um truck de R$ 30 mil, pegar um financiamento, mas voltei para a realidade e comprei a kombi. Porém, precisava me destacar dos outros bares, senão seria mais um vendedor", concluiu.

Mantendo o objetivo de sempre promover uma diversidade da bebida, eles dão ao cliente a opção de degustar cinco tipos de cerveja diferentes pagando apenas R$ 35. "A gente coloca uns copinhos de 200 ml de cinco rótulos distintos. Tem uma galera que já chega perguntando o que temos de diferente naquele fim de semana", explicou.
Porém, o que parecia ser algo mais tranquilo e de fácil retorno financeiro logo se mostrou ser um trabalho pesado e com necessidade de planejamento. Fernando ainda relembrou que pesquisou bastante e montou um plano de negócios até tomar a decisão. “Não tem glamour. O pessoal vê na TV e pensa que é tudo lindo e fácil. Ficam vendo os chefes de São Paulo renomados e descolados. A realidade é bem diferente. Estou com os dedos cortados, suo o tempo todo e minha vida agora é só carregar caixa. Porém, tudo isso vale a pena pela felicidade que estou sentindo”, completou.
Casamento personalizado
Raphael Vasconcelos é presidente da Associação dos Cervejeiros Artesanais de Pernambuco há dois anos. O engenheiro eletrônico de formação resolveu fabricar a cerveja do próprio casamento. “Minha esposa fez quase tudo para a cerimônia, da palheta de cores até o nosso convite, só me sobrou a bebida”, brincou.
Brincadeiras à parte, apreciar as especiais é assunto sério para Raphael. Ele contou que um dos fatores que influenciou a escolha foi o momento único que estava vivendo. “Não queria comprar uma cerveja qualquer, queria colocar meu carinho naquilo. Afinal, lá estavam meus amigos e familiares. Por isso, pensei e elaborei dois estilos diferentes para servir, a weizer e a pale ale, por se tratar de um casamento de dia e por muitos nunca terem degustado uma cerveja que não fosse as de grandes marcas”.

Atualmente, ele é sócio do Apolo Beer Café, um estabelecimento localizado na Rua do Apolo, bairro do Recife, especializado em bebidas selecionadas. Com dois tipos de torras de café e 100 rótulos de cervejas artesanais, Raphael relatou que a característica da casa é a consultoria. “Eu gosto tanto do que faço que acabo ajudando os clientes na hora da compra. Quando recebo alguém que nunca provou as especiais digo que nunca voltará a tomar qualquer uma. É fácil se acostumar com coisa boa”.
Processo de fabricação
Após a moagem, o malte é transportado através de um duto para o silo em cima da tina de mistura. É nesta etapa que ocorre o cozimento do malte por tempo e temperaturas importantes para a ativação das enzimas. Elas são responsáveis por liberar os açúcares fermentáveis que vão alimentar as leveduras durante a fermentação. Além dos açúcares, o malte também é responsável pela cor e corpo da cerveja.
Depois do cozimento, o mosto é bombeado para outra tina, onde acontece a clarificação. É onde o malte é separado do líquido. Neste processo as cascas fazem camadas que ajudam na filtração. Durante a fervura do mosto, onde ocorre a esterilização, é adicionado o lúpulo.
Aprenda a fazer
Para os novatos neste segmento e que gostariam de transformar a paixão pela cerveja em um hobby, a Associação dos Cervejeiros de Pernambuco (Acerva) criou um curso que envolve aula teórica e prática em uma fábrica.
Com o crescimento deste mercado, a Acerva já organiza quatro turmas de 30 pessoas a cada dois meses, e a tendência é aumentar. O ex-aluno e atual membro da Acerva, Felipe Bôaviagem, 37 anos, é um dos responsáveis por aplicar o curso. “É interessante observar que, com mais pessoas fazendo boas cervejas, você acaba provando novos tipos da bebida. Isso aumenta a cultura cervejeira e sai daquela mesmice de cervejarias mainstream”, disse.
Felipe ainda mencionou que o mundo das artesanais é infinito. Há possiblidades de harmonizá-las com tudo, de peixes até doces. Assim como existem vários tipos distintos como os leves, os extremamente amargos e as encorpadas com coentro, casca de laranja e mel. “Eu fiz as aulas por curiosidade, só para saber como era, e não acreditava que podia fazer em casa ou apartamento. Dá para fazer e sai coisa boa”, garante.
Victor Ferraz, engenheiro de 33 anos, também é um dos membros da associação e ex-aluno que se surpreendeu com o que podia fazer na própria cozinha. “O que mais me impressionou foi a facilidade. Lembro que quando fiz o curso me espantei com o fato de poder fazer numa panela”.

Para participar do curso é cobrado uma taxa de R$ 250 para associados e R$ 350 para não sócios. Além das aulas há alguns benefícios em ser sócio, como descontos em lojas de insumos, participação em eventos, além de regulares encontros para degustação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário